Com indicativos que inspiram “confiança cautelosa”, setor da construção civil ingressa em 2021 com perspectivas voláteis, mas com otimismo na evolução do PIB.
Os primeiros sinais de arrefecimento foram dados em novembro de 2020: o total de unidades residenciais novas vendidas naquele mês na cidade de São Paulo, sofreu uma queda de 22% na comparação com as vendas de outubro, e de 27,5% em relação às realizadas em novembro de 2019. Entretanto, os dados da Pesquisa do Mercado Imobiliário do Secovi-SP (Sindicato da Habitação), ainda ressaltavam um viés positivo no acumulado de 12 meses encerrado em novembro, com um aumento de 4,5% em relação ao mesmo período anterior, o que fez Celso Petrucci, economista-chefe da entidade se animar: “O mercado imobiliário continua com um bom ritmo de vendas. O índice VSO (Venda Sobre Oferta) de 12 meses foi de 59,4%, resultado acima das médias anuais anteriores”, registrou na ocasião.
Contudo, a esperança de um 2021 um pouco mais auspicioso meio que entrou no nevoeiro no final de janeiro, quando a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou os resultados da Sondagem da Indústria da Construção, trazendo a notícia nada agradável de que o Índice de Confiança do Empresário Industrial da Construção (Icei-Construção) despencou 3,2 pontos em dezembro, para 56,9 pontos. Apesar de a queda ainda se situar acima da linha divisória de 50 pontos – o que indicaria que os empresários do setor seguem “moderadamente confiantes” –, a influência da deterioração da percepção da indústria da construção sobre as condições atuais da economia brasileira tornou-se mais do que evidente.
E foi exatamente isso que demonstrou, quase que simultaneamente, outro medidor do estado de espírito do empresariado da construção civil, desta vez divulgado no âmbito da Sondagem da Construção da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – o Índice de Confiança da Construção (ICST) –, que registrou queda de 1,4 ponto em janeiro para 92,5 pontos, nível próximo ao observado em fevereiro de 2020, período anterior à pandemia, indicando que a confiança dos empresários do setor segue na faixa de “moderadamente pessimista”, numa escala de 0 a 200 pontos. Em outras palavras, o vetor do “moderadamente”, citado no parágrafo anterior, trocou de lado.
PREÇOS EM ALTA
O resultado negativo em janeiro auferido pela FGV refletiu a piora da percepção dos empresários na avaliação sobre o momento presente e na redução das expectativas em relação aos próximos meses. “O ano se inicia com um arrefecimento no ânimo dos empresários da construção. O resultado ocorre no momento em que vem ganhando destaque a elevação dos preços dos insumos setoriais entre os fatores assinalados como limitantes aos negócios. Desde setembro, o custo dos materiais vem crescendo como fator limitativo, associado ao expressivo aumento dos preços observados a partir desse período. Essa questão deve se manter entre as principais dificuldades do setor nos próximos meses”, afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção da FGV/Ibre, detectando alguns culpados do problema.
Com efeito, no ranking de principais entraves enfrentados pela indústria da construção no quarto trimestre está a falta ou alto custo da matéria-prima. O percentual de empresas da construção que enfrentam essa saia justa, de acordo com a sondagem da CNI, subiu de 39,2% para 50,8% entre o terceiro e o quarto trimestre, um avanço de 11,6 pontos percentuais. Em segundo lugar, na lista de tais perrengues aparece a elevada carga tributária, com 26,8% das assinalações de múltipla escolha. Na dança de posições, a burocracia excessiva tomou a terceira colocação, enfrentada por 24,1% das empresas, enquanto a demanda interna insuficiente caiu da terceira para a quarta posição entre os principais problemas que alarmam o setor.
Dessa forma, as perspectivas têm se tornado mais voláteis nos últimos meses, refletindo o aumento das incertezas do setor, corroborado também pela volatilidade, em sentido inverso, da demanda prevista, que caiu 3,8 pontos neste mês, registrada pela Sondagem da Construção da FGV. Aliás, Desde novembro, o Indicador de expectativas da entidade demonstrou uma interrupção do movimento de alta, a despeito de as atividades terem recuperado o patamar pré-pandemia.
Assim, o setor começou o ano mais pessimista em relação à evolução dos negócios nos próximos meses do que estava em janeiro de 2020. E esse pessimismo atingiu todos os segmentos da construção – Edificações, Infraestrutura e Serviços Especializados. “Provavelmente essa reversão do indicador também está associada à conjuntura mais adversa dos últimos meses, com a evolução da pandemia, a elevação dos preços de insumos, incertezas do cenário macroeconômico. De todo modo, o bom momento vivido pelo mercado imobiliário em 2020 deverá contribuir para o crescimento da atividade ao longo do ano”, lança alguma esperança Ana Castelo.
