Balanço de atividades bastante atípico e oscilante em função da COVID-19 impediu o setor automotivo de engatar marchas mais rápidas em 2020. Mas o otimismo, ainda que cauteloso, prevalece para 2021.

Dois mil e vinte esteve longe de ser um ano fácil para a indústria automobilística brasileira. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), os números do fechamento do período, fortemente impactados pela COVID-19, interromperam um ciclo de três anos de recuperação após a crise de 2015/2016.

Ao longo do ano, a produção de 2.014.055 autoveículos encolheu incríveis 31,6%, deixando a indústria automobilística com uma ociosidade técnica de quase 3 milhões de unidades. Tais números performaram um recuo de 16 anos no histórico recente do setor. Por conta disso, embora os dados ainda sejam provisórios, no ranking global de produção o Brasil deverá ser superado pela Espanha, caindo para a nona colocação.

Enquanto isso, as vendas ao mercado interno fecharam com 2.058.437 unidades, performando uma queda de 26,2% e um recuo ao patamar de 2016, auge da última crise econômica brasileira. Já as exportações de 324.330 de unidades foram as piores desde 2002, um retrocesso de quase duas décadas. Em valores, a receita de US$ 7,4 bilhões foi menos da metade do que se exportou em 2017 (US$ 15,9 bilhões).

Por sua vez, o segmento de caminhões, impulsionado pelo agronegócio e pelo crescimento do e-commerce, foi o que teve as menores perdas entre os autoveículos, com queda de 11,5% nos licenciamentos em relação a 2019. Comerciais leves caíram 16%, automóveis 28,6% e ônibus 33,4%. Já as máquinas agrícolas e rodoviárias venderam 7,3% mais que no ano passado.

Tentando injetar algum ânimo no mercado, o presidente da ANFAVEA, Luiz Carlos Moraes, pontua que, embora o cenário seja desolador, a queda não foi tão drástica como se projetava no início da pandemia: “O imenso aporte de recursos emergenciais na economia e a força do agronegócio ajudaram a amenizar as perdas do segundo trimestre, quando boa parte das fábricas e lojas permaneceram fechadas”, analisa ele.

REAÇÃO INSUFICIENTE
Apesar de o último trimestre ter sido positivo e ter demonstrado uma forte reação dos segmentos, essa recuperação não foi suficiente para superar os resultados do último trimestre de 2019. “Isso se deve, entre outros fatores, à falta de disponibilidade de automóveis e comerciais leves no mercado, causada pelo reflexo da pandemia, que retraiu a produção na indústria”, destaca Alarico Assumpção Júnior, presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (FENABRAVE).

No cômputo geral, segundo a entidade, houve queda de 21,63% no volume de emplacamentos de veículos de todo o ano de 2020, que foi de 3.162.851 unidades contra 4.036.046 registradas em 2019. Já no que diz respeito às vendas de automóveis e comerciais leves, o levantamento do acumulado de 2020 da FENABRAVE revela que foram emplacadas 1.950.889 unidades, contra 2.658.692, no ano anterior, uma queda de 26,62%. A seu turno, os 89.207 caminhões emplacados no ano ficaram 12,31% abaixo dos registrados no mesmo período de 2019, quando foram vendidas 101.733 unidades. Enquanto isso, os emplacamentos de ônibus também despencaram 33% no período: foram 18.219 unidades contra 27.193 unidades comercializadas no ano anterior.

IMPLEMENTOS RODOVIÁRIOS
Ainda de acordo com a FENABRAVE, por sua vez, os emplacamentos de implementos rodoviários apresentaram crescimento geral, em todos os comparativos. No acumulado de 2020, as 67.377 unidades comercializadas ficaram 6,11% acima das 63.498 unidades registradas em igual período de 2019. Bem na foto também, o segmento de tratores e máquina agrícolas registou evolução de 3,48% no levantamento da entidade, com 41.497 unidades comercializadas, contra 40.100, em igual período de 2019.

Leitura semelhante acerca da evolução desse último setor também é feita pela Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários (ANFIR), que registrou variação positiva de 0,77% em seus resultados em 2020, em relação a 2019. Em 12 meses foram emplacados 122 mil produtos ante 121 mil equipamentos em 2019. “O resultado mostra como o mercado reagiu em alguns segmentos cujo resultado foi a estabilização das perdas de forma geral”, analisa Norberto Fabris, presidente da entidade. Ele atribui como principais responsáveis pela recuperação da indústria fatores como o bom desempenho de setores como agronegócio, responsável por mais de 40% dos negócios no segmento Pesado; o da construção civil, com a retomada de lançamentos residenciais e obras de infraestrutura; e do transporte de remédios e alimentos.

