No mês em que se comemora o Dia Nacional do Aço, crescem as preocupações e as incertezas plasmadas pela Guerra da Ucrânia quanto ao futuro da indústria siderúrgica mundial.
Marcus Frediani
No atual estágio de desenvolvimento da sociedade, é impossível imaginar o mundo sem o uso do aço. Sua produção é um forte indicador do estágio de desenvolvimento econômico de um país. No Brasil, o Dia Nacional do Aço, comemorado no dia 9 de abril, é uma homenagem a esse material que está presente no dia a dia das pessoas. Comemorada desde 1941 para homenagear a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, um passo importante para o processo de industrialização do Brasil, e que viabilizou a implantação das primeiras indústrias no país.
“O aço é protagonista da vida moderna. Desde o início de sua jornada no Brasil, ele faz parte do crescimento histórico e econômico do país. Com forte presença junto à sociedade brasileira, a indústria do aço gera milhares de empregos e crescimento pessoal e profissional para muitas comunidades. Hoje vemos que o aço é muito mais do que um produto: é fonte de crescimento. E seguimos crescendo juntos, gerando novas oportunidades e contribuindo com o desenvolvimento de soluções para os diversos desafios da indústria e da sociedade”, destaca o Instituto Aço Brasil em seu vídeo institucional deste ano para festejar a data.
CRESCIMENTO DA ESG
A história do aço no mundo começa em 1856. Aqui no Brasil, as primeiras indústrias surgiram no início do século e, depois de inúmeros desafios e algumas crises no caminho, o setor se tornou fonte de inovação, transformação e crescimento para o país. O engajamento dos times siderúrgicos permite buscar soluções para os mais diversos desafios da atividade, mantendo a contribuição para a sociedade, sempre encontrando no aço nosso caminho para um futuro mais inovador, ético, representativo e sustentável.
Nesse último quesito, aliás, dentro da proposta da governança ambiental, social e corporativa (ESG), hoje, em nosso país, existe um grau de maturidade e amadurecimento de todo o setor.
“O Brasil está em uma situação infinitamente melhor que as siderúrgicas de outros países em função da nossa matriz energética, que é muito mais limpa e muito mais pura do que eles. Temos uma indústria muito moderna, além de uma associação bastante ativa – o Instituto Aço Brasil –, sempre nos trazendo boas práticas, benchmark, iniciativas e ideias de vanguarda. Com isso, o Brasil hoje, sem dúvida alguma, está na liderança da produção de um aço ecologicamente e socialmente sustentável, bem posicionado em relação aos outros países”, destaca Silvia Nascimento, presidente do Conselho Administrativo da Aço Verde do Brasil e conselheira do Instituto Aço Brasil.
Então, para Silvia, a comemoração do Dia Nacional do Aço é motivo de grande alegria: “Sei que é muito clichê falar isso, mas, para mim, o aço é tudo. Ele está no carro, no liquidificador, na colher que você usa para comer. Está no equipamento do dentista que você vai, está no equipamento de ultrassom que você usa no médico. Sem dúvida alguma, o aço é a matéria-prima mais importante e, ao mesmo tempo, o material mais reciclável e resistente que nós temos hoje. Não é à toa que o governo americano declarou o aço como um item de segurança nacional. E, embora eu seja suspeita para falar, acho que ele é um produto essencial na vida de qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, porque ele está em todos os lugares, o tempo todo. Então, o Dia Nacional do Aço é uma data extremamente importante de a gente comemorar, em todos os lugares o tempo todo, uma data muito importante”, comenta, bastante animada.
CENÁRIO DE DESAFIOS
E o sentimento da conselheira do IABr, é compartilhado por Alejandro Wagner, diretor executivo da Associação Latinoamericana do Aço (Alacero). “Para mim, essa data é como o Dia dos Pais. A gente está com nossos pais todos os dias, mas, nessa data, temos que comemorar essa ‘paternidade’ de maneira especial. É um dia não só para lembrar, mas também para repensar nossa relação com o aço, e refletir sobre as perspectivas para o futuro”, enfatiza.
Contudo, Alejandro não deixa de ponderar que a comemoração do 81º aniversário do Dia Nacional do Aço acontece em um momento em que o Brasil e o mundo estão seriamente preocupados com o desenrolar e os impactos da Guerra na Ucrânia. “É algo realmente desafiador, que está causando grande preocupação, como eu mesmo tive oportunidade de constatar em uma recente reunião do Comitê Econômico da Worldsteel, da qual participei em Abu Dhabi: todo mundo está se perguntando qual será o futuro da indústria do aço no planeta”, sublinha o presidente da Alacero.
E essa preocupação se manifesta exatamente no contraponto da dinâmica de recuperação do setor na América Latina ao longo do 2021. No cômputo geral do ano passado, segundo dados da Alacero, a produção de aço bruto na América Latina aumentou 15,7% em relação a 2020, atingindo um total de 64,8 Mt, enquanto a produção de laminados aumentou 19,5% (55,7 Mt). O ano terminou com um consumo regional total de 74,8 Mt, o que representou um aumento de 26,6% em relação ao ano anterior (59,1 Mt) e 15,4% em relação a 2019 (64,8 Mt). No período, as exportações atingiram 9 Mt, cravando uma cifra de 19,9% a mais que em 2020 (7,5 Mt). Ato contínuo, as importações acumuladas somaram 28,8 Mt, 46,7% acima do mesmo período de 2020 (19,6 Mt).
