“Crescer dói”, como já diziam as nossas avós. Mas, esse é, sem dúvida, um processo irrecorrível pelo qual o agronegócio brasileiro precisa continuar passando para, efetivamente, consolidar sua posição de destaque e de protagonismo entre as nações do planeta.

Marcus Frediani

Apesar dos grandes desafios de natureza interna e externa, o agronegócio brasileiro cresce cada vez mais. E na equação tangível desse desenvolvimento, a retirada das “pedras atrapalhadoras” que ainda insistem em permanecer sobre o gigantesco terreno fértil do nosso país-continente, embora lenta e gradual, tem sido uma constante.

E se esse processo de evolução, como qualquer outro processo de crescimento, implica dores impostas pelo rompimento dos tecidos antigos para dar lugar àqueles formados pelas novas células, é bastante natural que seja assim. Mas, sim, existem formas de acelerar essa gênese, por meio de ações inteligentes, muitas das quais com potencial de serem ativadas pelo simples uso do bom senso, tanto de quem governa quanto de quem, efetivamente, trabalha duro para produzir a riqueza agrícola no Brasil.

Essa é, exatamente, parte da mensagem e da verdadeira aula que Ciro Antônio Rosolem, professor titular da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCA/UNESP), membro do International Plant Nutrition Council e do Conselho Científico do Agro Sustentável (CCAS), entrega, como um verdadeiro presente, aos leitores da revista Siderurgia Brasil nesta entrevista exclusiva.

Vale muito a pena ler e refletir sobre as palavras do mestre, que foi incluído e ganhou lugar de destaque na lista recentemente divulgada do AD Scientific Index Ranking Latin America Top 100 Agriculture & Forestry Scientists 2022 – como o nome já diz, o “Top 100” dos cientistas das áreas agrícola e florestal na América Latina –, da qual fazem parte os pesquisadores mais influentes e produtivos dessas áreas na atualidade do continente.

Siderurgia Brasil: Prof. Ciro, sabemos que a tecnologia vem avançando em muitas frentes no agronegócio. Quais fatores vêm contribuindo nesse sentido?

Prof. Ciro Antônio Rosolem

Prof. Ciro Antônio Rosolem: Veja bem, essa é uma bola de cristal, porque o problema é falar em âmbito de Brasil, um território imenso no qual temos diversas situações. Então, se a gente pensar, em máquinas grandes e cada vez maiores, destinadas a fazendas enormes e grandes companhias, o crescimento do uso das soluções da tecnologia é bastante significativo, como vem sendo observado em algumas culturas no estado de São Paulo, e na cultura do algodão em Mato Grosso, também. E isso é uma vertente: daqui há uma década, talvez, o produtor trabalhar sem ter algum suporte da internet e da Internet das Coisas (IoT). Tanto é assim, que eu estou organizando um congresso sobre um canal de plantas, que vai acontecer agora em agosto, no qual uma das palestras vai ser exatamente sobre a Agricultura 4.0.

Sem dúvida ela vem proporcionando muitos benefícios à nova proposta do agronegócio brasileiro.
Verdade. Principalmente quando se fala no desenvolvimento de instrumentos para medir as coisas na agricultura, como se a planta está crescendo, se a umidade do solo é adequada, sem falar nos drones e na tecnologia dos satélites. Tudo isso vem evoluindo muito rápido. Mas o que falta agora? Falta desenvolver os parâmetros do chão, da planta e do solo para fazer a correlação com o que os instrumentos conseguem ler. Isso tem muito que desenvolver ainda. Creio que vamos acabar chegando lá, mas vai demorar um pouco ainda. O pessoal até faz e vende esse tipo de serviço, mas acontece que os parâmetros iniciais não são bons, as correlações não são boas.

Como assim?
Bem, até se consegue fazer alguma coisa nesse sentido, quando, por exemplo, um trator atola e por aí vai. Mas esse é apenas um lado. O outro, é qualidade de mão de obra. Você vai hoje nas fazendas grandes, e encontra lá um trator de R$ 1 milhão-R$ 1,2 milhão, mas se você entrega a máquina na mão de uma pessoa não totalmente habilitada, a coisa não vai dar certo. OK, você pode me dizer, “Ah, mas aí a solução é pegar um profissional com formação superior”, só que esse profissional não existe atualmente na quantidade necessária. Então, o que acontece? A automatização e a robotização dos tratores, por exemplo, está acontecendo de monte. Hoje, eu não conheço uma das grandes fazendas que não trabalha pelo menos com GPS, com georreferência, ferramenta que permite que alguém em uma sala de controle consiga ver onde o trator está, recurso que vem sendo utilizado pelos grandes produtores. E ainda estamos vivendo com o problema da limitação de sinal.

