Especialista em Direito e Comércio Internacional faz uma avaliação sobre o polêmico tema da “MP da Modernização do Ambiente de Negócios no País”, que agora tramita no Senado.

Marcus Frediani

No último dia 23 de junho, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei de conversão da Medida Provisória nº 1.040/2021, conhecida como “MP da Modernização do Ambiente de Negócios no País”. O projeto está em análise no Senado Federal, para depois ser encaminhado para sanção do presidente da República. Como o projeto deriva de uma medida provisória editada pelo próprio presidente, a expectativa é de que ainda no mês de agosto a lei venha a ser sancionada.

Entre outros assuntos, a MP aborda normas jurídicas para facilitação do comércio exterior, a fim de aumentar a integração do Brasil à economia global, com medidas de simplificação e facilitação referentes ao comércio internacional. Por conta disso, ela vem gerando bastante agitação e polêmica no mercado, principalmente, entre as usinas siderúrgicas brasileiras, receosas que ela venha a ser mais um Cavalo de Troia para combalir a venda de aços nacionais e a nossa já escassa competividade internacional.

Para falar sobre o tema, a revista Siderurgia Brasil convidou o advogado e especialista em Direito Marítimo e na área de Transportes e Comércio Internacional, sócio da RC Law e presidente e cofundador da Youngship Brazil, Larry Carvalho. Confira o que ele nos disse e tire suas próprias conclusões.

Larry Carvalho

Siderurgia Brasil: Larry, não é segredo para ninguém que o famigerado “Custo Brasil” é um dos principais algozes da economia brasileira, produzindo, entre outras teratologias, a perda de recursos financeiros e, por tabela, o atraso do desenvolvimento do país. Nesse sentido, quais benefícios – notadamente o de natureza econômica – a aprovação da Medida Provisória 1.040/2021 pode proporcionar?
Larry Carvalho: Bem, o principal objetivo dela é reduzir a burocracia e modernizar o ambiente de negócios no Brasil, com reflexos diretos no aumento da integração do Brasil à economia global, no que tange à simplificação e facilitação de processos relacionados ao comércio internacional. Na prática, segundo estimativas do governo, as mudanças proporcionarão uma economia de R$ 3,5 bilhões ao ano para as empresas de importação, além de eliminar mais de R$ 80 milhões em taxas pagas ao governo.

E como a MP contribuirá para isso?
Uma das principais medidas para combater o “Custo Brasil” nas importações é a flexibilização do procedimento de Licenciamento de Importação, que deverá facilitar a entrada e a redução de custo dos produtos importados. Atualmente, o procedimento exige diversas etapas burocráticas e algumas vezes pode envolver até seis órgãos anuentes. Hoje, o Brasil exige licenças em cerca de 62% de todas as operações de importação, enquanto países desenvolvidos exigem em apenas 10% das operações, fazendo com que o Brasil esteja inserido no nada seleto rol dos países que mais exigem licenciamento no mundo. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) reporta até alguns absurdos em que é necessária uma “licença” para o importador comprovar que não precisa de Licenciamento de Importação.

Em outras palavras, por conta disso, além de muito burocrático, o processo se torna demasiadamente moroso.
Sem dúvida. E é exatamente isso que demonstra o primeiro Estudo de Tempos de Liberação de Cargas (o Time Release Study), elaborado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), em parceria com a Secex, Anvisa e Mapa, e desenvolvido conforme a metodologia da Organização Mundial das Aduanas (OMA). Levando em conta os tempos medidos do processo integral da importação – ou seja, desde a chegada do veículo transportador até a entrega da carga ao importador, envolvendo todas as unidades nos modais aéreo, marítimo e rodoviário –, o levantamento revelou que o tempo médio entre o Período e o Deferimento da Licença gira em torno de 178 horas para os 12 órgãos anuentes, com destaque para a Anvisa, com 304 horas; Exército, com 467,23 horas; para o Inmetro, com 410,68h; e para o Mapa, que lida com produtos eminentemente perecíveis, com tempo médio de 505,43 horas, enquanto que para licenças que são analisadas após a chegada da mercadoria e antes do registro da Declaração de Importação o tempo médio é de 108 horas.