DUAS RODAS
No balanço da FENABRAVE, as vendas de motocicletas registraram alta de 10,5% em dezembro/2020, totalizando 98.831 unidades, contra as 89.438 emplacadas em novembro. Se comparado a dezembro de 2019, quando foram emplacadas 94.103 motocicletas, esse resultado aponta aumento de 5,02%. Mas, a falta de produtos no mercado afetou o resultado do segmento, no acumulado do ano. Entre janeiro a dezembro/2020, foram emplacadas 915.502 motocicletas, volume 15,04% menor que as 1.077.537 unidades, vendidas no mesmo período de 2019.
“Assim como os demais segmentos, as motos sofreram com a queda na produção local e na importação de peças e componentes, em função da pandemia. No entanto, ao contrário de outros anos, notamos que houve boa oferta e aprovação de crédito, com taxas de juros razoáveis, o que favoreceu e continua estimulando o aumento de demanda, gerada pela utilização de motocicletas como transporte individual e para serviços de entrega”, avalia o presidente da FENABRAVE.

Por sua vez, segundo os dados mais atualizados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), de janeiro a novembro de 2020, 888.515 motocicletas saíram das linhas de montagem do Polo Industrial de Manaus (PIM), significando retração de 14,5% ante as 1.038.696 unidades registradas no mesmo período do ano anterior.

No cômputo parcial, novembro registrou o segundo melhor resultado do ano, com 104.094 unidades produzidas, ficando abaixo de setembro, quando foram fabricadas 105.046 motocicletas. Dado o cenário atual, a Abraciclo revisou recentemente suas projeções para este ano. A estimativa é fechar 2020 com 937.000 motocicletas produzidas, o que representaria retração de 15,4% na comparação com 2019 (1.107.758 unidades).
O presidente da entidade, Marcos Fermanian, afirma que, embora o resultado seja negativo, o setor foi menos afetado na comparação com outros setores da indústria. “Por enquanto, não será possível acabar com esse descompasso. “A adoção de uma série de restrições, que exigiram mudanças no layout das fábricas para garantir a saúde dos colaboradores, gerou aumento no tempo de fabricação das motocicletas. E isso impactou fortemente o desempenho do setor”, justifica.

PEÇAS E COMPONENTES
Outro setor duramente afetado com paralisia relevante ao longo do segundo trimestre de 2020 foi o de autopeças. “Mas, na sequência, no Brasil, assim como no resto do mundo, ocorreu e segue ocorrendo recuperação da demanda e portanto da atividade. Até mesmo impulsionada, em determinados segmentos, pelo desejo dos consumidores de ter uma opção de transporte próprio, o que não era a tendência predominante até então. Todos os elos da cadeia aceleraram a adoção de novas ferramentas e tecnologias digitais e não presenciais”, pondera Dan Ioschpe, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças).

Mesmo assim, as estimativas da entidade indicam que a indústria de autopeças fechou o ano com faturamento líquido nominal de R$ 111,4 bilhões, valor 26,2% inferior ao registrado em 2019, segundo levantamento feito com 60 empresas associadas, que representam 36,2% das vendas totais do setor no Brasil. O destaque foi o mês de novembro, que comparado ao mês anterior, registrou crescimento de 3,7%, com aumento nos percentuais de vendas para montadoras, intrassetoriais e exportações (mensuradas em dólar). No mesmo mês, a utilização da capacidade instalada subiu dois pontos para 75%.

AINDA FORA DOS TRILHOS
A pandemia do novo coronavírus também frustrou as expectativas do setor ferroviário, que, aliás, já não eram boas para 2020: repetindo o que se viu desde 2019, a indústria continuou com uma dramática ociosidade, que agora retrocedeu a quase 90%.


As entregas de locomotivas tiveram um desempenho menor e fecharão 2020 com apenas 29 unidades, contra uma previsão de 40 locomotivas, e ainda menor que em 2019, quando foram entregues 34 unidades, sendo que não houve exportações. Na área de passageiros, a indústria completaria sete anos sem qualquer encomenda no mercado doméstico, não fosse a retomada da construção da Linha 6 do Metrô de São Paulo, em que o novo consórcio confirmou a aquisição de trens da indústria brasileira. Em 2020 foram entregues apenas 72 carros de passageiros, todos para o Metrô de Santiago, contra uma previsão de 131 unidades. Embora sem registrar exportações, a indústria de vagões de carga, por sua vez, melhorou seu desempenho, com entregas previstas de 1.800 unidades em 2020, contra uma previsão de 2.000 vagões. Com isso, recuperou-se em relação a 2019, quando foram entregues apenas 1.006 vagões.

Segundo Vicente Abate, diretor do Sindicato Interestadual de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários (SIMEFRE) e presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (ABIFER), consideradas as condições vivenciadas neste ano incomum, os volumes de equipamentos entregues estiveram dentro das expectativas. “Foi um ano em que nossa indústria aproveitou para lançar e consolidar produtos e serviços inovadores, como vagões para o transporte de celulose, contêineres, grãos e minérios, que aumentaram a competitividade das concessionárias, bem como locomotivas elétricas a bateria, desenvolvidas e fabricadas por técnicos e engenheiros brasileiros, que já se encontram em operação em nossas ferrovias”, enfatiza.

Por: Marcus Frediani