Projeto de Lei marca a primeira fase do cronograma da Reforma Tributária proposta pelo Governo Federal, gerando críticas e dúvidas sobre a possibilidade de aumento de carga de impostos.

Marcus Frediani

No dia 21 de julho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou junto ao Congresso o Projeto de Lei nº 3.887/2020, que prevê uma série de mudanças na forma como o governo pratica a cobrança de impostos e tributos. O PL marca a primeira fase do cronograma da Reforma Tributária proposta pelo Governo Federal, com a expectativa de que esta venha a ser aprovada até o final deste ano.

A equipe econômica argumenta que as mudanças encaminhadas nesta etapa devem encerrar a cobrança de tributos diferenciados para vários setores, o processo de tributação cumulativo e mais de uma centena de regimes especiais, o que resultaria em ganhos de eficiência para a economia e um ambiente de negócios mais favorável. O PL entregue ao Parlamento prevê, entre outras alterações, a unificação do PIS e da COFINS em um tributo sobre valor agregado, com o nome de CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).

Nesta entrevista exclusiva para a revista Siderurgia Brasil, o diretor financeiro da consultoria empresarial Hesselbach Company, Luiz Wanderlei de Souza, analisa os detalhes desse projeto, comparando-os com a legislação ainda vigente. Confira!

Siderurgia Brasil: Luiz, como você avalia o conteúdo da proposta da primeira etapa da Reforma Tributária entregue pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso?

Luiz Wanderlei de Souza: Bem, creio que não podemos chamar esse pacote de Reforma Tributária, mas de estratégia para unificação de alíquotas das contribuições do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), associada ao cancelamento de Regimes Especiais para alguns segmentos, como, por exemplo, o REPETRO, um regime fiscal aduaneiro que suspende a cobrança de tributos federais na importação de equipamentos para o setor de petróleo e gás, principalmente as plataformas de exploração, entre outros.

Por conta disso, você acredita que ela será aprovada na íntegra?

Não creio, porque isso inviabilizaria setores da economia como as prestadoras de serviços, como, por exemplo, os hotéis, o transporte aéreo e os hospitais. Neste momento, temos diversas classes se mobilizando com o objetivo de “barrar” a aprovação do Projeto de Lei (PL) com a atual redação. E, de fato, existem grandes possibilidade de não aprovação na íntegra pelo Congresso.

Uma análise superficial do PL deixa claro que ele está sendo muito mais direcionado a um esforço de redesenhar o Sistema Tributário Brasileiro em sua forma, do que, propriamente, por meio da redução da enorme carga tributária sobre a atividade econômica brasileira. Isso não é (muito) ruim para o país, até porque ainda continuará deixando aberta a porta para a intensificação dos lobbies e outras distorções?

Minha visão é que a primeira fase da Reforma Tributária não facilita o trabalho da área tributária e contábil das empresas, pois o PL mantém de forma taxativa custos/despesas elegíveis a crédito da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Analisando o texto, entendo que continuaremos com a mesma celeuma em tomar crédito da CBS dos custos e despesas que estejam relacionados à geração da receita. Dessa forma, não consideramos as demais despesas, mesmo tendo destacado a CBS em documento próprio como determina o PL, mas sem relação com a geração da receita, por exemplo, os planos de saúde empresariais para funcionários, materiais de escritório etc. Mas o Projeto de Lei ainda deixa outras dúvidas. Por exemplo, como aquelas que recaem sobre o aluguel, que não é um “bem” e também não é um “serviço”. Então, poderemos tomar crédito da CBS? Qual será o documento próprio da despesa/custo de locação? Já no que diz respeito à questão da carga tributária, entendo que a aprovação do Projeto de Lei não trará qualquer redução, mas, sim, promoverá um aumento dela, e, conforme mencionei anteriormente, gerando impacto considerável nas prestadoras de serviços. Quantos aos lobbies, entendo que até que seja feita a aprovação do PL, será inevitável ter os diversos setores “em uma disputa de quebra de braço” para ter alíquota da CBS reduzida. Nesse contexto, podemos mencionar o cenário em 2003, quando a carga tributária passou para 9,25% para as companhias aéreas, hotéis, e outros setores, alíquota esta que foi reduzida para 3,65%, após a realização de diversos lobbies e negociações.