O velho problema do 5G, não é mesmo?
Olha, acho bom o 5G vem melhorando a questão do sinal, e ainda deve crescer muito, porque isso vai passar a compensar cada vez mais a compra de um trator grande. E acredito que o desenvolvimento da tecnologia, soluções como essa vão ficar muito baratas e, a partir do momento que você estiver no meio do campo e tiver o 5G disponível, todo mundo vai querer ter. Então, com a tecnologia ficando mais barata, creio que essa realidade vai começar a ser transplantada para as máquinas e produtores menores, até porque esse tipo de acesso já vem sendo efetivamente passado dos grandes para os médios agricultores. E se já tem muita gente trabalhando assim, uma hora isso também vai chegar ao pequeno produtor.

Isso, sem falar que já existem muitos e muitos jovens, filhos e netos daquilo que poderíamos chamar de “patriarcas” da agricultura, entrando no agronegócio.
Sim, essa é outra vertente bem nítida, a da sucessão natural no campo. Veja o meu caso: meus avós chegaram ao Brasil para substituir o trabalho escravo. Meu pai conseguiu fazer o 1º e 2º ano do que hoje se chama “Ensino Fundamental”, e, primeiro foi um sitiante do interior de São Paulo, depois foi para o interior do Paraná abrir as fronteiras agrícolas na região de Londrina na década de 1960. E, hoje, eu e meus irmãos somos formados em faculdades, digamos, formando uma 2ª geração, que está um pouco melhor. E, agora, quem está assumindo é a 3ª geração, muito mais culta, antenada e familiarizada com a digitalização e utilização dos recursos da tecnologia no campo. Então, trata-se de uma evolução natural e gradativa, como citei aí atrás, o que é muito bom.

E como você avalia o nível de preparação em termos de preparação técnica dessa 3ª geração?
Os jovens que a compõem, sem dúvida algumas, estão muito preparados para enfrentar os desafios atuais e aqueles do futuro. E isso vai além da preparação técnica: eles têm uma cabeça diferente, voltada para a inovação. São muito mais permeáveis à tecnologia, e a conhecem muito bem porque foram criados dentro dela. E embora seja muito difícil colocar isso em uma escala de tempo, porque o acesso a algumas coisas no campo da tecnologia continue muito caro – além de ainda existirem várias barreiras e restrições impostas aos nossos produtos no exterior –, não tem jeito: os outros países não têm onde produzir, e isso será feito no Brasil. E ponto final.

Então, na sua opinião, aquela velha premissa de que o Brasil é o “celeiro do mundo” é verdadeira?
Sim. E isso advém de algumas constatações muito simples. Basta você ver o que acontece nos outros países nos quais ainda existem áreas grandes para o plantio, como é o caso do Sudão, na África, onde alguns grupos empresariais, inclusive brasileiros, plantaram algodão e obtiveram bons resultados em termos de produtividade por lá, em função dos baixos custos de produção, mas, na hora de colher, devido aos conflitos constantes e à insegurança política, podem enfrentar problemas com as lideranças locais, que podem até reivindicar a propriedade do negócio. Aqui na América do Sul, dizem também que existem 20 milhões de hectares na Colômbia, com planaltos muito bons de cultivo, assim como acontece com a Venezuela, mas, em sã consciência, alguém vai produzir lá? Não vai. Pelo menos por alguns bons anos. Então, a coisa toda vai acontecer aqui no Brasil. Mesmo com essa história recorrente de que nosso país vai acabar e vai acabar “virando” Venezuela ou Argentina, isso não vai acontecer. Outra coisa, derivada da questão ambiental, que é muita séria e tudo mais, mas o Brasil começou a trabalhar positivamente com ela. Então, vai passar, tudo isso também vai ser bem equacionado.

