Com a chegada da vacina contra a COVID-19, a confiança do empresariado se renova. Porém, a indústria ainda tem muitos desafios e um longo caminho a ser percorrido em 2021 no âmbito da retomada da economia brasileira.

Percorrendo uma trajetória entre altos e baixos, ainda muito impactada pelos diversos momentos de agravamento e paralisações de negócios ocasionados pela pandemia da COVID-19 em 2020, a indústria do aço e de alguns outros setores vitais para a economia iniciou 2021 com viés de otimismo e boas perspectivas, muito embora os resultados computados ao longo dos dois primeiros meses do ano ainda inspirem consideráveis e difusos graus de cautela entre os players do mercado.

De acordo com os registros do Instituto Aço Brasil, entre maio e dezembro de 2020, a produção de aço bruto cresceu 48%, ultrapassando o patamar pré-crise de fevereiro do ano passado, na mesma medida em que as vendas de laminados aumentaram 82%, o consumo aparente de produtos siderúrgicos se expandiu 78%, e a utilização da capacidade instalada das usinas subiu para 67,3%, algo de certa forma surpreendente, uma vez que elas chegaram a operar com apenas 45% dela no ápice da pandemia. Ato contínuo, o índice da confiança da indústria do aço subiu para 85,2%, enquanto que, no mesmo período, a produção de dois setores importantíssimos para ela também deram sinais mais do que consistentes de recuperação: o de máquinas e equipamentos evoluiu 91%, e o de veículos automotores aumentou incríveis 1.308%.

Porém, um revés vêm se impondo a esse cenário de retomada. Se, de um lado, a continuidade de políticas expansionistas no mundo – com medidas para estimular investimentos e consumo, como forma de enfrentamento da COVID-19 – tem alavancado a rápida retomada dos mercados, por outro, observa-se, em âmbito planetário ao longo desse período também, um boom nos preços das commodities, que vem se refletindo e impactando todos os segmentos industriais a jusante. “A indústria do aço tem sido bastante impactada pelo aumento dos preços de suas principais matérias-primas, como minério de ferro, sucata e carvão mineral, entre outras”, confirma, sem esconder sua preocupação, Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil.

Em que pese esse fato, as expectativas da indústria brasileira do aço são positivas para 2021, com a previsão, segundo o Aço Brasil, de que a produção aumente 6,7% em relação ao ano anterior, atingindo a 33 milhões de toneladas de aço bruto. No tocante às vendas internas, a estimativa é de que estas tenham um crescimento de 5,3%, atingindo a 20,3 milhões de toneladas, enquanto o consumo aparente de produtos siderúrgicos deve avançar, 5,8% em comparação com 2020, alcançando a 22,4 milhões de toneladas.

DISTRIBUIÇÃO DE AÇO
Dois mil e vinte e um começou também com boas expectativas para os distribuidores de aços planos no Brasil. Ante a dezembro do ano passado, as vendas do setor subiram 12,7% em janeiro e 16,2% na comparação anual, batendo nas 324,6 mil toneladas. Enquanto isso, as compras de material das usinas pelo setor subiram 0,8% ante dezembro e 13% contra janeiro de 2020, para 335,9 mil toneladas, segundo dados do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (INDA).

“Embora os dados oficiais ainda não estejam fechados, em fevereiro deveremos ter um número de entrega bem semelhante. Consequentemente, deveremos fechar o 1º bimestre do ano com crescimento de consumo aparente acima de 20%, em um momento claro de reposição de estoques, no qual as entregas das usinas estão sendo maiores. E, em termos de previsão para 2021, acreditamos que o crescimento deverá ser para mais de 10%, dependendo do cenário futuro”, projeta Carlos Jorge Loureiro, presidente da entidade.

Contudo, a escalada do preço internacional do aço também preocupa o dirigente do INDA. “Os preços das matérias-primas continuam em alta no mercado internacional, como é o caso do minério de ferro, que, hoje, orbita os US$ 173 por tonelada, sem tendência de queda, pelo menos no curto prazo, ainda mais com a recuperação das grandes economias mundiais e com o consumo de aço voltando na expectativa da retomada do pós-COVID, como é o caso dos Estados Unidos e de alguns países da Europa”, explica Loureiro.

