Agronegócio brasileiro comemora o anúncio do Plano Safras 2022/2023. Mas o setor de máquinas, equipamentos e implementos agrícolas se preocupa com os altos juros dos financiamentos e se os recursos dele serão suficientes para enfrentar os desafios que vêm por aí.

Marcus Frediani

Embora os resultados do 1º Semestre ainda estejam sendo tabulados, os números do 1TM 2022 divulgados em abril pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) cravaram um sinótico de evolução bastante interessante para o setor de máquinas, equipamentos e implementos agrícolas. Batendo em 9% no período, eles ultrapassaram os 5% previstos para o ano, pela entidade.

Foto: Agrishow

A superação da expectativa de janeiro a março, confirmou o viés de alta do setor, o que, na prática, está fazendo com que os números para 2022 sejam reajustados para cima. E um dos destaques na divulgação de abril, foram os números das exportações que, em março, cresceram 5,2% em relação a fevereiro. No acumulado do ano, os embarques de máquinas agrícolas apresentaram um aumento de 29,5%. Já as importações tiveram queda de 3,9% em março, e aumento de 29,5% no acumulado do 1TM.

Segundo Pedro Estevão Bastos, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas (CSMIA), da ABIMAQ, um dos motivos do bom desempenho do setor tem a ver com o fato de o agronegócio não ter parado em nenhum momento durante a pandemia. “A rentabilidade dos agricultores foi excepcional em 2020 e 2021, em 2022 apesar de ser menor ainda é bem acima da média de anos considerados normais. Além da rentabilidade, houve um grande aumento de área nos últimos quatro anos. Historicamente rentabilidades altas redundam em maior procura por máquinas potencializado pelo aumento expressivo de área plantada. De janeiro a maio/22 as vendas de máquinas agrícolas dos associados da ABIMAQ cresceram 11,5%”, antecipando o balanço positivo, ainda que parcial, dos resultados do 1º Semestre de 2022. Apenas a título de registro, no ano passado, as vendas de máquinas agrícolas tiveram um incremento de 41% sobre 2020, resultado esse que havia cravado um crescimento de 17% sobre 2019.

Complementarmente, em termos de resultados e expectativas, dois indicativos também atestam o bom momento vivido atualmente pelo setor. Realizada em abril, em Ribeirão Preto/SP, a feira Agrishow 2022 fechou um total de R$ 11,2 bilhões em negócios, superando de longe, em 286,2%, o volume registrado em sua última edição presencial, promovida antes desta, em 2019. E, após cinco dias de programação, a AgroBrasília 2022 chegou ao seu final, no dia 21 de maio, com recorde de R$ 4,6 bilhões em negócios.

ESPAÇO PARA CRESCER?
Mas, claro, algumas situações continuam a embaçar as lentes das expectativas do setor. E uma delas deriva exatamente da performance extraordinária citada por Bastos. Explica-se: com o produtor capitalizado em função do aumento da rentabilidade, a indústria entregou muitas máquinas nos últimos três anos, o que faz com que não haja tanto espaço para ela crescer neste ano, talvez mesmo com a perspectiva de continuidade de aumento da área plantada, o que, eventualmente, teria potencial para fazer o produtor comprar novas máquinas para a nova safra.

Mas é aí que a coisa pega. Mesmo com a carteira de pedidos em alta, e com a expectativa de que ela continue assim, o problema da cadeia de suprimentos eletrônicos, iniciado na escassez de fabricação, continua a complicar a vida da indústria de máquinas e equipamentos agrícolas. E ele se estende ainda à falta de navios e contêineres no mundo, que ainda não foi resolvida “E a perspectiva não é de que isso ocorra neste ano”, afirma o presidente da CSMIA, da ABIMAQ.

E não é só isso: a falta dos microcomponentes também vem impactando a manutenção das máquinas já em uso pelos produtores. De acordo com Pedro Estevão Bastos, da ABIMAQ, aquelas que fazem uso de microchips mais antigos são as mais prejudicadas, em função da demora da entrega das peças de reposição. Daí, no campo das hipóteses, aparentemente só existem duas saídas para a indústria brasileira do setor: tentar aumentar o estoque dos componentes importados, ou substituí-los por peças nacionais, opções essas que, se sabe, podem não ser as soluções mais adequadas, viáveis e, porque não dizer, totalmente factíveis. “Não houve avanços significativos na solução desses problemas. Acredito que a principal solução seria a abertura de novas fábricas. Porém, a instalação dessas novas unidades de produção demora anos”, pontua.

TECNOLOGIA E TENDÊNCIAS
Seja como for, quando o assunto é tecnologia embarcada, no estágio atual, a indústria brasileira de máquinas, equipamentos e implementos agrícolas não deixa nada a dever aos grandes fabricantes internacionais. E o mesmo se aplica às inovações: “Sempre há espaço para ela, mas estamos bem posicionados quando comparados a outros países, nossas máquinas são ou iguais ou mais tecnificadas que as concorrentes estrangeiras”, sublinha Bastos.