Comparando o texto desse novo Projeto de Lei com a legislação ainda vigente, quais são os pontos de maior impacto – positivos e negativos – que você enxerga sobre a atividade industrial brasileira? Alguém vai se beneficiar nessa história?

Acredito que o ponto mais positivo tenha sido o Fisco entender que realmente os tributos indiretos – (ICMS, ISS e CBS – não devem compor a Base de Cálculo da Contribuição. Vale reforçar que uma das grandes disputas judiciais atuais com o Fisco em relação às contribuições do PIS e da COFINS fortalece a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o atual entendimento dos contribuintes. Já o principal impacto negativo, caso o texto seja aprovado, será a majoração de alíquota de 3,65% do PIS e da COFINS das prestadoras de serviço para 12% com a CBS, uma vez que as prestadoras de serviço não teriam custos/despesas que na cadeia pudessem se creditar. O maior custo das prestadoras de serviços é a folha de pagamento, a qual não é passível de tomada de crédito. Quanto a quem se beneficiaria com a futura norma jurídica da CBS, creio que talvez serão as construtoras, quando da venda de imóveis às pessoas naturais. Entretanto, toda a cadeia anterior também terá sido tributada com a alíquota majorada a 12%, o que implicará em maior custo. Então, será necessário “fazer a conta”.

Por outro lado, a aprovação do PL trará algum benefício de pacificação à questão da “Guerra Fiscal” entre os estados da Federação?

Como estamos falando nos tributos federais, não haverá impacto em relação à “Guerra Fiscal”. Entretanto, como a CBS não comporá mais as bases de cálculo do ISS e ICMS, haverá perda de arrecadação dos tributos para estados e prefeituras.

Nesse cenário, como fica ainda a famosa tributação “por fora” sobre os valores de produtos e serviços prestados?

Veja bem, podemos dizer que a tributação “por fora” foi uma das grandes vitórias dos contribuintes, e que, inclusive, nos permitiu estarmos mais próximos das regras praticadas nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde o tributo incide efetivamente sobre o bem vendido ou o serviço prestado, tomando crédito do tributo que fora pago anteriormente na cadeia.

E a tal permanência da sistemática de incidência monofásica para alguns setores, bem como a não cumulatividade como regra geral presentes no texto do PL?

Em relação aos produtos monofásicos, grande parte deve ficar de fora, visto que o Fisco considera como forma de deixar mais claro para o consumidor final a responsabilidade sobre pagamento do tributo. Exemplo de um grande impacto que isso vai ocasionar: as concessionárias que hoje não pagam PIS e COFINS sobre a venda de veículos – uma vez que fora recolhido na cadeia anterior –, passarão a ser os responsáveis pelo recolhimento da CBS sobre seu valor agregado, já que tomarão os créditos da CBS das etapas anteriores.

Aliás, quais continuarão a ser esses setores?

Quem ainda continuará fazendo parte do Regime Monofásico serão a Gasolina e o Óleo Diesel, e suas respectivas correntes; o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP); o Gás Natural (GN); os Derivados de Petróleo ou de Gás Natural; a Querosene de Aviação; o Biodiesel, o Álcool; e as Cigarrilhas e Cigarros.

Finalmente, não é no mínimo “estranho” que o Projeto de Lei apresentado pelo ministro Paulo Guedes beneficie as instituições financeiras – como os bancos, que historicamente vêm obtendo lucros exorbitantes – com uma alíquota de 5,8% da CBS, substancialmente menor do que a alíquota “geral” de 12% para os outros setores, embora ainda permaneçam no regime cumulativo? Qual o sentido disso?

Bem, as instituições financeiras também deverão realizar a “conta” para saber se haverá ganho ou não para efeito da CBS. Entretanto, entendo que elas não serão beneficiadas com o PL, pois passarão a ter custos ainda mais altos com a atual proposta do PL em tramitação no Congresso, bem como a possibilidade de exclusão das receitas continuarão praticamente sendo as mesmas. Segundo a Febraban, o Brasil é um dos poucos países que tributam a intermediação financeira. Com a introdução da CBS, um relatório do Banco Suíço UBS estima um pagamento em torno de R$ 6 bilhões a mais pelas instituições financeiras brasileiras. O cálculo foi efetuado em relação aos números de 2019, com pagamento de R$ 24 bilhões em PIS/COFINS, sendo R$ 20 bilhões pagos pelos cinco maiores bancos do país.