Surfando na onda da produção do aço com pegada zero carbono, a AVB comemora seu sucesso em termos de aceitação no mercado, bem como os bons resultados de sua operação industrial.
Marcus Frediani
A Aço Verde do Brasil (AVB), empresa do Grupo Ferroeste, nasceu como um player competitivo de aço, trazendo a sustentabilidade como carro-chefe de suas estratégias e de sua filosofia. Pautada pela inovação e melhoria constante de produtos e processos, com operação industrial zero carbon footprint, foi a primeira empresa do planeta a produzir aço sem a utilização de combustíveis fosseis, evitando a emissão de milhões de toneladas de CO2 no meio ambiente, por meio do uso de carvão vegetal sustentável e gases de processo em sua produção.
Nesta entrevista exclusiva à revista Siderurgia Brasil, Silvia Nascimento, presidente do Conselho da Aço Verde do Brasil, conta um pouco da história da empresa, comenta os resultados da empresa e a situação atual da indústria do aço no Brasil, fala da importância do ESG – proposta sempre presente na trajetória e no DNA do Grupo Ferroeste –, e, ainda, dá algumas pistas sobre os planos futuros da companhia. Confira!
Siderurgia Brasil: Silvia, como nasceu o projeto da Aço Verde Brasil?
Silvia Nascimento: Bem, em 2008, a Gusa Nordeste já atuava no fornecimento de ferro gusa para grandes usinas de aço do Brasil e do mundo. Foi quando meu pai, que sempre foi um empreendedor arrojado, teve a ideia de construir nossa primeira siderúrgica dentro dos moldes da AVB, ou seja, utilizando carvão vegetal como matriz energética. Como o Grupo Ferroeste nasceu da silvicultura e do uso do carvão vegetal para produção do ferro gusa, a pegada ambiental do zero carbon footprint já estava presente em nosso DNA. E aí, essa decisão nos pareceu bastante natural, até porque já tínhamos 40 anos de know-how no setor industrial. Só que, sendo uma empresa familiar, com recursos limitados, dependendo de linhas de crédito e tudo mais, a gente resolveu fasear a operação, porque sabíamos que montar um investimento de US$ 1 bilhão, não seria, nem de longe, algo fácil. Mas a gente também sabia que fazer o fácil nunca foi nossa praia, e aí topamos o desafio. Daí, se passaram muitos anos, até que, em 2018, finalmente, a gente conseguiu ligar a laminação da AVB.
Em termos comparativos, qual a relação de valores entre construir uma siderúrgica zero carbono e uma que utiliza matriz energética convencional?
Sem dúvida, em termos de investimento, uma usina como a nossa é mais cara de ser construída, mas é mais barata em termos de operação, principalmente quando a gente consegue verticalizá-la. Em outras palavras, quanto mais autossuficiente você consegue ser, mais fácil é produzir.
Na prática, como vocês conseguem fazer isso?
De diversas formas. Por exemplo, do alto-forno para aquecer o tarugo à nossa aciaria, não utilizamos combustível fóssil, não compramos óleo diesel e não compramos gás natural. Temos a nossa própria fábrica de oxigênio, nossas próprias termelétricas, e 30% da energia que produzimos vêm dos gases dos nossos dois altos-fornos. Aproveitamos 100% da sucata, 100% do pinus que compramos, 100% da nossa escória e produzimos cimento, temos pouquíssimo consumo de água nova, porque toda aquela que utilizamos é interligada no processo. Tudo isso, junto, faz com que o custo de produção da AVB seja muito mais baixo do que o da concorrência. É só olhar nossos balanços e o nosso EBITIDA para consta que ele é o dobro dos meus concorrentes. E, por tabela, os preços de venda de nossos produtos são extremamente competitivos.
A AVB também é autossuficiente em carvão vegetal?
Não. Hoje a gente compra carvão de mercado. Alguns de nossos principais fornecedores são a Suzano, que acabou comprando muitas áreas para seu projeto de celulose; a Margusa, empresa de ferro gusa aqui do Maranhão, que também utiliza carvão vegetal para sua produção; a TPG, private equity do Grupo BTG Pactual; e o fundo Brokefield, além de uma série de outros fundos especializados em compra de terras, plantio e venda de madeira. Mas a compra de terceiros é mais uma questão de estratégia, que de maneira alguma interfere em nossa competividade.
