A indústria do aço se recupera gradativamente para atender à maior demanda na América Latina. Porém, há muita lição de casa para fazer antes de chegar ao estágio ideal. E reindustrializar a região é uma das mais importantes delas.

Marcus Frediani

Depois de ser duramente afetada pela pandemia do novo coronavírus, a indústria siderúrgica na América Latina dá sinais de recuperação gradual. E, embora essa movimentação positiva não seja uniforme entre as nações da região, ela vem sendo sentida de maneira mais consistente e muito especial a partir da tabulação dos resultados apresentados por alguns países do continente, tais como o Brasil, o México, a Colômbia e, mais recentemente, o Peru. E uma das boas notícias para as siderúrgicas brasileiras é que o país continua no protagonismo da oferta de aço, respondendo, no segundo trimestre de 2020, por 57% da produção de aço bruto na AL, que, atualmente, beira as 60 Mt/ano, volume, porém, distante do recorde emblemático alcançado pelo continente no ano de 2014, que bateu nas 72 Mt/ano.

“As usinas da América Latina refletem a atual tendência de retomada dos negócios a partir dos reestabelecimentos dos fornos e expandindo suas operações de aço. Até o momento, em alguns países a reativação é exibida em formato “V” – ou seja, aquela em que, após uma queda forte, passa a apresentar indicadores de retomada rápida e acentuada –, embora, é claro, esta esteja longe de retornar aos níveis anteriores à crise da COVID-19”, explica Francisco Leal, profissional com mais de 25 anos de experiência em processos e vendas de aço e atual CEO da Asociación Latinoamericana del Acero (Alacero), entidade que reúne a cadeia de valor do aço latino-americana, responsável também pelo cômputo das estatísticas regionais.

Nesse cenário, os últimos números da produção de aço bruto divulgados pela entidade, referentes ao mês de agosto de 2020, mantiveram trajetória positiva, somando um total de 4.807 milhões de toneladas, o que representa um aumento de 7,9% em relação ao mês anterior. Contudo, apesar do aumento da produção no mês – puxado pelo Brasil, México e Argentina – o resultado ficou 2,4% abaixo no comparativo com agosto do ano passado. Em laminados, a produção de aços longos cresceu 9,5% no mês, ante 15,9% nos planos. No entanto, a produção de tubos sem costura continua deprimida. Apesar do aumento de 17,9% em relação ao mês anterior, a produção mantém queda de 62,9% em relação a agosto do ano passado.

As menores importações contribuíram para uma melhor balança comercial, cujo déficit atingiu o menor nível desde outubro de 2011. “Para acompanhar o aumento da demanda, a indústria vem se recuperando com maior produção, reiniciando altos-fornos e aumentando a produção de aço”, explica Leal.

APROVEITAMENTO DE OPORTUNIDADES
Com a aplicação de uma política restritiva do governo dos Estados Unidos diante das disputas e tensões comerciais com a China, tendo no outro lado da equação o aumento dos custos de produção, o processo de fragmentação e desacoplamento das cadeias de valor globais – que estimularam dinâmicas de realocação nacional (reshoring) – também se acentuou. Segundo o executivo-chefe da Alacero, diante desse cenário é absolutamente fundamental que os governos abracem como missão atual a promoção da competitividade regional da indústria do aço, bem como de suas instituições e de sua infraestrutura, a fim de atrair investimentos neste momento crítico, no qual, entretanto, existe, sim, um leque de oportunidades para os países latino-americanos.

Uma das maiores delas é, sem dúvida, a retomada das obras paralisadas em toda a América Latina, por conta da pandemia da COVID-19, e mesmo antes dela, em razão de diferentes (cada país tem as suas) distensões de ordem política e econômica, que também acabaram por produzir ondas massivas de desemprego e de substanciais perdas de negócios. Outra que aparece no horizonte vem, ainda, do aproveitamento da maré de coisas boas que, com toda a certeza, vai ser alimentada pelo aumento da atividade da Construção Civil – o que, aliás, já vem acontecendo – e que, em termos gerais, representa 51% do consumo aparente de aço na América Latina, bem como da já anunciada expectativa de crescimento da Indústria Automobilística, responsável por quase 19% desse montante. “Tudo isso, é claro, alinhado à base de antevisão do PIB para a região, nosso principal indicador, que embora deva registrar uma queda de 8,1% nela em 2020, já conta com previsão de evolução positiva de 3,6% em 2021, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI)”, anima-se Francisco Leal.

