Do jeito que está, não dá mais. Se temos amplo conhecimento dos obstáculos que se interpõem ao nosso pleno desenvolvimento como nação, precisamos ter a coragem de criar soluções inteligentes para transformar nosso eterno “país do futuro” em nosso “país do presente”. E nesse novo cenário, a Indústria brasileira tem tudo para desempenhar seu honroso e merecido papel de protagonista.

Marcus Frediani

A crise da COVID-19 quebrou todas as melhores expectativas de retomada da economia alimentadas no final de 2019. Mas, independentemente da famigerada pandemia do novo coronavírus, a Indústria brasileira continua firme em sua trajetória de “voos de galinha”, sem conseguir decolar de verdade, alternando nos últimos anos momentos ruins (muitos) com alguns (poucos) relativamente razoáveis, num continuum que gera muito mais calor do que luz, performando sucessivos desequilíbrios na velha e boa equação de produtividade e competitividade.

“Lamentavelmente, esse é o quadro atual da nossa Indústria, que, ao longo dos últimos anos, vem perdendo gradativos índices de participação no PIB brasileiro, bem como representatividade na economia global”, sublinha Ricardo Martins, presidente da Associação Brasileira da Indústria Processadora de Aço (ABIMETAL) e do Sindicato Nacional das Indústrias de Trefilação e Laminação de Metais Ferrosos (SICETEL), ambas as entidades com sede no prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na Avenida Paulista.

Constatações como essas não deixam de ser estranhamente paradoxais. Afinal de contas, a Indústria, que sempre aparece como locomotiva do desenvolvimento de qualquer nação de Primeiro Mundo, está longe de ter esse status no Brasil. Ao contrário, por aqui ela se parece mais o “patinho feio” da história, sendo sempre tratada como tal na ordem dos setores produtivos do país, tais como o de Agronegócio, o de Serviços o Comércio, o que é realmente algo inconcebível.

PREVISIBILIDADE COM REPETIBILIDADE
Mas por que tudo isso acontece? Bem, parte do problema tem a ver com a falta de uma Política Industrial estável, que permita aos operadores fazer um planejamento razoável no médio e longo prazos. E essa é a razão pela qual a Indústria brasileira também não consegue se preparar de forma adequada para enfrentar todos os cenários que são avessos aos investimentos e ao crescimento, como é o caso da crise atual ocasionada pela pandemia do novo coronavírus. “Em síntese, a grande dificuldade que a gente tem é a falta de repetibilidade de uma situação constante e favorável ao desenvolvimento da nossa Indústria, período que a gente não vive já faz muito tempo. E isso tudo, somado aos inúmeros problemas que temos com relação ao famigerado Custo Brasil, cria um cenário contínuo de ‘tempestade perfeita’, no âmbito de um ciclo nada virtuoso, do qual não conseguimos sair”, pontua Martins.

E, a cada dia que passa, o estabelecimento de um saudável clima de previsibilidade parece cada vez mais distante, malgrado até mesmo as aprovações das reformas Trabalhista e Previdenciária, que, ao que tudo indica, estão longe de apontar uma luz no fim do túnel para a Indústria. E o que é pior é que nem a aprovação da ansiada reforma Tributária deverá fazer isso. Segundo o presidente da ABIMETAL/ SICETEL, dificilmente os termos dela, que estão sendo negociados agora no Congresso, irão favorecer de maneira adequada o setor industrial, que é quem, vale enfatizar, é aquele que paga mais impostos atualmente no Brasil.
“Se você analisar, o setor de Serviços – que corresponde a 70% do PIB nacional e tem feito um lobby fortíssimo para aprovação ou reprovação das regras para a reforma Tributária –, paga muito pouco de impostos.
E o Agronegócio paga muito pouco também. Mas aí você diz: o Brasil vive da agricultura. Perfeito! Só que a situação é a seguinte: paga pouco imposto e, diferentemente da indústria, gera poucos empregos, a maioria deles subvalorizados. Então, se a coisa continuar assim, o Brasil vai acabar virando uma colônia agrícola, e não um país industrializado capaz de gerar riqueza e desenvolvimento de verdade. Em outras palavras, estamos na contramão da trajetória das nações desenvolvidas do planeta, todas donas de uma indústria forte”, pondera Ricardo Martins.