Como a empresa atravessou os momentos mais duros da pandemia?
Bem, foi um momento difícil e triste para todo mundo. Nós implementamos todas as medidas de segurança sanitária, colocamos em home office todos os funcionários que podíamos, mas não paralisamos nossas atividades, até porque o setor de siderurgia foi considerado pelo governo do estado como essencial e prioritário para as obras da construção civil no Brasil inteiro não pararem pela falta aço. Quando foi na virada do ano de 2021, e a situação da COVID no Brasil começou a se agravar, fomos procurados pelo governo dos estados do Amazonas e do Maranhão para ajudarmos no fornecimento de oxigênio. Somos o maior doador deles no país: doamos 700.000m3 até agora.
E como se comportaram as vendas nesse período?
Logo que estourou a pandemia, em março, abril e maio de 2020, ficou todo mundo muito assustado, e a demanda foi zero, ninguém comprava nada. Mas a AVB continuou produzindo e estocando a produção. Quando chegou junho, sem motivo aparente, o Brasil bombou na parte de construção civil, e, desse mês até dezembro, foi um salve-se quem puder: demanda gigante, preço subindo… E, coincidentemente, no mundo inteiro as outras commodities, como minério de ferro, coque e sucata, começaram a subir. Com essa explosão de preços, o custo de produção também subiu muito. Então, do nosso lado não foi diferente: com a demanda aumentando, o preço do aço também teve que subir para fecharmos a conta. Contudo, nos meses de junho e julho deste ano, felizmente, a gente começou a ver uma acomodação em questão de volume e preço.
E essa acomodação pode ser vista como um sinal de retomada da economia e do vigor do setor do aço?
Vejo essa acomodação como uma estabilização da situação. Creio que atingimos um patamar no qual as pessoas entenderam que não tem mais espaço para elevação de preços e para especulação. E mesmo uma eventual expectativa de queda das margens, que muita gente está prevendo, não deve acontecer, porque nossos clientes, apesar de tudo, estão reagindo. Então, a gente está bem confiante.
Nem a queda no preço do aço assusta vocês?
Creio que isso nada mais é do que um reflexo de diminuição do custo de produção. Não vejo diminuição das margens, e isso é que é importante. O que importa no final do mês não é quanto entra, é quanto fica. Se eu gasto 10 para produzir, e vendo por 20, e, no mês seguinte, se eu gastar 5 e vender por 10, a minha margem é a mesma, é proporcional. Com essa estabilidade, o nível de produção tende a continuar alto, porque a demanda de aço no Brasil realmente cresceu: o país está consumindo mais aço hoje do que consumia há 12, 18 meses. Em síntese, para nós o que importa é produzir bem, com baixo custo, barato e vender com preço ótimo e ter boas margens de vendas.
Com funciona a cobertura de atendimento da Aço Verde Brasil? Vocês exportam?
Não. A empresa é inteiramente focada no mercado interno. Hoje existe no Brasil uma demanda enorme por aço, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que tem crescido muito em função das obras de energia eólica, energia solar, infraestrutura e agronegócio. Tenho hoje uma demanda muito forte para o meu aço. Eventualmente, na hora que a gente conseguir dobrar minha capacidade ou chegar à nossa capacidade instalada total de 600.000 toneladas/ano, pode ser que tenhamos produção suficiente para exportar.
Mas, em termos de competitividade, quando se fala de atendimento do mercado interno, em regiões como o Sul e o Sudeste, comprar de uma usina instalada no Maranhão não é algo complicado?