Mas, objetivamente, o que é preciso para melhorar a nossa produtividade?
Não tem muito segredo aí: temos que fazer uso de todos os recursos que temos disponíveis para eficientizar a performance no campo dos agricultores que hoje têm produtividade baixa por hectare, principalmente daqueles que cultivam soja, milho e algodão, sem mexer na área plantada e da necessidade de fazer pasto virar lavoura. E isso não só pela intensificação do uso da tecnologia, mas também pela melhoria da assistência técnica e do financiamento. Fazendo isso apenas, a gente consegue, por baixo, aumentar a nossa produtividade entre 25% e 30%

Os recursos de R$ 340,88 bilhões do Plano Safra 2022/2023, recentemente anunciados pelo governo federal, serão suficientes para fazer isso?
Olha, se você perguntar isso para qualquer agricultor, ele vai dizer que é pouco. E é mesmo. Não fiz essa conta, mas, se você pegar o que nós termos de agricultura, juntando soja, milho e algodão à cana-de açúcar, café e outras culturas, seriam necessários pelo menos R$ 400 bilhões para se fazer isso. Então, o fato é esse: os recursos não serão suficientes para financiar tudo.

Mas você julga que é o governo que precisa mesmo financiar tudo?
Acho que não, até porque muita gente hoje, os grandes produtores, por exemplo, tomam empréstimos internacionais. E outra coisa, e os menores fazem aquela “troca verde”, por meio de contratos com as companhias de commodities, que têm acesso ao financiamento estrangeiro, e fornecem todos os recursos para o agricultor produzir, e que serão pagos por ele só na hora que entregar as colheitas lá na frente. Mas aí, qual é o problema este ano? É que o financiamento internacional também ficou caro. E o mesmo acontece com os juros dos empréstimos financiados por meio do Plano Safra, que são muito altos, E aí, é lógico, o produtor vai chiar.

Mas, na prática, poderia ser diferente?
Eu acho difícil. Na situação atual em que o país se encontra, como é que o governo e os bancos vão se dispor a conceder financiamentos com taxas inferiores a 10%, 12% ao ano?

É complicado, lembrando ainda que, salvo algumas situações particulares, a agricultura no mundo é subsidiada, entendeu? Nós ainda estamos conseguindo brigar, para, talvez no futuro, conseguirmos subsídios mais equilibrados. Emprestar dinheiro e tirar juros é algo que, hoje, o Brasil não tem condição de fazer. Então, estamos vivendo uma situação que não é estrutural, mas, conjuntural. Mas, acredito que, mais um ou dois anos, isso também vai passar, vai voltar ao normal, e aí a gente vai conseguir andar. Outra coisa que está acontecendo muito é que os pequenos agricultores, que ficam fora do mercado, estão arrendando suas terras para os maiores, que utilizam máquinas melhores e mais eficientes para produzir, renovando suas frotas a cada três, quatro ou cinco anos, o que os pequenos não conseguiriam fazer. Particularmente, eu não acho isso ruim, porque se os pequenos estão ganhando mais arrendando, por que eles têm que ficar lá enfrentando todos esses problemas?

Tendo tudo isso em tela, como você analisa as críticas do setor industrial, cuja atividade vem, ano a ano, perdendo participação no PIB brasileiro, em contraste com o que acontece com o agronegócio, afirmando que é ruim o país viver apenas da exportação de commodities?
Bem, embora eu não possa garantir ou provar o que vou falar, mas que, enfim, é a minha leitura sobre esse tema, acredito que a agricultura é um dos setores que, ao longo dos anos, vêm se mantendo mais ativo no desenvolvimento de suas ações. E uma das consequências disso é que ela está muito bem, obrigado! E, outra coisa, é que a indústria brasileira não investe tanto quanto deveria em pesquisa tecnológica. Só a título de exemplo, se você pegar as universidades norte-americanas, mais 50% do que é investido em pesquisa nela vêm da indústria, enquanto, aqui no Brasil, essa cifra não chega a 10%. Então, mesmo que por diversas razões até compreensíveis para que isso aconteça, fato é que a indústria brasileira, por um bom tempo, até por motivos políticos e de “padrinhagem” e coisas do tipo, ficou muito acomodada. E eu vou dar um exemplo clássico, que foi a proibição de importação de computadores. Quanto tempo isso ficou proibido? Entendeu?

