Embora o cenário da economia continue confuso, boas expectativas – demandantes, ainda, de sinalizações positivas e de atitudes mais consistentes do governo – abrem espaço para a retomada da economia brasileira em 2021.
O ano de 2020 foi um dos mais desafiadores que o mundo enfrentou na história recente, em função da crise sanitária e econômica gerada pela COVID-19. A folha do calendário para o Ano Novo virou, é verdade, mas ainda há muitas incertezas sobre o cenário político para os próximos meses, principalmente em relação ao compromisso do governo Jair Bolsonaro com o ajuste fiscal, a aprovação das reformas estruturais imprescindíveis para a melhoria do ambiente de negócios.
“Nunca é demais reiterar que a reforma tributária é fundamental para acabar com o emaranhado de leis, decretos, portarias, instruções normativas e outras tantas regras que estabelecem obrigações descabidas, transformando o dia a dia dos empreendedores e dos trabalhadores em um sofrido pesadelo – são mais de 14 milhões de brasileiros que sofrem atualmente com o flagelo do desemprego. O país também necessita de uma reforma administrativa que torne o Estado mais eficiente, provendo melhores serviços públicos a custos menores. E isso sem falar na reforma política, para melhorar a representação popular e corrigir falhas, desigualdades e distorções promovidas ao longo do tempo, que culminaram no que hoje é conhecido como ‘crise na democracia’”, pontua, a respeito do tema, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade.
A VOLTA DO CRESCIMENTO
Baseada nas pesquisas da própria CNI – e animada com o início da vacinação contra a COVID-19 –, a confiança do empresariado em uma retomada gradual, mas consistente da economia, que permita ao Brasil voltar a crescer e se desenvolver, entrou em alta em 2021. “Naturalmente, o setor produtivo ainda sofre com os efeitos negativos ocasionados pela pandemia, mas a economia já dá sinais de recuperação. Então, neste momento, precisamos nos reinventar e trabalhar firmemente para que a crise seja superada o mais rapidamente possível. Nas últimas décadas, tivemos outras viradas de ano marcadas por incertezas, mas nunca esmorecemos. Com otimismo, determinação e esperança, sempre demos a volta por cima. Vamos conseguir mais uma vez, ninguém tenha dúvidas”, anima-se o líder da CNI.
Mas há também quem acredite que o principal desafio da área econômica a ser resolvido pelo governo federal em 2021 será a questão fiscal. Essa perspectiva deriva do fato de que houve um enorme aumento da dívida pública no esforço de combater os efeitos da COVID-19, e ainda não está claro como o governo pretende encaminhar esse tema. Com efeito, o reequilíbrio das contas públicas e a manutenção do teto de gastos, aliados ao ajuste fiscal, traria condições para elevar a confiança dos investidores e a reduzir as pressões sobre os juros, além de aumentar a capacidade do Estado de investir.
“Não sabemos ainda como tudo vai funcionar, porque, em Brasília, os sinais que alguns agentes emitem são conflitantes”, explica Natalie Victal, economista da Garde Asset, empresa gestora de fundos multimercados e previdência. “Dependendo da escolha, vemos um cenário diferente. Caso a opção encontrada seja o comprometimento com a manutenção da sustentabilidade fiscal de médio a longo prazo, o crescimento vai ser um pouco mais lento no primeiro semestre, porque a economia precisa ‘digerir’ tudo que aconteceu ao longo de 2020. Mas se não houver compromisso fiscal, o crescimento será menor”, prevê Victal.
CUSTO BRASIL E ENDIVIDAMENTO
Seja como for, embora considerando as manifestações de otimismo do presidente da CNI para 2021, bem como as questões analisadas pela economista da Garde Asset, fato incontestável é que, ao longo dos mais de 20 anos, a atividade industrial brasileira continua a descrever uma espiral descendente na participação do PIB nacional. E isso, por uma série de razões bem conhecidas, ligadas ao famigerado “Custo Brasil”, entre as quais a ausência de segurança jurídica para os investimentos, com a subsequente instalação de um ambiente de negócios desfavorável, a questão da tributação excessiva, o alto custo de capital e a formação deficitária da mão de obra. E, embora as previsões mais alarmantes dessa queda no início da pandemia, situadas entre 8% e 9%, felizmente não tenham se concretizado – ficando em 4,5% para a indústria de transformação, e em 4,6% para a indústria em geral –, graças à ligeira recuperação no 2º semestre de 2020, mesmo assim o tombo foi alto. E ele poderia ter sido ainda maior, caso não fosse atenuado, em função do Auxílio Emergencial.
