A revisão e a renovação dos paradigmas da Indústria brasileira é absolutamente necessária para a conquista de melhores níveis de competitividade para ela. E estamos perdendo um tempo precioso ao não acelerarmos esses processos.
Marcus Frediani
É uma questão de Física pura. A terceira lei de Newton afirma que a toda ação corresponde a uma reação de igual intensidade, mas que atua no sentido oposto. Pois é, o Brasil se acomodou, principalmente entre os anos de 2000 e 2008, com o boom das commodities. A ação: em função da abundância de nossos recursos naturais – somada ao seu protagonismo nesse período no mercado internacional do Agronegócio – o país acabou “gostando” de vender produtos de baixo valor agregado. A reação: por conta disso, o Brasil deixou de dar a importância que deveria ter sido dada para manter a competitividade da Indústria nacional, penalizando-a, ainda por cima, com uma pesada carga tributária, que conduziram a uma situação de descalabro. E o mais grave subproduto da reação: além de perder expressivos pontos percentuais em termos de composição do PIB brasileiro (hoje reduzida a ínfimos 11%), ela paga, paradoxalmente, quase 28% dos impostos no Brasil.
“Esse percentual é absurdamente desproporcional ao que é pago pelos outros setores da economia. Paralelamente, os custos de se produzir atualmente no Brasil são cerca de US$ 1,5 trilhão ao ano maiores quando comprados aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, pontua José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo/ Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP/CIESP) e diretor titular do Departamento de Economia, Competitividade e Tecnologia de ambas as entidades.
Outro resultado deletério dessa história, segundo Roriz, foi que, durante um longo período de dólar subvalorizado, abriu-se a oportunidade para uma guerra cambial, com a invasão de produtos estrangeiros em nosso mercado, à qual a Indústria brasileira não conseguiu esboçar oposição, por conta da falta de isonomia no ambiente de negócios, o que também acabou gerando pouco retorno no âmbito de nossas exportações.
“Tanto que, hoje, no cenário internacional, o Brasil tem uma participação nelas que não passa de 2,3% de tudo que é exportado, uma cifra muito inferior ao potencial da nossa economia. Não tivemos condições de competir com o produto importado, não tivemos condição de exportar e, além disso, convivemos com uma pesada carga tributária e um longo período com juros altíssimos, os mais elevados do planeta, o que afastou os investimentos. E nesse imbróglio, a Indústria brasileira, responsável por 27% de tudo que o setor privado investe no país, foi específica e duramente penalizada”, destaca o vice-presidente da FIESP/CIESP.
PRIORIDADES BÁSICAS
Passando a régua no que já foi dito, a constatação que é algo bem simples e já amplamente sabido: os sucessivos governos brasileiros não compreendem exatamente a real dimensão e o papel que a Indústria tem na nossa economia, num crescendo que, além de combalir sua produtividade e competitividade, abalou seriamente a confiança do empresariado em seus entes públicos, circunstâncias essas, aliás, colocadas especialmente a nu nestes complicados tempos de COVID-19. E o “antídoto” para essa situação de envenenamento sistemático é um só: a criação de uma Política Industrial voltada para agregação de valor aqui no país e à ampliação dos investimentos.
Porém, como tudo que acontece no Brasil, o caminho das pedras para a construção dela é longo e tortuoso, e depende da conjunção de alguns fatores fundamentais, cujo ponto de partida seria, obrigatoriamente, o estabelecimento de uma grande convergência no setor industrial para pleitear urgência na aprovação da reforma Tributária, em moldes objetivos para incentivar a produção e ganhar espaço no mercado internacional.
“Atualmente, além de pagarmos muitos impostos – eles são, no mínimo, 10% maiores daqueles pagos pelos países que competem com a gente –, existem muitos entraves burocráticos que criam um cenário de insegurança jurídica, que inibe investimentos, tanto locais quanto internacionais, bem como dificuldades de ordem técnica que impedem nossa Indústria de alcançar velocidade de cruzeiro. Por exemplo, temos uma infraestrutura defasada, que encarece o custo de movimentação de produtos. E isso deixa mais do que claro que a gente deveria ter uma representação industrial convergindo para que esses assuntos sejam analisados rapidamente pelo governo, com políticas públicas voltadas a resolver esses problemas”, sublinha Roriz.