Um protecionismo paralisante…
Pois é. E que segurou o desenvolvimento da indústria, até que as coisas começassem, por força, a se abrir e promover crescimento. Hoje, por exemplo, as melhores máquinas da John Deere estão e são produzidas no Brasil. Por quê? Porque aqui existe uma demanda real, que viabilizou o investimento da empresa em fazer isso por aqui. E fatos como esse levam muitas vezes as pessoas a reclamar que, em nosso país, não temos muitas patentes por “culpa” da área acadêmica, o que não é verdade. Temos poucas patentes porque as universidades não têm dinheiro para investir em pesquisa tecnológica. E, às vezes, você precisa montar uma planta-piloto para viabilizar esses estudos. E isso, além de ser caro, nem sempre dá certo. E aí você tem que jogar tudo fora dentro do processo natural de pesquisa.

Mas houve momentos, digamos, “melhores” ao longo dessa história?
Não. Nós nunca trabalhamos com muito dinheiro. E, o que é pior, esses recursos diminuíram. E este ano, de certa maneira, está particularmente difícil para a área acadêmica, entretanto, com um viés positivo.

Como assim?
Bem, vou explicar com um exemplo do que aconteceu recentemente conosco. Em junho de 2022, abrimos um processo seletivo com 14 vagas para pós-graduação aqui na UNESP, e só apareceram sete candidatos. Apesar da baixa procura, isso é bom, porque, sob um determinado ponto de vista, isso significa que o mercado está absorvendo um maior número de profissionais, e que só estavam indo para a pós-graduação um pequeno número de alunos que – com exceções honrosas, é lógico – não estavam conseguindo colocação no mercado, e que vieram atraídos pelo sistema de bolsa da CAPES e do CNPq, embora muitos deles não tivessem o perfil de pesquisa. Então, são duas coisas diferentes. Conheço muitos colegas do interior que têm projetos grandes com empresas, e estas pagam bolsas de doutorado para os profissionais desenvolverem pesquisas, o que nunca conseguimos fazer integralmente aqui na UNESP. Assim, com essas empresas investindo R$ 200 mil, ou 250 mil em cada projeto, esses profissionais nunca mais voltam aqui. Então, por que a gente vai reclamar?

Hoje em dia, o tema da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente está muito em voga. E, de forma incisiva, muitas correntes vêm se levantando, em várias frentes, contra o relaxamento da atual legislação brasileira sobre a questão agrícola. Como você avalia essa dinâmica?
Eu faço parte aqui em São Paulo de uma organização chamada Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), que tem por objetivo discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto. Por meio dele, o que a gente quer é colocar um pouco de verdade nessas coisas negativas que se falam por aí na Imprensa e até em livros escolares sobre a conexão entre a agricultura e a defesa do meio ambiente, notadamente no que diz respeito à utilização de defensivos agrícolas. Faz 30 anos que essa ideologia que mais desinforma do que informa vem sendo incutida nos alunos das escolas. E, hoje, aqueles alunos são professores.

Ou seja, eles continuam a ensinar a seus alunos essas ideias imprecisas e ultrapassadas.
Exatamente. E é contra essa ideia que vem sendo passada de que os grandes proprietários que fazem uso dos defensivos são bandidos que nós estamos brigando no CCAS, tentando levar informações verdadeiras e esclarecimentos à população. Só que, embora o Conselho seja muito bem estruturado, contando com especialistas nas mais variadas áreas de abordagem sobre esse e outros temas relacionados à sustentabilidade e ao meio ambiente, pontos que, sob a visão da imagem e da tecnologia, a indústria brasileira ficou muito acomodada. Ficamos muito atrasados nessas discussões, cujo desenvolvimento, por meio da apresentação de argumentos técnicos perfeitamente sintonizados com o nível das exigências legislativas e fitossanitárias, poderia ser amplamente comprovado. Mas o pior nessa história é que o CCAS está com muita dificuldade de financiamento para continuar vivo, uma vez que não vamos conseguir fazer isso com os recursos que dispomos atualmente. Em suma, poderíamos jogar luz e contribuir muito com o esclarecimento dessas questões relacionadas à sustentabilidade ambiental, embora eu acredite que o grande entrave que obstaculiza o amplo e pleno desenvolvimento do agronegócio no Brasil continue sendo o da insegurança jurídica. Mas isso, como sabemos, é outra história.