EMPREGO NA CONSTRUÇÃO
Contrabalançando esse pessimismo – e até inspirando certo paradoxo –, a situação do emprego na construção brasileira se revela muito mais animadora. Ainda que tenha fechado pouco mais de 43.000 vagas em dezembro, depois de seis meses de abertura de novas vagas, o saldo entre admissões e demissões no setor no acumulado de 2020 encerrou positivo: de janeiro a dezembro, a construção criou 112.174 vagas, um aumento de 5,18%. Foi novamente o setor que gerou o maior número de empregos nestes 12 meses, seguido pela indústria, agropecuária, comércio e serviços, segundo dados do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados no dia 28 de janeiro pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
“Como costuma ocorrer sazonalmente, o emprego na construção cai em dezembro. A tendência é o setor retomar o ritmo das contratações a partir de agora, com o início das novas obras já contratadas. Considerada essencial desde o início da pandemia, a construção seguirá em plena atividade, com rigorosa observância dos protocolos sanitários nos canteiros de obras”, explica Odair Senra, presidente do SindusCon-SP (Sindicato da Construção), a maior associação de empresas da indústria da construção na América Latina.
Ao final de dezembro, a construção empregava 2.279.099 trabalhadores com carteira assinada no país. Já o saldo entre admissões e demissões entre todos os setores da atividade econômica nacional resultou no fechamento de 67.906 empregos em dezembro. Mesmo assim, pelo segundo mês consecutivo desde o início da pandemia, houve um saldo positivo no acumulado do ano: a abertura de 142.690 vagas.
Já o cômputo por unidade da Federação do SindusCon-SP indica que, das vagas encerradas pela construção em dezembro, 4.194 registraram-se no Estado de São Paulo. Além de São Paulo, os estados que apresentaram mais fechamento de vagas no setor no mês foram Minas Gerais (6.906), Pará (4.147), Bahia (3.443), Paraná (3.624), Santa Catarina (2.971), Goiás (2.506) e Rio de Janeiro (2.254).
“Alguns indicadores neste início do ano revelam cautela não apenas em nosso setor, mas também na confiança da indústria. Na construção, a geração de empregos apresentou bons números até o final de 2020, assim como os financiamentos imobiliários entre janeiro e outubro, concedidos com recursos da poupança, que totalizaram R$ 92,7 bilhões, crescimento de 48,8% em relação ao mesmo período de 2019. No entanto, não podemos esquecer dos desafios enfrentados pelo setor em 2021, como o custo dos insumos e a necessidade urgente das reformas estruturais, tais como a tributária”, comenta, a respeito do tema, Iria Lícia Oliva Doniak, presidente executiva da Associação Brasileira da Construção Industrializada de Concreto (ABCIC).
OTIMISMO COM O PIB
Quem também divulgou recentemente alguns dados interessantes relacionados ao desempenho do setor, bem como sobre o cenário dele para 2021 foi a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Com a perspectiva de queda de 4,41% no PIB, a retração aguardada para a construção pela entidade no ano passado é de 2,8%.
Mas, na leitura da entidade, para 2021 – com previsão de expansão de 3,5% para a economia brasileira e de 4% para a construção civil – as expectativas para o país são positivas. Segundo o CBIC, tudo indica que esta última terá um desempenho melhor que o restante da economia. E caso a estimativa se confirme, essa deverá ser a maior expansão para a construção civil desde 2013, quando o setor cresceu 4,5%.
“Com esse PIB, seriam abertas cerca de 150 mil novas vagas de trabalho. Estamos otimistas, mas conservadores. Mas, para que a avaliação se concretize, é importante que os programas de concessões e os debates para reformas estruturantes tenham andamento tanto no Poder Executivo Federal quanto no Congresso Nacional”, salienta o presidente da CBIC, José Carlos Rodrigues Martins. “E medidas como a sanção da Lei 13.786/2018, a chamada Lei do Distrato Imobiliário, o Novo Marco do Saneamento e o lançamento do programa Casa Verde e Amarela também contribuem para o cenário favorável para 2021. Estamos otimistas, mas conservadores”, complementa.
Para o executivo, a retomada do crescimento da indústria da construção em 2021 também passa pelo crescimento dos investimentos, uma vez que, a taxa de investimento do Brasil no setor, em relação ao seu PIB, continua muito baixa, e muito distante não só daquela de algumas nações desenvolvidas da Ásia e Europa, como também de países da América do Sul, como Chile e Uruguai. “Na última década (2010-2019), no entanto, a construção foi responsável por cerca de 50% dos investimentos no Brasil. Em 2019, esse número foi de cerca de 44%”, destaca Martins.
Para finalizar, o presidente do CBIC lista ainda mais alguns dados que corroboram o otimismo para a indústria da construção em 2021, tais como o aumento de trabalhadores com carteira assinada na construção civil e o incremento dos financiamentos destinados à construção e aquisição de imóveis novos no Brasil.
Por: Marcus Frediani