O mundo já não é mais o mesmo com as tendências e insinuações já bastante tangíveis da chamada “Nova Ordem Econômica Mundial”. E precisamos refletir e estar preparados para surfar nessa nova onda da economia planetária.

Marcus Frediani

A terminologia “Nova Ordem Mundial” está longe de ser nova. Na verdade, ela surgiu em 1989, tendo como ato simbólico a queda do muro de Berlim, que determinou o término daquilo que se convencionou chamar por Guerra Fria, em que o mundo deixou de ser considerado “bipolar” em termos de disputas de natureza ideológica entre os blocos capitalista e socialista, recebendo novas designações.

Contudo, em termos de economia, sabemos que não foi bem assim, como prova a “releitura” que vem sendo observada a partir da continuidade das disputas comerciais e tensões internacionais entre as nações do Ocidente e países como a China, a Coreia do Norte e, em especial agora, com a Rússia, envolvida em um insano conflito com a Ucrânia, que têm gerado expressivos impactos nos quatro cantos do planeta.

E isso tudo, é claro, sendo agravado pela permanência, ao longo de mais de dois anos e meio, da pandemia da COVID-19, que além de ceifar milhões de vidas ao redor do mundo todo, convulsionou e continua convulsionado a atividade econômica global, gerando, entre outras coisas, a alternância de medidas protecionistas e de distensão comercial, bem como novos regramentos legislativos em países como os Estados Unidos, o Reino Unido e o Brasil, com o objetivo de regular questões externas e internas relacionadas não só à produtividade e à competitividade, como também ao controle das receitas e da inflação. Além desses esforços, a busca de soluções essencialmente calcadas no uso da tecnologia a partir da ampliação da oferta dos recursos e da transformação digital, também vem evoluindo bastante, e muito rapidamente.

Com o objetivo de discutir os temas ligados à “Nova Ordem Econômica Mundial, à provável e possível normalização e retomada dos negócios no pós-pandemia, bem como ao trabalho das chamadas e ainda muito pouco conhecidas govtechs, que, em velocidade exponencial, vêm abrindo novos horizontes na agenda de transformação digital dos serviços públicos, a revista Siderurgia Brasil foi conversar com um dos mais influentes e respeitados especialistas nesse corolário de propostas, o CEO da Corporate Venture Builder Govtech Dome Ventures, Diogo Catão, graduado em Administração pela International University of Monaco, com mais de uma década de experiência no ecossistema de startups, como empreendedor, professor universitário, investidor, consultor, gerente de projetos, mentor e palestrante.

E da verdadeira aula dada por ele sobre todos esses assuntos, surgiu esta entrevista exclusiva que você vai ler agora. Reflita, se atualize e se oriente a partir desse rico acervo de informações.

Siderurgia Brasil: Diogo, ultimamente, o mundo parece estar se transformando em um lugar muito difícil para se viver. Em um curto período de tempo, atravessamos uma pandemia, vimos eclodir uma guerra na Europa, agora estamos nos preocupando com a tal Monkeypox… Enfim, tudo isso junto vem gerando sobressaltos na economia global e, por tabela, na brasileira também. E, hoje, muito se fala de uma “Nova Ordem Econômica Mundial”, que deve nascer das cinzas dessa confusão toda, configurando o estabelecimento de uma também nova realidade planetária. Como você analisa a questão?
Diogo Catão:
Sim, tradicionalmente existe uma luta de blocos para criar essa “Nova Ordem Econômica Mundial”. Temos um bloco liderado pelos Estados Unidos juntamente com os países do oeste europeu; outro bloco na Ásia, liderado militarmente pela Rússia, e economicamente pela China; e, no meio deles, os países “do petróleo”, no Oriente Médio, bloco este não tão polarizado em termos de economia e de influência política quanto os outros dois. Mas, veio a pandemia e mudou essa dinâmica, por meio de um “esfriamento” nessas economias, em função dos lockdowns e as demais medidas restritivas ao consumo. E quando o mundo começou a sair desse pesadelo, vem o choque da Guerra da Ucrânia, enfraquecendo a economia e elevando os preços globais dos alimentos, da energia, muito em função das sanções impostas à Rússia, em especial na Europa, que tem uma dependência muito grande do gás russo. E tudo isso, junto, fez com que os bancos centrais ao redor do planeta tivessem que se mexer.

