Um avanço histórico, mas com algumas ressalvas. Esse é o balanço final da COP26.

Marcus Frediani

Sob os olhares atentos de todo o planeta, entre os dias 1º e 12 de novembro foi realizada na cidade de Glasgow, na Escócia, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26. E, em termos de propostas e resultados, embora com ressalvas, o cômputo da cúpula foi considerado positivo. Essa é a conclusão que se tira do texto do relatório final do encontro, assinado pelos quase 40 mil representantes de cerca de 200 nações que participaram de seus intensos debates relacionados ao cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a partir da redução das emissões de dióxido de carbono.


O viés apaziguador do documento foi bastante elogiado por grande parte dos ambientalistas e observadores que bateram ponto na conferência, tais como a exigência de que já em 2022, os países apresentem novos compromissos de redução de gases do efeito estufa. Porém, é bom que se diga, na leitura desses analistas, a vitória só não foi completa porque, antes da canetada final no Acordo de Glasgow, alguns dos principais trechos do texto foram esvaziados principalmente por fortes pressões da Índia e da China.

José Fernando

E um dos que mais incomodaram nesse sentido foi aquele que postulava o abandono gradual do uso do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis. Por conta disso, em vez do compromisso de acelerar a “eliminação” dessas fontes altamente poluentes de energia, a redação final do pacto global fala em acelerar a “diminuição” de sua utilização. Mas, mesmo com essa ressalva, aos ONGs ambientais e os especialistas no clima consideraram tal proposta alternativa como um avanço histórico em relação às cúpulas anteriores. Isso, é claro, sem esquecer os avanços relacionados à redução do metano na atmosfera.

VISÃO ALINHADA
Fazendo coro com essa visão positiva, na análise da Confederação Nacional da Indústria (CNI), para quem os debates e compromissos firmados na COP26 reforçam a importância do setor produtivo na construção de uma sociedade mais sustentável e já se encontram perfeitamente alinhados à visão da maciça maioria das empresas brasileiras. E esse sentimento, de acordo com a entidade, passa, necessariamente, pela mobilização do setor produtivo, ciente de que a agenda contra o desmatamento ilegal e em defesa de uma economia de baixa emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs) enfatiza a importância dos investimentos em inovação e está alinhada ao posicionamento das empresas brasileiras. Para atestar essa dinâmica, uma pesquisa divulgada recentemente pela Confederação revela que 98% das médias e grandes indústrias do país adotam alguma ação de sustentabilidade nos seus processos produtivos.

Robson Braga de Andrade

“A indústria brasileira já está alinhada com as melhores práticas globais de sustentabilidade há décadas e encara os compromissos assumidos pelos líderes globais na COP26 como uma oportunidade de reforçar sua atuação na construção de uma economia com baixa emissão de gases de efeito estufa. Esse é um caminho sem volta para o mundo”, afirma o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.

A preocupação do empresariado brasileiro com a questão do meio ambiente, aliás, foi também atestada por uma pesquisa global realizada pela Grant Thornton, que apontou que desde o início da pandemia a sustentabilidade, no Brasil, se tornou muito mais importante para 61%, e um pouco mais importante para 26% dos empresários entrevistados. Na América Latina, esses índices ficaram em 53% e 28%, e globalmente em 41% e 30%, respectivamente. “O Brasil de um modo geral, e a indústria, especificamente, têm um desafio enorme de, por um lado, mostrar as suas boas práticas e servir de inspiração aos atores internacionais e, de outro, atrair negócios sustentáveis para a nação que tem por vocação protagonizar o debate ambiental global”, alerta, entretanto, o presidente da CNI.

ECOSSISTEMA DINÂMICO
Nessa toada, e reforçando tal intenção, empresas brasileiras que participaram da COP26 lançaram em Glasgow um documento no qual se comprometem com a adoção de uma agenda climática mais ambiciosa, que seja capaz de evitar o ponto de não-retorno do clima. Intitulado “Propostas e Recomendações Empresariais para a Contribuição Nacionalmente Determinada/NDC Brasileira”, e organizado pelo Instituto Ethos, e assinado por empresas como Aché, Natura & CO e Odebrecht (OEC), entre outras.

De acordo com o termo de compromisso, a iniciativa tem o diferencial de indicar a composição de um ecossistema dinâmico de atuação, no qual as empresas proponentes colaboram e ajudam a construir uma rede de garantia dos direitos à qualidade de vida e a evitar o ponto de não retorno climático. Assim, em relação às emissões de gases de efeito estufa, se comprometem não só a medir e reduzir suas emissões, a fim de aumentar sua eficiência energética, buscando emissões zero até 2030, mas também divulgar anualmente seus resultados. Além disso, se prontificam a eliminar produtos oriundos de desmatamento ou exploração ilegal de suas redes de produção e comercialização e desenvolver planos de descarbonização visando a uma transição justa, promoção de empregos verdes e renda à população.

Além de apoiar ações de conservação dos biomas em que atuam, as signatárias se comprometem com o estabelecimento e o fortalecimento de uma economia de baixo carbono. Entre as medidas listadas nesse sentido estão a inserção em sua base de investimentos da precificação de carbono e auditoria das cadeias de valor para redução de emissões e a promoção de estudos internos sobre mercado de carbono e regulamentação de créditos de carbono, com o objetivo de dar mais segurança jurídica e tributária às empresas que investem em projetos e/ou compensação. O documento também revela uma preocupação com a transparência das cadeias de valor. Entre as medidas assumidas estão garantir a rastreabilidade das cadeias produtivas e assegurar a transparência dos impactos da sua atuação para a sociedade.