Complementarmente, o executivo ainda cita outro obstáculo clássico ao desenvolvimento do nosso setor industrial, a dificuldade para obtenção de financiamentos, problema que atinge de forma muito dura uma expressiva e específica massa de operadores. “Hoje, no Brasil, temos uma concentração muito grande de agentes de crédito: são apenas cinco bancos, responsáveis por 82% do crédito constituído no Brasil, que, por razões diversas, acaba não chegando às pequenas e médias empresas. Em outras palavras, na prática, eles emprestam dinheiro para quem não precisa, que são, geralmente, os grandes conglomerados que estão no mercado de capitais industriais. E quando as pequenas e médias conseguem, têm que arcar com taxas de empréstimo altíssimas, muito acima do que seria razoável para elas se manterem competitivas. Isso também tem que mudar”, resume.
RETOMADA LENTA
As prioridades alinhadas por Roriz, remete, também à busca da resposta para as perguntas de U$ 1 trilhão que mais se ouve no mundo: Quanto tempo vai demorar para acontecer e como será o cenário econômico e o da indústria na retomada do pós-COVID? De saída, o VP da FIESP/CIESP lamenta informar que acredita que ela não será tão rápida. E expõe os fatos que justificam sua argumentação: “O Brasil já vinha de uma crise desde 2014, quando, por exemplo, o consumo de energia caiu 10%, e a produção da Indústria voltou aos níveis de dez anos antes. Então, na melhor das hipóteses, podemos até ter índices de recuperação relativamente altos: contudo, eles vão ter como base o ano de 2014, o que implica dizer que o processo vai se estender por muito tempo, porque a Indústria brasileira está produzindo hoje o que produzia há mais de 15 anos”, pondera, deixando ainda claro que mesmo depois de a crise do coronavírus passar, o Brasil não vai conseguir crescer de 4% a 4,5%, cifras que seriam a nossa necessidade ideal. “OK, o Agronegócio está batendo recordes. Mas, precisamos cada vez mais passar a vender produtos que passem por processos industriais. Ou seja, nossa Indústria precisa se sofisticar e agregar valor, porque assim ela vai conseguir pagar melhores salários e aumentar a renda. E, com o aumento da renda, somado a uma urgente e positiva definição da reforma Tributária – leia-se menores impostos para a Indústria –, você fecha o ciclo, alimentando o aumento do volume de produção”, complementa.
Para que isso aconteça também, a tal convergência entre Indústria e governo citada aí atrás naturalmente aparece como melhor combustível para acelerar o processo no médio e longo prazos, no âmbito de uma agenda de competitividade que permita que a Indústria nacional seja competitiva não só no mercado interno, frente às importações, mas que também permita ao Brasil operar de maneira mais eficiente também no mercado internacional.
NOVAS CABEÇAS
Mas, não é só isso. Para Roriz, o setor Industrial no Brasil precisa de uma renovação em sua representatividade junto ao governo, por meio de uma dinâmica que favoreça a alternância em suas lideranças. Então, ainda segundo ele, o que falta hoje no Brasil são novas ideias e propostas levadas por novos líderes, a fim de parar de fazer o mesmo que já foi feito no passado para se ter uma Indústria mais competitiva, e acabou não dando certo.
“Temos que nos renovar. E, para isso, a solução é ter alternância das lideranças das entidades que representam a nossa Indústria e trazer novas cabeças para dentro delas. Não podemos mais conviver com as enormes concentrações de poder nas mãos de presidentes. As decisões precisam ser compartilhadas. Quantas vezes, por exemplo, as maiores empresas nacionais e multinacionais instaladas no Brasil trocaram de CEOs nos últimos 20 anos, enquanto nas entidades representativas da Indústria nacional continuamos com os mesmos personagens na Presidência? Sem essa alternância de posições, dificilmente teremos uma Indústria nacional forte e competitiva, capaz de atrair investimentos e tudo mais. E essa alternância, vale dizer, nada mais é do que um processo natural”, finaliza José Ricardo Roriz Coelho, da FIESP.