Mas, na prática, é a velocidade da reposição desses equipamentos que ainda preocupa. Segundo relatou o presidente da CSMIA/ABIMAQ, em entrevista concedida à Imprensa, em fevereiro deste ano, embora exista uma renovação natural do parque de máquinas comuns, a última demanda forte, na qual se observou um boom de vendas já tem quase dez anos. E elas estão ficando velhas.

“Uma máquina comprada há dez anos não tem a tecnologia embarcada que as máquinas novas, estando totalmente defasada. Nesse aspecto, o atraso em relação à tecnologia é bem maior. A tecnologia está caminhando a passos largos e o produtor não acompanha. Por exemplo, máquinas que têm computadores de bordo e são conectadas à internet recebem novidades a cada seis meses, assim como celulares, em que é possível agregar outras funções na parte eletrônica dos equipamentos. Obviamente, algumas máquinas não possibilitam essa atualização. Hoje, a Agricultura se elevou a automatização para outros patamares, com a adoção da Internet das Coisas, da Inteligência Artificial e do Big Data”, explicou na ocasião, acrescentando que o tamanho das máquinas também ficou maior, o que, em certas regiões do país, permite que as atividades agrícolas sejam realizadas em áreas gigantes, em meio a curtas janelas operacionais, por meio do uso de sistemas de análises que permitem rápidas e mais acertadas tomadas de decisões.

Assim, com a expansão da digitalização no campo, é natural que mais ferramentas surjam para gerar mais ganhos operacionais e, por tabela, uma gestão agroeconômica e financeira ainda mais eficaz. E isso leva a uma conclusão irrecorrível: com máquinas mais inteligentes e capazes de tomar decisões, a necessidade de a capacitação da mão de obra – não só a dos operadores, como também a dos agrônomos e dos administradores e proprietários rurais – também tenderá a se tornar cada vez mais essencial.

Simultaneamente, outra tendência marcante que já se manifesta, e deverá marcar cada vez mais no futuro do agronegócio, é da sustentabilidade, na seara da governança ambiental, social e corporativa, plasmadas pela intensificação dos processos de implementação das práticas de ESG, sigla do inglês Environmental, Social and Corporate Governance.

“A sustentabilidade é uma agenda sem volta no agro, junto com a governança e as ações sociais. A indústria brasileira de máquinas, equipamentos e implementos agrícolas está atenta e muito bem preparada para atender às demandas desse novo paradigma. Atualmente, a tecnologia embarcada e os controles das operações e do meio ambiente via softwares já fazem grande diferença na gestão/governança, das propriedades, bem como em soluções que visam à economia de insumos e ao conforto e segurança para operadores, todas norteadas pelo conceito da ESG”, destaca Bastos

PLANO SAFRA 2022/2023
E, da mesma forma que as ações de governança no agro brasileiro se encontram linkadas de forma indissolúvel ao movimento de sua expansão digital, é mais do que legítimo inferir que a via rumo ao futuro tem que passar obrigatoriamente pela atualização e modernização do setor, o que torna óbvia a necessidade de ampliação dos investimentos para o atingimento de metas superlativas.

Nesse sentido, na tentativa de fazer a sua parte, no dia 29 de junho o governo federal lançou o Plano Safra 2022/2023, que vai disponibilizar um total de R$ 340,88 bilhões em financiamentos para apoiar a produção agropecuária nacional até junho do próximo ano. O valor, segundo o Ministério da Agricultura, representa aumento de 36% em relação ao Plano Safra anterior, que disponibilizou R$ 251 bilhões a produtores rurais.

Alardeado pelo Planalto como o “maior da história”, o volume de recursos foi, sem dúvida, comemorado pelo setor, notadamente em função de algumas benesses interessantes direcionadas ao crédito. Por exemplo, o novo Plano Safra também aumentou, de 50% para 70%, a possibilidade de uso dos recursos das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), que são títulos de renda fixa emitidos pelos bancos para financiar atividades agropecuárias. Em linha com a proposta, os recursos para os pequenos produtores rurais, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), subiram 36%. Já para os médios produtores, houve um aumento de 28% em relação à safra passada, no âmbito do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp).

Além disso, o Plano Safra 2022/2023 também destinará recursos significativos para voltados à sustentabilidade, dentro da agenda do Programa ABC, que financia a recuperação de áreas e de pastagens degradadas, a implantação de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas, e a adoção de práticas conservacionistas de uso, manejo e proteção dos recursos naturais. Também foi criado o ABC+ Bioeconomia, mecanismo que prevê investimentos em sistemas de exploração extrativista não madeireira, de produtos da sociobiodiversidade e ecologicamente sustentáveis.