Sim, não restam dúvidas de que essa “mãozinha” dada pelo governo promoveu o aumento do consumo no ano passado, e até mesmo um estado de otimismo entre os brasileiros com os rumos da economia. A própria falta de matéria-prima é uma prova de que há vários setores a indústria trabalhando à plena carga, a ponto de não conseguir atender completamente ao mercado. Só que essa injeção de recursos foi dada às custas de um endividamento muito alto do governo, que chegou a quase 90% do PIB.
“Então, isso acende um sinal de alerta, porque se o governo continuar se endividando, fatalmente teremos impacto na taxa de juros. E, provavelmente com a alta de preços que observamos ao longo dos últimos meses com uma demanda muito forte de alguns produtos, isso também vai impactar a inflação, o que vai contra uma perspectiva otimista de que vamos ter um melhor desempenho da economia e da projeção inicial de crescimento do PIB entre 3% e 3,5% em 2021”, destaca José Ricardo Roriz Coelho, 2º vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). “Acredito que essa evolução até seja viável, Mas para que aconteça, vamos precisar de uma pauta bem clara e explicada à população, que necessita ser votada ainda em 2021, resultante de um alinhamento do Congresso com o governo para aprovação das reformas que o país tanto necessita. Além disso, o que é fundamental, vamos precisar também que o Executivo diga qual e que tamanho de reforma que ele quer”, complementa.
Em síntese, tudo isso só demonstra mais uma vez que o Brasil precisa resgatar a competitividade de sua indústria, sob pena de não criarmos empregos de boa qualidade, melhorar renda, melhorarmos a condição do país de exportar. “Em vez disso, estamos primarizando a economia, porque a indústria, que faz produtos mais elaborados e de maior valor agregado está perdendo cada vez mais espaço no comércio internacional para commodities. E embora isso possa ser uma boa coisa para o Brasil, não é o suficiente para gerar empregos, principalmente aqueles de boa qualidade”, enfatiza o VP da FIESP.
LIRA, PACHECO E BIDEN
Ainda nesse âmbito, os resultados das eleições deram vitória a Arthur Lira na Câmara, e a Rodrigo Pacheco, no Senado, cujas candidaturas foram apoiadas pelo Executivo, trazem perspectivas positivas para que as reformas essenciais para a retomada da atividade econômica brasileira avancem em algum grau. É importante notar, entretanto, que a agenda de projetos propostos pelo Executivo é extensa, de modo que apenas parte dela deva andar em um primeiro momento, e em velocidade lenta. De acordo com os discursos iniciais de ambos os vencedores do escrutínio, o foco principal dos trabalhos deverá ser dado, inicialmente, ao enfrentamento à pandemia, com medidas relacionadas à vacina e à ajuda aos mais vulneráveis, com prioridade no médio prazo à PEC Emergencial e à reforma tributária que, se tudo correr bem, deverá ser aprovada em até oito meses.
Por sua vez, outra vitória – esta, no entanto, no cenário internacional –, a de Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos, também é vista por alguns especialistas como motivo de preocupação e acautelamento no que diz respeito ao futuro das relações do novo governo norte-americano com o Brasil, principalmente se na agenda do democrata se materializarem as expectativas de rupturas com algumas políticas externas do regime republicano de Donald Trump, conhecido como “amigo” de Jair Bolsonaro.
Mas, os analistas também acreditam que, até analisando o perfil de Joe Biden, não deverá acontecer um distanciamento ou isolamento entre as nações, porque se trata muito mais de uma questão estratégica do que passional. E isso, basicamente, em função de dois fatores: primeiro por causa do volume de investimentos americanos em nosso país; e, segundo, pelo fato de o Brasil ter na China seu principal parceiro econômico, embora esta seja uma situação que Washington gostaria de reverter. Nesse sentido, a coisa mais inteligente que o Brasil deverá fazer, então, é enxergar a realidade do mundo, que é evitar conflitos com a China, que é o principal parceiro econômico do país, em que pese o fato de que o governo Biden poderá, eventualmente, forçar o Brasil a se reaproximar dos países do Mercosul – como a da Argentina, por exemplo –, bem como aqueles da União Europeia.
Por: Marcus Frediani