Felizmente, para nós, não é bem assim. Na verdade, temos aqui uma coisa muito interessante: além do fluxo de fornecimento que eu mencionei aí atrás – de uniformes, EPIs e papel higiênico, que vem todo do Sul e do Sudeste –, tem muitos produtos agrícolas, como milho e soja, saindo do Tocantins, de Goiás, do Mato Grosso e de estados do Sul e do Sudestes para serem exportados pelos portos do Nordeste. Com isso, existe um fluxo muito grande de carretas que vêm para cá e, na hora da volta, ficam em busca do conhecido “frete de retorno” para não fazer a viagem de volta vazias, ou “batendo lata”, como se costuma dizer no jargão popular. Então, enquanto o caminhoneiro cobra R$ 350 por tonelada de carga que traz para os portos do Nordeste, ele volta feliz da vida para o Sul e para o Sudeste carregando o aço da AVB a R$ 150, R$ 170 por tonelada. Ou seja, conseguimos entregar nossos produtos no Rio Grande do Sul pela metade do preço pago para trazer os produtos de lá para o Nordeste. Então, em termos de logística de distribuição, somos igualmente ou até mais competitivos do que um fornecedor de aço do Sudeste.
Como uma empresa que tem “verde” até no nome, trata a proposta de ESG no âmbito do desenvolvimento do negócio?
O conceito dessas três letrinhas, ESG, está presente em nosso DNA, desde o início da nossa história como indústria. Por isso, sempre trabalhamos muito forte os fatores ambiental, social e de governança, porque a gente acredita, de verdade, que a sustentabilidade de uma empresa não diz respeito apenas à matéria-prima e aos produtos. Claro, damos importância ao fato ambiental e à governança, mas hoje nosso foco é o social, para melhorar a qualidade de vida de Açailândia e trazendo visibilidade e investimento para o estado do Maranhão. Nesse sentido, por exemplo, estamos criando, em parceria com o governo, um polo industrial metal-mecânico, e convidando empresas de estados como São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, entre outros, para implantar uma fábrica para produzir aqui e vender para nossa região com isenção de impostos estaduais e sem cobrança de frete de ida e volta. Isso é social, e traz desenvolvimento, novas tecnologias, retenção de talentos para nossa empresa e, claro, melhoria de vida para a nossa gente.
Vocês nunca pensaram em abrir a empresa para o mercado?
A gente acredita que ainda não é o momento, porque a empresa é nova, e ainda está trabalhando em período de ramp-up: iniciamos a produção de tarugos em dezembro de 2015, e de produtos laminados em julho de 2018, com portfólio completado por fio máquina, vergalhões, e ferro gusa, mas, atualmente, estamos trabalhando com 50% de nossa capacidade total de fabricação, que é de 600.000 toneladas/ano. Assim, acreditamos que ainda há muito espaço para crescer antes de chegar o momento certo de abrir nosso capital e capturar todo o ganho que foi construído nesse período.
Em termos de futuro, quais são os planos de expansão da Aço Verde Brasil?
De saída, a gente pretende chegar a 100% da capacidade instalada da AVB, que é, como eu já disse, de 600.000 toneladas/ano, entre 2025 e 2026. Mas estamos totalmente aptos para ir além, porque, fora os equipamentos, muitas instalações da nossa usina foram planejadas e montadas para produzir 1.200.000 toneladas/ano, como é o caso da nossa estação de tratamento de água e a de tratamento de esgoto, os pátios de estocagem, as pontes rolantes, os galpões, enfim, toda a estrutura de obra civil física ela foi feita para dobrar a capacidade. Então, se você me perguntar onde queremos estar daqui a dez anos, a resposta vai ser: inaugurando essas outras 600.000 toneladas/ano, acompanhando o crescimento do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste e do Brasil todo, que a gente espera nesse período.
E desses planos também faz parte a inauguração de novas usinas verdes?
Por enquanto, não. Acho, sim, que, eventualmente, vamos poder abrir uma estrutura de corte-dobra e outra de trefilação, em função do crescimento da AVB na região do Pará e do Amazonas. Por exemplo, estamos evoluindo muito em Manaus, e, atualmente, o melhor jeito de chegar até lá é de balsa, atravessando o Pará. Então, faz sentido montarmos uma estrutura pequena por lá, com investimento de R$ 50 a 100 milhões para beneficiar o produto e entregar para o meu cliente daquela região. Mas, em termos de usina siderúrgica, com estrutura grande e investimento pesado, por enquanto vamos continuar a ter somente no Maranhão.