Se 2020 foi um “ano para esquecer”, 2021 pode ser o “ano da virada”.
A notícia era esperada, mas nem por isso foi boa. Interrompendo a sequência de três anos consecutivos de crescimento, a economia brasileira encerrou 2020 no vermelho. Segundo os dados divulgados no início de março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB do país registrou queda de 4,1% no ano passado, fechando com a cifra de R$ 7,4 trilhões.
Esse foi o maior recuo observado desde o início da atual série histórica do PIB Trimestral, iniciada em 1996. A pandemia provocada pela COVID-19, que mergulhou não somente o Brasil, mas todo o planeta a uma grave crise sanitária, proporcionou sérios desdobramentos na saúde pública e levou a economia nacional a enfrentar um dos seus mais sérios desafios, com a crise se alastrando por quase todos os segmentos de atividade. A análise dos grandes setores demonstra que somente o agronegócio apresentou resultados positivos em 2020, cravando 2% de crescimento.
Entretanto, a sensação é quase de alívio, porque a coisa poderia ter sido muito pior. Apesar de intensa, a retração se deu em níveis inferiores àqueles inicialmente projetados. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, estimou, em junho de 2020, queda de 9,1% para a economia nacional. A última projeção feita pelo referido organismo, em janeiro/21, estimou recuou de 4,5%. Já o Banco Central, em seu Relatório de Inflação, divulgado em dezembro/2020, estimou contração de 4,4% para a economia brasileira. Assim, apesar dos pesares, o resultado do PIB foi melhor do que o esperado.
CONFIANÇA PREOCUPA
Reação natural ou não ao repique da COVID-19 que estamos vivendo agora, embora continue em alta, a manutenção do Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI), medido oficialmente em nível nacional pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), vive um momento preocupante. Nesse levantamento, que aufere a expectativa do empresariado para os próximos seis meses, tendo como linha divisória entre o pessimismo e o otimismo a marca dos 50 pontos em um total de 100, vem despencando desde dezembro do ano passado, quando registrou robustos 63,1 pontos.
Após quedas nos dois primeiros meses de 2021, em março, o ICEI registrou seu terceiro tombo mensal consecutivo – de 5,1 pontos na comparação com fevereiro –, inferior somente aos verificados em junho de 2018, em função da paralisação dos caminhoneiros ocorrida em maio daquele ano, e em abril de 2020, no auge da pandemia, batendo nos 54,4 pontos, o que deixa mais do que clara a existência de um cenário de incertezas com relação à evolução da COVID e, consequentemente, da economia brasileira. Apesar da chegada da vacina, o crescimento do contágio no país, aumentou a necessidade de se impor novas medidas de isolamento social – o que, efetivamente, aconteceu no mês de março –, sem falar na demora na tomada das medidas emergências de apoio às empresas e às famílias mais vulneráveis, o que, provavelmente, vem resultando no recuo da confiança dos empresários.
“Quando olhamos o índice de março, notamos que ele, sim, ainda mostra confiança da indústria. Esse valor de 54,4 pontos está, aliás, acima da média histórica do ICEI. Mas a queda expressiva na passagem de fevereiro para março nos faz um alerta. A confiança existe, mas já foi maior e está caindo rapidamente, o que nos faz acreditar que os empresários estão percebendo uma piora nas condições atuais dos seus negócios, bem como nas perspectivas da economia”, explica o gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo.
VIGOR PAULISTA
Na contramão da economia brasileira, entretanto, o estado de São Paulo encerrou 2020 com crescimento de 0,4% no PIB, puxado pelo resultado positivo de 1,8% do setor de serviços e tecnologia. É o que revelam os dados divulgados no início do mês de março pelo Seade – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, agência paulista de estatísticas.
“Em 2019, São Paulo já havia crescido mais do que a economia brasileira, e entramos fortes e aquecidos em 2020, com todos os motores funcionando a pleno vapor. Entramos em 2021 preparados para crescer. Só que isso vai depender do ritmo da vacinação”, afirma Henrique Meirelles, secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, acrescentando que a chamada recuperação em “V” está em pleno curso no estado, e que a economia paulista está 5,6% acima do patamar pré-crise. Para 2021, o governo paulista projeta crescimento acima de 5%, enquanto as projeções de mercado para o PIB brasileiro estão próximas de 3,5%.
Nesse cenário, a dinâmica da indústria paulista de transformação também vem sendo positiva. Segundo o recente Levantamento de Conjuntura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP/CIESP) – pesquisa que aufere dados de balanços consolidados de cerca de 800 empresas de grande, médio e pequeno portes –, elas cresceram 2,6% entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, livres de efeitos sazonais.
E de acordo com outro medidor da FIESP, a pesquisa Sensor, a indústria de transformação paulista continuou exibindo expansão em fevereiro, ainda que com alguma perda de ritmo quando comparado aos últimos meses. O indicador Sensor de fevereiro fechou em 51 pontos, na série com ajuste sazonal, resultado superior ao de janeiro, quando foram registrados 50,5 pontos. Números acima dos 50 pontos indicam melhora da atividade industrial paulista no mês.
Para Paulo Skaf, presidente da FIESP/CIESP, nos últimos dois anos foram aprovados projetos importantes no Congresso Nacional, como a reforma da previdência, a lei da liberdade econômica, que reduziu a burocracia nos negócios, e as medidas para enfrentar a pandemia, como flexibilização trabalhista, auxílio emergencial e mais alternativas de crédito. “Agora, com a renovação da Presidência das duas casas legislativas, e os sinais claros de que pretendem trabalhar em harmonia com o Executivo, temos a chance de fazer avançar ainda mais a agenda modernizante do país. É uma oportunidade de ouro, e não podemos desperdiçá-la”, enfatiza o executivo.
VACINA E JUROS
Além disso, fator determinante para a retomada da economia será, naturalmente, a vacinação em massa da população, somada à correta adoção de todos os protocolos sanitários para que o Brasil consiga combater o repique da COVID-19 que assistimos hoje, e evitar uma alta expressiva na curva de óbitos e o fechamento ainda maior da economia no país, que atualmente demonstra recuperação. “O progresso em direção à normalização total da economia graças à vacinação deve gerar aceleração do crescimento a partir do 2º trimestre, porque no 1º ainda continuaremos a sentir os impactos da pandemia”, avalia, por sua vez, o economista André Rebelo, assessor para Assuntos Estratégicos da FIESP, acrescentando que, se tudo der certo, a previsão é de que a indústria brasileira feche 2021 com 4 p.p. de evolução.
Contudo, Rebelo destaca que o fator que vai determinar o ritmo da retomada será o consumo, alimentado, em parte, pela poupança que a população eventualmente tenha conseguido amealhar ao longo do último ano, como fruto da contenção de despesas e da concentração destas na aquisição quase exclusiva de itens e serviços essenciais.
No meio do caminho, entretanto, o mercado financeiro aposta em um aumento considerável da taxa básica de juros diante da inflação mais alta, que, em fevereiro, chegou a 5,20% no acumulado de 12 meses. O centro da meta é 3,75%, com intervalo de tolerância de 1,5 p.p (de 2,25% a 5,25%). Ou seja, o patamar está perto do teto. Economistas estimam que o percentual deve superar 6% em junho, mas que haverá uma desaceleração até o fim de 2021. “Vejo esse movimento como uma recomposição natural da Selic e algo até relevante na história recente do país, uma vez que, até poucos anos atrás, ter-se uma taxa de juros entre 6% e 7% era uma espécie de ‘sonho de consumo’ para nós”, finaliza André Rebelo, da FIESP.
Marcus Frediani