SIDERURGIA SUSTENTÁVEL
Um dos muitos painéis que chamaram atenção durante a Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas foi o que contou com a presença do diretor de clima da Secretaria de Clima e Relações internacionais do Ministério do Meio Ambiente, Paulo Toledo, que falou sobre o projeto Siderurgia Sustentável. Com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente, a iniciativa busca reduzir as taxas de emissão de gases de efeito estufa do setor. “O programa foca em um setor que já é conhecido por ter uma produção mais limpa. O aço brasileiro já é considerado bem verde fora do país e dentro também, mas ele ainda responde por 3,2% das emissões [de gases poluentes]”, afirmou o diretor.

O projeto estudou o funcionamento de fornalhas de carvão no estado de Minas Gerais, onde está boa parte da indústria siderúrgica brasileira. A meta inicial era fazer com que três fábricas mudassem suas tecnologias de trabalho para diminuir a poluição, mas a equipe conseguiu dobrar o número. A principal mudança foi a técnica utilizada na queima da madeira. Antes, os fornos liberavam os gases poluidores livremente, o que, além de causar problema ao meio ambiente, afetava a saúde dos trabalhadores. A solução encontrada pelo projeto foi canalizar os gases para um sistema menos prejudicial. Como resultado, a iniciativa conseguiu aumentar em cinco vezes as reduções dos gases de efeito estufa nas fábricas. Quanto à produção de carvão limpo, Toledo disse que a meta era produzir 80 mil toneladas ao ano e, a partir das melhorias, passou a ser 290 mil toneladas.

Por sua vez, as cidades mineradoras brasileiras também ganharam representatividade na COP 26. O presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas e do Brasil (AMIG), José Fernando Aparecido de Oliveira, marcou presença no evento e reforçou, no painel em que participou, a necessidade de aliar o desenvolvimento econômico à sustentabilidade, alinhado com a proposta da “Race To Zero”, uma campanha mundial que tem a meta de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050.

Dada à constatação de que o minério é um bem natural não renovável e finito, Oliveira explica que um dos principais trabalhos da AMIG é exatamente preparar as cidades para exaustão, com reservas financeiras e por meio da diversificação econômica, medida que busca deixar municípios independentes da mineração e propõe o desenvolvimento de fontes de arrecadação alternativas. “Nesse sentido, a criação de um fundo municipal contribuiria para situações de quedas no recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), causadas por oscilações no mercado internacional, como a diminuição de demanda na exportação e uma eventual baixa do dólar”, pontua o presidente da entidade.

Mas, cadê o dinheiro que deveria estar aqui?

Se o sentimento com relação aos temas tratados durante a COP26 foi, de maneira geral, ponteado por aspectos positivos, não se pode negar, entretanto, que o otimismo de boa parte de seus conferencistas foi, de certa forma, obliterado por uma questão de ordem muito prática: o não atendimento das reivindicações dos países mais pobres do mundo por justiça climática, o que meio que tirou a azeitona da empada da conquista do objetivo de se conseguir limitar o aquecimento global a 1,5°C. Isso porque as nações mais ricas simplesmente ignoraram o apelo de criação de instrumentos que permitissem àquelas mais vulneráveis acessarem recursos financeiros para ações de prevenção e reconstrução contra eventos climáticos, não atendendo à urgência das mudanças climáticas.

A proposta inicial era de que os países ricos dobrassem o financiamento para ajudar os pobres a se adaptarem às mudanças climáticas, tais como os danos já causados pelos efeitos devastadores do aumento de tormentas, secas e ondas de calor em suas regiões. Apesar de os primeiros terem prometido no Acordo de Paris de 2015 um fundo de US$ 100 bilhões anuais para apoiarem os segundos a enfrentarem essa série de problemas, o dinheiro ainda não apareceu.

“Os US$ 100 bilhões não são apenas uma questão do dinheiro em si, mas fazer com que ele chegue ao chão”, pontuou o atual ministro brasileiro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, salientando que até mesmo o Fundo Amazônia, como doações previstas pela Alemanha e Noruega, permanece congelado, em função de as negociações ainda não estarem em andamento. No contraponto, entretanto, segundo os ambientalistas, o Brasil não está em boa posição para requisitar financiamentos, diante de seus recordes em taxas de desmatamento. Além disso, argumentam que o país tem cerca de R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia inexplicavelmente parados em seus cofres públicos desde 2019.

E como se tudo isso já não bastasse, para piorar a situação, na COP26 as nações mais desenvolvidas negaram a criação desse mecanismo específico, chamado de “Apelo de Perdas e Danos”, registrando no texto final da conferência apenas a proposta de “analisar os pedidos de indenizações” das mais vulneráveis no médio, o que, logicamente, causou ainda mais indignação entre estas.

Sem dúvida, os relatórios apresentados na COP26 mostram como os efeitos das mudanças climáticas afetam de maneira desigual os países, como atestam os países africanos, que emitem apenas 3% das emissões de gases de efeito estufa, mas que já gastam, por ano, 10% do seu PIB com os impactos climáticos. E a coisa tende a piorar no futuro, uma vez que, a estimativa é de que, sem ajuda internacional, as nações pobres poderão vir a gastar 20% de seus PIBs por ano em 2050 para mitiga-los.