Tópicos para resolver e aspectos sobre os quais o Brasil precisa dar foco e se debruçar para atrair recursos e colocar o país nos trilhos da retomada econômica pós-COVID.
Marcus Frediani
Miopia ou extrema falta de visão estratégica, somadas a um toque nada sutil e mesmo desastrado de articulação governamental. Inação ou timing incorreto de reação das autoridades e dos órgãos competentes. Informações contraditórias de especialistas, gerando, a um só tempo, paradoxos de supervalorização e desacreditação da ciência. Falta de bom senso e excesso de vaidade e de cultos à personalidade dos gestores da crise. Polarizações e embates ideológicos improdutivos e absolutamente desnecessários em face à gravidade do momento. Catastrofismo exacerbado e até mesmo orientado de maneira sectária por diversos órgãos de Imprensa.
Esses foram e, em certa medida, continuam sendo, alguns dos vários ingredientes da receita adotada pelo Brasil no combate ao novo coronavírus. E, embora o fim da COVID-19, bem como a retomada no “Novo Normal” já possam ser vislumbrados como luz no fim do túnel com a chegada iminente das vacinas, ao contrário do que muita gente pensa, a crise e os impactos ocasionados por ela ainda pairam como ameaça real à nossa vida no futuro, fazendo supor que “nada será como antes, amanhã”.
A pergunta é: subestimamos a crise? E a resposta mais objetiva para ela pode ser: depende do lugar do planeta onde você está. “Pensando exclusivamente no Brasil, tenho a impressão de que perdemos uma oportunidade muito grande de nos prepararmos para enfrentar a pandemia, tirando por base aquilo que já havia acontecido de bem e de malsucedido no exterior. Ela chegou por aqui com pelo menos dois meses de atraso em relação a outros lugares, como, por exemplo, a Ásia, a Europa e os Estados Unidos. E, hoje, muita gente está falando da COVID como se fosse coisa do passado. Mas, decididamente, não é. Haja vista o fenômeno das ‘segundas ondas’ de contágio, que estamos, infelizmente, observando em alguns países”, analisa Ricardo Balistiero, coordenador e professor do Curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia.
Porém, ainda segundo ele, mais do que localização geográfica, o que torna a estratégia dessas nações mais eficientes do que a nossa é o tipo de reação, e, principalmente, a velocidade a ela. “Exemplo é a Nova Zelândia, que depois de mais 100 dias sem registrar um caso novo da doença, decretou imediatamente lockdown quando da ameaça recente de repique, coisa que nunca fizemos aqui no Brasil. E isso, seguramente, vai garantir a ela superar o problema e retomar sua economia muito mais rapidamente do que a gente, que ainda caminhamos a passos lentos, em um cenário de incertezas com relação ao futuro”, pontua.
DISCURSO ÚNICO
Fatos simples e até corriqueiros como esses põe a nu questões mais complicadas em outras esferas do mercado, como é o caso dos investimentos. Isso porque posturas tipicamente “negacionistas” e miradas em interesses outros, como, por exemplo, a preocupação do presidente Jair Bolsonaro com sua reeleição, além de fazerem com que nossos problemas internos sejam muito maiores do que os externos – que, diga-se de passagem, estão longe de ser pequenos –, tornam o ambiente de negócios aqui no Brasil ainda mais hostil para a injeção de novos e tão necessários recursos no mercado.
No frigir dos ovos, então, a impressão que fica é que a contradição que hoje existe principalmente entre a ala mais política do governo e a ala econômica gera impactos negativos e atrasa a implementação de ações efetivas visando à retomada do crescimento, no âmbito da proposta de um discurso único, o que continua a “espantar” os investimentos, notadamente aqueles dos operadores internacionais.
“É como se uma parte estivesse puxando para um lado, e outra parte estivesse puxando para o outro. É o Rogério Marinho e o Fraga Neto querendo implantar o Plano Brasil de retomada dos investimentos, e o Paulo Guedes e o Funchal, do outro lado, dizendo ‘olha, não dá para desrespeitar o teto de gastos, não dá para ficar virando com um déficit nominal desse tamanho, e por aí vai. Por outro lado, há também o desejo do Paulo Guedes, manifestado desde a última campanha presidencial, de fazer privatizações. Dois anos depois ele não privatizou absolutamente nada e vai ter um espaço muito pequeno para privatizar, porque privatização precisa de aprovação do Congresso Nacional, e a gente tem que lembrar sempre que existe um problema de articulação do governo”, sublinha Balistiero. “E isso tudo, somado a outros fatores que conhecemos – como a queda na casa dos 11% do PIB brasileiro no 2º semestre de 2020, ante igual período de 2019, a pior desde 1901, quando a estatística começou a ser feita –, deixa muito claro que vamos enfrentar, um período de recessão muito forte, certamente a pior recessão da nossa história”, complementa o professor.
JANELAS DE OPORTUNIDADE
Em face a dicotomias virtualmente indissolúveis como aquelas apresentadas até aqui, cristalino fica também que a retomada da economia brasileira no pós-crise, independentemente de quando ela irá acontecer, é algo a ser pensado apenas no longo prazo. E como o planejamento proativo é condição sine qua non para que coisas como essa se transformem em realidade, o que seria a “lição de casa” a ser feita obrigatoriamente nos dias de hoje para atrair investimentos e se garantir um futuro mais alvissareiro para o Brasil?
“Acredito que o setor de Infraestrutura abre a perspectiva de muitos investimentos no país. Por conta disso, creio que se o atual governo realmente quisesse começar a promover uma retomada firme do nosso crescimento econômico, ele deveria se debruçar e dar foco nele no que diz respeito à atração de capitais. No âmbito da Infraestrutura, a gente tem uma janela de oportunidades muito grande no segmento de Energia, cuja área de Eólica, por exemplo, reserva um potencial enorme. Outra área que dá para atrair muito investimento num país de dimensões continentais como o Brasil é a de Aeroportos, uma vez que a gente ainda tem um número muito baixo de empresas aéreas operando por aqui, além de vários aeroportos precisando de reformas. E outra, ainda, é a área de Logística de maneira geral, na qual temos muitas obras paradas desde a época da Copa do Mundo de 2014. Mas, em todos os casos, vale lembrar que temos que trabalhar com capital privado, porque não existe dinheiro algum para investimentos públicos”, salienta Ricardo Balistiero.
Nesse momento, entretanto, o coordenador e professor do Curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia aproveita para abrir um importante parênteses, para enfatizar que a parte de infraestrutura é muito sensível e demanda mais riscos, uma vez que está atrelada a impedimentos pré-operacionais. Assim, o setor privado precisaria ter uma modelagem econômica e financeira perfeita para isso, a fim de minimizar tais riscos e diminuir custos, o que, por tabela, implicaria na existência de um ambiente de estabilidade institucional do país, até porque quando há investimentos estrangeiros, normalmente ele é feito em moeda forte, e é preciso que haja um cuidado muito grande na operação, uma vez que muitos dos lucros dessa injeção de recursos acabam voltando para o exterior. “Há momentos em que se observa um descolamento muito forte do dólar, e como o investidor está tendo receita em reais, quando ele vai converter para mandar para fora acaba tomando um prejuízo gigantesco. Por conta disso, uma modelagem financeira e de estabilidade perfeitas também são fundamentais, porque, quando se trata de Infraestrutura, o investidor estrangeiro não vem para cá para botar dinheiro e ir embora. Ele vem aqui para ficar 30 anos ou mais. E aí, se não existir um contrato bem formulado, o negócio todo pode ir por água abaixo”, finaliza Balistiero.