Em face a tal conjunção de fatores – e levando em consideração o fato de que o custo das usinas brasileiras é calculado em dólar –, uma das perguntas que vem sendo feitas com mais frequência atualmente é se haverá espaço para novos aumentos do preço do aço consumido no Brasil. “Não temos informações ou rumores no mercado sobre aumentos de preços, pelo menos para março e abril. Em função do movimento de recomposição dos estoques, a entrega das usinas e as importações estão sendo efetivamente maiores do que o consumo real. E com as usinas nacionais com pedidos fechados até maio e junho, isso tem pouca possibilidade de acontecer no 1º semestre deste ano, a não ser que ocorra um fato excepcional, como a explosão do dólar ou uma eventual falta de aço”, conclui o presidente do INDA.

AUTOMOBILÍSTICO
Embora o quadro permaneça positivo, no momento atual uma espada paira sobre um dos setores mais demandantes de consumo de aço no Brasil – o automobilístico -, responsável por cerca de 35% do consumo dos produtos das usinas brasileiras, que vem atravessando um cenário de dificuldades. Apesar de todos os esforços logísticos feitos pelas montadoras, a produção de autoveículos ainda não retomou aos níveis de antes da pandemia. Segundo o levantamento mensal da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), fevereiro teve 197 mil unidades produzidas, 3,5% a menos do que no mesmo mês do ano passado e 1,3% abaixo de janeiro.

As boas notícias do mês de fevereiro vêm do setor de caminhões. A produção de 11,8 mil unidades foi 37,9% maior que em janeiro e 29,3% maior que em fevereiro de 2020. Os licenciamentos (7,8 mil) cresceram 3,2% e 21,4%, respectivamente. No acumulado do ano, os caminhões registram alta de 24,9% na produção, 11,8% nas vendas e 85,9% nas exportações, na comparação com o primeiro bimestre do ano anterior. Parte dos bons resultados é atribuída à força do agronegócio e à ampliação da rede de entregas em domicílio. “Contudo, os estoques de autoveículos nas fábricas e nas concessionárias na virada do mês de março eram de 97,8 mil unidades, suficientes para apenas 18 dias levando em conta o atual ritmo de vendas, um número ainda muito baixo comparado aos níveis pré-pandemia, que eram de 30 a 40 dias de estoque”, afirma Luiz Carlos Moraes, presidente da ANFAVEA.

Refletindo o bom momento para a comercialização de caminhões, a indústria de implementos rodoviários iniciou 2021 com variação positiva de 31% no volume de emplacamentos. Segundo os dados consolidados mais recentes do setor, em janeiro o setor fabricou e entregou ao mercado 11.270 produtos. Ante 8.610 implementos em janeiro de 2020. “Tradicionalmente o primeiro mês do ano costuma ser um período de vendas menos expressivo. Todavia, a pandemia alterou o ritmo dos negócios no setor, e iniciamos o ano no pique da recuperação que já vinha se anunciando no 2º semestre de 2020. E isso fez com que janeiro de 2021 fosse o mais aquecido desde 2015”, comemora Norberto Fabris, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários (ANFIR).

MÁQUINAS E CONSTRUÇÂO
A seu turno, embora ainda abaixo da média de 2010-2013, o setor de máquinas começou 2021 aquecido em relação ao observado nos últimos anos. De acordo com os dados mais recentes divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), a receita líquida da indústria registrou R$ 12,6 bilhões em janeiro, um crescimento de 38,5% em relação ao mesmo mês do ano anterior. “Em termos absolutos, este foi o melhor janeiro desde 2015, quando o setor havia faturado R$ 13,2 bilhões. Em 2021, a receita líquida deverá contar com a manutenção das vendas internas, mas o timing da recuperação das exportações ainda continua incerto”, projeta João Carlos Marchesan, presidente do Conselho de Administração da entidade, acrescentando que o consumo aparente mantém forte desempenho em 2021.

Por sua vez, em função dos impactos da pandemia da COVID-19, a construção civil amargou um tombo de 2,8% em suas atividades em 2020. Mas, para 2021, a previsão é de crescimento de 4%, segundo estimativas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Se confirmado, será o maior avanço em oito anos. Contudo, a maior preocupação do setor no momento é o desabastecimento, em função da elevação dos preços das matérias-primas, fator com sério potencial de inibir as construtoras a fazerem lançamentos de novas unidades. Prova disso é que o INCC/FGV registrou alta de 1,89% nos preços em fevereiro/2021, a maior observada desde junho/2016 (1,93%), trazendo como principais responsáveis pelo aumento alguns itens siderúrgicos como os vergalhões e arames de aço ao carbono (+21,34%), além dos tubos e conexões de ferro e aço (+11,56%). “E os preços continuam crescendo, e não há previsão contratual que dê conta desse aumento”, sublinha José Carlos Martins, presidente da CBIC.