EVOLUÇÃO CONTINGENCIADA
Contudo, embora os números de 2021 demonstrem, mais uma vez, a forte resiliência da siderurgia latino-americana – notadamente impulsionada pelos setores de construção, agrícola e automotivo –, esses dados positivos não significam, necessariamente, um avanço, uma vez que se encontram fortemente relacionados a movimento de recomposição de estoques do mercado, notadamente a partir do 2º Semestre do ano passado, tendo como base de comparação o encolhimento dos negócios observada nos meses anteriores, determinado pela convivência com o período mais crítico da pandemia da COVID-19, a partir do final de 2020.
Prova disso é que esse crescimento não conseguiu se sustentar já nos dois primeiros meses de 2022, portanto, antes mesmo da eclosão do conflito entre Rússia e Ucrânia. Tanto é assim que, já em fevereiro de 2022, a produção de aço bruto na região latino-americana diminuiu 6,8% em relação ao mês anterior, atingindo 4,8 Mt, com o acumulado entre janeiro/fevereiro de 10 Mt, 2,2% inferior ao mesmo período de 2021. Enquanto isso, a produção de laminados foi 3,3% menor em relação a janeiro, totalizando 4,2 Mt. E, embora a produção acumulada de laminados nos dois meses tenha sido de 8,6 Mt, com 2,3% a mais que no ano anterior, em janeiro de 2022, o consumo aparente foi de 5,6 Mt, ou seja, -8% em relação a janeiro de 2021. “E, para o presente ano, espera-se uma leve queda de 2,1% no consumo aparente, principalmente devido a uma forte recomposição de estoque na cadeia. Mesmo assim, é um bom nível em relação aos anos pré-pandemia (2017-19 à média de 66,1 Mt/ano)”, pontua Alejandro Wagner.
Ao longo desse panorama, vale destacar que o déficit comercial acumulado em 2021 ainda é crítico, 63,5% superior ao ano anterior, com -19,8 Mt. “Ainda não saímos do período de incertezas, pelo contrário, começamos um ano com problemas domésticos como eleições, inflação e políticas monetárias rígidas que podem ter impacto sobre a atividade industrial. E a tudo isso se soma a incerteza de um conflito global, com o aumento das matérias-primas do aço, bem como o custo da energia global”, explica o executivo.
BUSCA POR ALTERNATIVAS
Nesse cenário de “tempestade perfeita”, instalado a partir da Invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, outros fatores agravantes não podem deixar de ser mencionados. Por exemplo, a Ucrânia é o 14º maior produtor de aço bruto (21,4Mt em 2021) e o 8º maior exportador de aço do mundo (15Mt em 2021), segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Simultaneamente, um estudo da mesma organização aponta que a Rússia é o 9º maior exportador de minério de ferro do mundo, com produção de 25,7Mt em 2020, e o 3º maior exportador de carvão. Os dois países têm boa representação no cenário mundial.
Assim, o mercado internacional passou a buscar alternativas devido à indisponibilidade de aço e matérias-primas desses dois países. E isso vem afetando principalmente os Estados Unidos e a Europa, embora os efeitos não sejam descartados em alguns países da América Latina. No mercado dominicano, por exemplo, a maior parte da matéria-prima utilizada para o acabamento dos produtos siderúrgicos vem da Ucrânia. Devido à guerra, o país teve que buscar novas fontes de produção para garantir o abastecimento daquela República.
AUMENTO DE PREÇOS DOS INSUMOS
Ato contínuo, o conflito entre os países já está exercendo um impacto substancial nos preços dessas matérias-primas nos quatro cantos do planeta. “Devido à quebra de oferta devido à indisponibilidade de fornecimentos da Ucrânia ou da Rússia, a situação tem causado uma situação generalizada no mundo de aumentos de preços, quer porque esses novos fornecedores têm custos mais elevados, quer por simples excesso de procura de tais insumos que alguns desses fornecedores têm recebido”, enfatiza Alejandro Wagner.
Enquanto isso, ainda segundo ele, a pergunta de que se a busca dessas alternativas de fornecimento poderia favorecer, e eventualmente gerar oportunidades de negócios para a indústria siderúrgica latino-americana, ainda continua difícil de responder, muito em função do perene e crescente excesso da oferta de aço no mercado internacional.
EM BUSCA DO EQUILÍBRIO
Adicionalmente, outro fator que prejudica os países latino-americanos no que tange à oferta de aço é a taxa de inflação. Para contê-la, os governos da região continuam lançando mão de modelos ortodoxos, com o aumento das taxas de juros, o que, definitivamente, não tem se revelado a melhor solução. E com as eleições de 2022, como é o caso do Brasil, as mudanças nas linhas políticas também têm potencial de impactar a implementação das reformas econômicas favoráveis ao desenvolvimento da indústria latino-americana – em especial ao de indústria siderúrgica –, principalmente porque torna-se claro que os governos atuais já demonstraram que não estão sabendo exatamente o que fazer. E a situação ainda pode se agravar no futuro, uma vez que o que será feito pelos próximos governos, a partir de 2023, ainda permanece uma incógnita.
“Então, é importante buscar o equilíbrio entre demanda e produção e também a cooperação dos países para continuar alcançando melhores resultados. Por exemplo, há uma oportunidade de modernizar e renovar a siderurgia com novos investimentos verdes no médio e longo prazos, pois a renovação em um momento de escassez de energia seguramente aumentaria os custos”, conclui o diretor executivo da Alacero.