O texto passou na íntegra na Câmara?
Não. A Câmara retirou a proibição a um tipo de barreira comercial para a entrada de produtos estrangeiros no País. Pressionados pelo lobby da indústria, os deputados suprimiram do texto da MP o artigo 7º, que tratava da vedação ao chamado “Preço de Referência” para importações, a famosa política da pauta mínima, que exigia preços mínimos para concessão de importação de alguns produtos importadores, uma prática que vigora no país há mais de 70 anos, e é proibida pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Acordo de Valoração Aduaneira. Com isso, os órgãos anuentes podem voltar a exigir preços de referência para deferimento de Licença de Importação.

E isso pode ser considerado um avanço ou algo genuinamente inovador? Em que medida?
A MP inova ao vedar a exigência de Licenciamento de Importação em razão de características das mercadorias quando não existir previsão em ato normativo. E isso deverá reduzir drasticamente a necessidade de Licenciamento de Importação, e assim, dos próprios custos de pleito de licenciamento. Doutro modo, a Medida Provisória prevê que as exigências em vigor na data da publicação deverão ser revisadas por ato do Poder Executivo federal, o que, provavelmente, será nos termos propostos pelo Decreto Nº 10.139, que visa a deixar o acervo regulatório mais eficiente, por meio de revisão e consolidação dos atos normativos em vigor, seguindo, assim, o manual de boas práticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na qual o Brasil pretende ingressar. A MP também coíbe o Licenciamento de Importação com base em valores da mercadoria, que, por vias transversas, era realizado por meio de um verdadeiro controle de pauta de preços mínimos para que as importações fossem autorizadas, violando convenções ratificadas no Brasil. A consequência direta disso será, então, a redução dos custos tributários dos produtos importados. E outra consequência da aprovação da MP no âmbito da desburocratização, facilitação e melhoria do ambiente de negócios promovido pelo governo federal, será o desligamento definitivo do Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (Siscoserv).

Mas por que essa extinção é positiva?
Esse sistema foi instituído pela Portaria RFB/MF 1.908/2012, buscando o registro das informações sobre às transações realizadas entre residentes ou domiciliados no Brasil. O objetivo dele é controlar e sistematizar as demandas para controle de dados relativos à importação/exportação nas categorias de “Serviços” – quando existir um prestador que realiza seu trabalho mediante contratação da outra parte, ou seja, um cliente – e de “Intangíveis”, que é quando se transfere direitos ou bens intangíveis, como licenças, tecnologia, know-how, softwares e patentes, entre outros, para alguma outra parte. O Siscoserv já havia sido suspenso no ano passado, porém durante muito tempo tirou o sono de empresários que viviam aterrorizados pelo canto da sereia de que multas milionárias poderiam ser aplicadas. Agora, em seu lugar, será criado um sistema de dados compartilhados entre os diversos órgãos públicos, o que evitará novas obrigações de prestação de informação acessória, reduzindo assim a burocracia e a contratação de consultorias especializadas, que resultavam diretamente no aumento do custo final dos serviços. Em síntese, a Medida Provisória vem dentro de um cenário de intensa revisão e adaptação da regulação e portarias para que o desembaraço aduaneiro seja simplificado, cumprindo, assim, os compromissos assumidos pelo Brasil no contexto internacional.

Tudo isso junto implica a percepção de que o atual governo brasileiro está trabalhando fortemente para abrir cada vez mais o país ao mercado internacional, eliminando, além da burocracia, vários aspectos protecionistas que, de certa forma, garantiam uma espécie de tranquilidade à indústria nacional em detrimento da ampliação e modernização do comércio internacional, correto?
Sim, percebemos que tudo isso deixa claro a decisão do atual governo de fomentar e abrir o mercado brasileiro para as importações. Essa intenção se torna claro quando vemos as ações que têm sido realizadas e promulgadas ao longo dos últimos anos, tais como a ratificação das Convenções de Quioto e a de Facilitação do Comércio Exterior, urgindo alterações a legislação aduaneira como forma de compatibilizar com todos os novos regramentos que foram incorporados à legislação brasileira, bem como o recente movimento da Receita Federal de equalizar o acervo regulatório de tudo o que o Brasil ratificou, além do novo sistema do Portal Único Comércio Exterior, que visa a tornar os processos mais eficientes, menos burocráticos e integrados entre todos os players o poder e o público. E aí entra também a questão do “Revisaço”, que citei em resposta anterior, que, por meio do Decreto Nº 10.139, obriga todos os órgãos federais, autarquias e fundações a revisarem, atualizarem, simplificarem e consolidarem os atos legais, a fim de reduzir seu estoque regulatório, eliminar normas obsoletas, diminuir a complexidade dos processos e fortalecer a segurança jurídica, por meio de consultas públicas e republicação dessas normas, exatamente para modernizar o acervo regulatório que a gente tem.