EXPORTAÇÕES: CENÁRIO COMPLICADO

E aí vem aquela pergunta de sempre: cadê a veia empreendedora da indústria? Bem, vamos pegar um exemplo emblemático para tentar explicar isso, que é o da nossa Indústria Automobilística. Embora seja indiscutível que esse setor produtivo tenha um peso muito grande no desenvolvimento da Indústria nacional, além de se configurar como um dos principais clientes da Siderurgia brasileira, o que acontece é que ele tem também uma forte participação mundial integrada às cadeias de valor. Na prática, então, isso envolve uma questão muito simples: ou os fornecedores locais fazem o preço que o setor Automobilístico quer, ou seus players vão importar. E o caso clássico de segmentos como o de parafusos e de elementos de fixação, cuja importação já supera volumes entre 60%-65% do consumo aparente brasileiro, mesmo agora com o dólar acima de R$ 5,20. E essa é uma realidade generalizada, que se observa em várias outras cadeias produtivas.

 

Do outro lado, o das exportações, a coisa também anda bastante complicada, principalmente em função do câmbio, cuja tendência de alta está longe de ser estável: hoje o dólar está sobrevalorizado em relação ao real, mas, amanhã, ninguém pode afirmar com segurança o que pode acontecer. Em outras palavras, se um operador nacional tira um pedido de um cliente estrangeiro em situação de alta do dólar e, quando vai faturar a nota encontra uma situação de baixa da moeda, é prejuízo na certa.

E quando se fala em pedidos para exportação, temos que lembrar que os clientes vão fazer uma comparação dos nossos preços com aqueles dos outros países, como a China, que tem um dólar bem mais barato do que a gente. Além disso, não podemos esquecer que cada vez que fazemos uma apreciação em dólar, existe uma correção também dos preços das matérias-primas básicas, em função, por exemplo, do repasse dos aumentos represados que a Indústria Siderúrgica tem que fazer para compensar os aumentos de preços que ela teve também, como os de energia elétrica e de insumos que compra no mercado global.
“Isso tudo faz com que o fornecedor nacional sofra perdas e não consiga manter sempre o mesmo preço lá fora, porque, se de um lado ele tem que reduzir seu preço porque o dólar aumentou, do outro ele tem que aumentar seu preço porque a matéria-prima subiu. E, assim, ficam elas por elas. Então, quem exporta e opera com dólar tem sempre que trabalhar com precaução. Claro, fazemos de tudo para que os associados de nossas entidades entrem no comércio internacional. Mas, se logo em seguida vem uma queda do dólar, todos os planos vão por água abaixo. Lamentavelmente é isso que se passa hoje no Brasil”, contextualiza o presidente da ABIMETAL/SICETEL.

UMA POLÍTICA INDUSTRIAL DE VERDADE
E essa percepção se agrava ainda mais quando se tem a impressão, fundamentada por algumas constatações básicas preocupantes, de que o governo brasileiro não se deu conta dos reais problemas atravessados pela Indústria nacional, fazendo muito pouco, ou mesmo nada, para virar esse quadro a favor do país. Exemplo claro disso é o grande rebaixamento que ele está promovendo, na calada da noite, nas alíquotas e impostos de importação.
“Temos que frear esse tipo de coisa. Precisamos de mudanças no que tange à organização de nossa Economia e, ao mesmo tempo, da definição de uma Política Industrial produtiva, segura e transparente, para avançarmos como nação desenvolvida, porque a Indústria brasileira está perdendo cada vez mais representatividade não só no mercado interno, como também em nível internacional. E precisamos de mudanças também no que diz respeito à representatividade de nossa Indústria frente ao governo brasileiro, porque se o modelo que está aí não nos trouxe nenhum tipo de vantagem nos últimos 20 anos, não existe explicação ou justificativa para ele permanecer como está. Em outras palavras, a gente não pode se contentar ou achar que pelo simples fato de termos conseguido pequenas vitórias – muitas vezes apenas contra atos burocráticos ou contra legislações abusivas – está tudo bem. Precisamos de muito, muito mais. Afinal, a gente está defendendo não só a sobrevivência, como também o desenvolvimento e o futuro da Indústria brasileira”, finaliza Ricardo Martins.