Outras novidades anunciadas pelo governo foram o financiamento de remineralizadores de solo (pó de rocha), que tem o potencial de reduzir a dependência dos fertilizantes importados – algo muito bem visto em função dos atuais impactos da continuidade da Guerra da Ucrânia –, bem como recursos de perto de R$ 2 bilhões para o Programa Proirriga, que contempla o financiamento de todos os itens inerentes aos sistemas de irrigação, inclusive infraestrutura elétrica, reserva de água e equipamentos para monitoramento da umidade no solo.

Complementarmente, entre os financiamentos previstos, está também a majoração das linhas de crédito relacionadas ao Inovagro – que terá R$ 3,51 bilhões em recursos para o incentivo à inovação tecnológica e para investimentos necessários para a adoção de boas práticas agropecuárias e de gestão da propriedade –, e os sistemas de conectividade no campo, softwares e licenças para gestão, monitoramento ou automação das atividades produtivas, além de sistemas para geração e distribuição de energia produzida a partir de fontes renováveis, e, ainda, daquelas que contemplam o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), que financiará investimentos necessários para a ampliação e construção de novos armazéns.

JUROS ALTOS
Porém – e sempre há um “porém” –, embora tido como “histórico” em termos de disponibilização de recursos, o anúncio do Plano Safra 2022/2023 também gerou muitas dúvidas e questionamentos, principalmente quando se fala em juros. Isso porque, com a tendência da elevação da Selic, que vem sendo registrada nos últimos meses, também ocorreu no Plano Agrícola e Pecuário (PAP), com elevação nos valores praticados – algumas linhas terão taxas acima dos dois dígitos. (Confira os detalhes no quadro da Pág. XX)

Segundo nota técnica emitida no dia 1º de julho pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o PAP 2022/2023, divulgado pelo governo federal no mesmo dia do anúncio do Plano Safra 2022/2023, foi construído em meio a uma série de adversidades econômicas, políticas e climáticas, que trouxeram grandes dificuldades ao setor. E, no rol destas, a constante elevação na taxa de juros surge como um dos principais e atuais desafios para a evolução do agro brasileiro.

Ágide Meneguette, presidente do sistema FAEP/SENAR-PR

Embora mantendo avaliação positiva sobre o volume de recursos disponibilizados pelo governo federal, uma das vozes que atenta para a questão dos juros altos, é a de Ágide Meneguette, presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR (Federação da Agricultura do Estado do Paraná e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Paraná): “Produtividade se constrói com planejamento e previsibilidade. Se o setor agropecuário sabe o quanto terá à disposição para contratar crédito e fazer o seguro rural, pode se dedicar ao seu trabalho de alimentar o mundo. O Plano Safra 2022/2023 realmente superou nossas expectativas, com a previsão de valores mais robustos do que aqueles disponibilizados nos anos anteriores. Porém, o que chamou nossa atenção foi o aumento nas taxas de juros das linhas de financiamento para o produtor. Na verdade, nós já o esperávamos, mas não imaginávamos que ele ultrapassaria os dois dígitos, como no caso dos programas Moderfrota, Procamp Agro, Moderagro e Inovagro”, sublinha.

E O DINHEIRO, VAI DAR?
Além disso, para alguns setores a preocupação é que o valor não será suficiente para atender a demanda, como é o caso das máquinas, equipamentos e implementos agrícolas. Essa é a avaliação de João Carlos Marchesan, presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ. “Temos que levar em conta que 50% das máquinas agrícolas no Brasil estão defasadas, envelhecidas e precisam ser renovadas. No ano passado, foi destinado um valor de R$ 8 bilhões Moderfrota, dos quais foram efetivamente liberados R$ 7,5 bilhões. E esse recurso acabou rapidamente: entrou em vigor em 1º julho e terminou em outubro”, explica.

Ainda segundo o executivo, devido ao fato de que o agronegócio brasileiro vinha em situação de preços altos e custos controlados no plano safra anterior, o agricultor acabou tomando recursos por outras fontes, tais como bancos particulares, que tinham taxas não iguais ao Moderfrota, mas semelhantes, o que, entretanto, não é o que acontece hoje: neste Plano Safra, o valor de financiamentos de R$ 10 bilhões destinados ao programa está sendo disponibilizado com taxa de 12,5% ao ano, que é alta, mas é menor na comparação com a dos bancos particulares, que atualmente gira em torno de 15% e 18% de juros ao ano para investimento em máquinas agrícolas.

“Além disso, esse valor de R$ 10 bilhões em função dos custos que se elevaram pela inflação, não será suficiente e estimamos que ele não chega ao mês de setembro, mesmo porque a implementação do Plano Safra está atrasada. Foi anunciado no finalzinho de junho, e até agora ainda não foram aprovados os recursos para a equalização das diferenças de taxas de todo plano, que é R$ 320 bilhões. E isso já vem impactando negativamente no agronegócio como um todo, porque os agricultores precisam comprar fertilizantes, sementes e precisam realizar investimentos. Assim, os recursos são muito poucos”, finaliza Marchesan.