E que análise você faz, especificamente, dos impactos que toda essa movimentação nos destinos da indústria siderúrgica nacional, que já sofre com medidas de defesa comercial para exportação de aço adotadas para vários países do mundo e, agora, também com a perspectiva de uma “invasão” de aços importados no Brasil, em função destes estarem chegando ao país com preços cada vez mais competitivos? Em outras palavras, toda essa abertura não pode vir a causar sérios problemas para nós?
Veja bem, sou uma pessoa que acredita muito no livre mercado. Só que para se ter um livre mercado, a gente precisa ter um pé de igualdade nas negociações. Então, acredito que, sim, o governo “deve” facilitar as importações, porém, o dever de casa tem que ser feito antes. É muito fácil alguém se sentar a uma mesa e dizer que o setor siderúrgico brasileiro, ou qualquer outro, tem que ser tão competitivo quanto as empresas chinesas, por exemplo. Então, a questão é a seguinte: você tem que dar meio para o empresariado brasileiro atuar em pé de igualdade, o que não acontece, porque quando se pega um mercado extremamente regulado, as legislações tributárias e trabalhistas, toda a burocracia e todo o “Custo Brasil” que a gente tem para empreender, não faz uma reforma, e diz simplesmente que vai dar um “choque de competitividade” para mudar o setor, isso não vai acontecer. É como colocar na marca de largada de uma corrida um industrial brasileiro com dez toneladas de peso nas costas e um chinês leve e solto, contando com auxílios, benefícios, incentivos, uma legislação trabalhista favorável e todo o apoio do governo para competir. Com certeza o chinês vai sair na frente. E o é pior, um dia a indústria brasileira tende a acabar. Então, essa questão de livre mercado é algo interessante quando a gente olha, mas precisa sempre haver uma troca de mercadorias justa. Em síntese, nada contra um free trade, mas um free trade também precisa ser um fair trade. Então, efetivamente essas distorções de mercado, com prática de dumping e de preços que sejam danosos às siderúrgicas brasileiras, têm que ser combatidas de maneira exemplar. E o Brasil possui os meios para fazer isso, combatendo essa, digamos, importação predatória por meio da aplicação de leis.

E aí vem a pergunta de US$ 1 bilhão: por que o governo brasileiro não faz isso?
Bem, creio que em primeiro lugar tem que ficar bem claro que a demanda por dumping não é propositiva do próprio governo, ela tem que vir do setor que se sente aviltado, que tem que fazer e insistir na denúncia e apresentar o estudo para que se aplique, nem que seja de forma cautelar, a medida de dumping. E isso não é um bicho de sete cabeças: isso está muito bem delineado, existe um manual da documentação que tem que ser apresentada ao Ministério da Economia. E por que o governo não faz isso? Bem, eu diria que é em função do Congresso que a gente tem hoje. Por exemplo, uma das mudanças que o governo brasileiro quer fazer hoje em nível de infraestrutura, que é abrir o mercado de cabotagem. Mas a grande verdade é que mesmo existindo muitos incentivos para a construção de embarcações no Brasil, nossos preços nunca foram competitivos, tanto que em dez, 20 anos, apenas dois ou três navios foram construídos aqui. Diante disso, a pergunta é: faz sentido a gente continuar com os incentivos e com o mercado fechado para ver se esse mercado de estaleiros deslancha, e isso não acontece? Então, precisamos sentar e repensar a estratégia, porque quando você tem, de um lado, uma frota que permanece igual ou até diminui, e de outro, uma demanda por frete e por transporte marítimo que cresce cada vez mais, você sempre vai ter um descompasso no preço. Então, a única solução para se evitar isso é aumentar a frota brasileira e equalizar o “Custo Brasil” para a gente ter uma redução de frete. Resumindo: a indústria siderúrgica brasileira – assim como todos os outros setores da economia –, precisam de reformas de verdade para competir no mercado internacional, que permitam, por exemplo, o recebimento de bonificações e paybacks de exportações, que lá na China, se não me engano, são de 18%. E lá é rápido, funciona e é simples. E se não acontecerem essas mudanças aqui no Brasil, o resultado será sempre aquém do projetados para as siderúrgicas nacionais e para os estrangeiros que têm interesse ou, efetivamente, já estejam investindo aqui.