Complementarmente, essas, sem dúvida alguma também, são ações de fortalecimento mútuo que vão definir o futuro da indústria latino-americana do aço daqui para a frente. E exemplos não faltam. Nesse contexto, por exemplo, o México é uma opção lógica de nearshoring devido à sua proximidade com o mercado dos Estados Unidos e à existência do T-MEC (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, sucessor do Nafta) com esse país e o Canadá. Já a Colômbia poderia se beneficiar de seu fuso horário favorável e da perspectiva de melhora econômica no médio prazo, o que também poderia acontecer com outros países da região, tais como o Brasil.

“Com foco na valorização da regionalidade, alguns países da América Latina já estão alinhavando acordos entre eles, com vistas à formação de blocos representativos de interesses comuns. E isso é muito positivo em termos de oferta de opções para os grandes compradores internacionais porque, embora a China seja hoje o maior produtor de aços no mundo e os venda a preços muito baixos, países como o Brasil estão muito mais perto dos Estados Unidos e de algumas nações da Europa do que aquele gigante asiático, não é mesmo?”, pondera, de maneira clara e objetiva, o CEO da Alacero.

O FUTURO EM CONGRESSO
Com foco na discussão e no desenvolvimento de soluções adequadas para o fortalecimento da cadeia do aço na América Latina neste momento tão delicado, a Alacero promoverá, no dia 10 de novembro, o Congresso Virtual Alacero 2020, que terá como tema a “Reindustrialização do continente latino-americano como oportunidade para o cenário pós-pandêmico”.

“A escolha dele, aliás, é muito oportuna porque, ao mesmo tempo em que, diante da forte retração dos mercados globais são grandes as chances de a China vir com tudo para cima deles como forma de escoar seu enorme excedente de aço, na outra ponta vivenciamos um momento muito especial de maior conscientização da sociedade para a importância do consumo local. Então, é o momento certo para trazer a reindustrialização para nossa região, fomentando a oferta não só para nossos produtos, como também de nossos serviços de primeira linha para os clientes. E entre as ações possíveis está a fiscalização mais efetiva das políticas de garantia de qualidade aplicadas às importações, bem como a indicação de todos os instrumentos estabelecidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso é muito importante para a gente”, enfatiza Leal.

Este ano, em formato totalmente online para continuar a promover o setor, o evento contará com a participação de altíssimo nível, tais como Dani Rodrik, professor da Universidade de Harvard e um dos 100 economistas mais influentes do mundo; Andrés Malamud, cientista político com sólida e reconhecida trajetória; e Andrés Oppenheimer, apresentador da CNN, autor de vários livros e um dos intelectuais mais influentes da América Latina, que integrarão um painel moderado por Paolo Rocca, presidente e CEO do Grupo Techint. 

“Além deles, contaremos também com a presença da Secretaria de Economia do México, Graciela Márquez Colín, em uma palestra moderada por Sergio Leite, diretor presidente da Usiminas, e, fechando a agenda do dia, com um Painel de CEOs das maiores empresas produtoras de aço, que compartilharão suas perspectivas na América Latina e os desafios que teremos adiante. Nele, estarão presentes Máximo Vedoya, CEO da Ternium; Gustavo Werneck, CEO da Gerdau; Carlos Arturo Zuluaga, presidente corporativo de Acerias de Colômbia (ACESCO); e Raúl Gutiérrez Muguerza, diretor geral da Deacero. E todos os eventos do Congresso terão interação via chat, por meio do qual todos os participantes virtuais poderão enviar suas perguntas aos interlocutores”, finaliza, confiante e cheio de boas expectativas, Francisco Leal.

Para realizar sua inscrição no Congresso Virtual Alacero 2020 acesse:
https://congresovirtual2020.alacero.org/

INTEGRAÇÃO REGIONAL
A Asociación Latinoamericana del Acero (Alacero) é a entidade civil sem fins lucrativos que, há mais de 60 anos, reúne a cadeia de valor da indústria do aço da América Latina para promover os valores da integração regional, inovação tecnológica, excelência em recursos humanos, segurança no trabalho, responsabilidade corporativa, sustentabilidade socioambiental, e o networking entre os profissionais do setor. Fundada em 1959, é composta por mais de 60 empresas produtoras e coligadas, cuja produção se aproxima de 60 milhões de toneladas por ano, e é reconhecida como um órgão consultivo especial pela Organização das Nações Unidas (ONU).