Foi o que aconteceu com o Banco Central do Brasil, correto?
Sim, ele se antecipou e foi um dos primeiros a elevar a taxa de juros, dando um choque de realidade no país até um pouco antes do necessário. Já os Estados Unidos, embora demorando um pouco mais para fazer isso, anunciou agora no dia 27 de julho, um aumento na taxa de juros do país em 0,75 ponto percentual, fazendo com isso que ela passasse do intervalo de 1,5% a 1,75% ao ano, para 2,25% a 2,5%, em um esforço para combater a maior inflação nos Estados Unidos em mais de 40 anos, alimentada por um descompasso entre oferta e demanda e alta de preços de commodities ligados à pandemia e à Guerra da Ucrânia, além de uma demanda elevada com uma economia aquecida e baixo desemprego. E na Europa, onde acredito que o problema deverá ser sentido com mais intensidade, também “acordou” recentemente, com a elevação feita pelo Banco Central Europeu, no dia 21 de julho, nas taxas de juros da zona do euro, em 0,50 ponto percentual, na minha opinião uma iniciativa que demorou mais do que devia, porque, mesmo antes da pandemia, já existia uma guerra econômica dentro do continente, criando uma série de problemas, cuja continuidade é mais do que evidente, com a proliferação de várias greves trabalhistas, como o recente episódio do movimento grevista dos funcionários da Lufthansa.

E como a siderurgia se enquadra nesse imbróglio?
Na siderurgia, os impactos da tendência da “Nova Ordem Econômica Mundial” também foram sentidos, como, aliás, demonstram as decisões dos Estados Unidos e do Reino Unido de revogar as taxas impostas anteriormente à importação do aço brasileiro, notadamente as medidas tributárias protetivas sobre a importação de chapas de aço e de produtos de aços laminados a frio. Enquanto isso, a Europa, como um todo, fica parada, esperando até os 45 minutos do segundo tempo para reagir, o que, certamente, implicará um preço a ser cobrado, que a gente só vai saber um pouco mais para a frente.

Pelas notícias que vimos recebendo da China, a coisa não anda nada boa para a economia e para siderurgia por lá também, não é mesmo?
Sim, é verdade. A China vem fazendo lockdowns sistemáticos nas cidades em que existem indícios de propagação da COVID, e isso acaba esfriando a economia daquele país, que também vem sendo impactada com o agravamento da crise do setor imobiliário – que representa mais de 25% da economia do país –, marcada por construtoras afogadas em dívidas, aumentos de preço e atrasos na entrega de obras, bem como por compradores que pararam de pagar suas mensalidades, porque muitos deles já não têm mais recursos e meios de acesso às propriedades. Isso, como não poderia ser diferente, vem preocupando muito o governo chinês, que anunciou recentemente um aporte de US$ 40 bilhões para tentar dar uma sobrevida e evitar o desastre desse setor. E, é claro, assim como a economia chinesa como um todo, a siderurgia local também vem sofrendo impactos com esses problemas.

De forma geral, objetivamente como tudo isso que você falou está se refletindo na economia brasileira atualmente?
Vejo que, nesse sentido, o grande ponto por aqui é como as autoridades governamentais estão tratando a questão dos impostos e preservar a competitividade empresarial para sobreviver nessa situação. Por exemplo, o governo brasileiro cogita reduzir ou até extinguir as taxas de importação, o que, naturalmente vem causando preocupação para alguns empresários e produtores locais, mas que, em compensação, tem um viés positivo, no sentido de beneficiar a população, porque, com mais competividade, a tendência é conseguir combater a inflação e reduzir os preços. Na verdade, porém, isso se resume a uma questão de tirar de uma mão, para receber na outra, porque, com os Estados Unidos e o Reino Unido cortando as taxas, tal dinâmica favorece as exportações brasileiras.

Levando tudo isso em consideração, como você vê o ambiente para o investidor internacional colocar dinheiro no Brasil?
Bem, o apetite dos investidores internacionais em colocar dinheiro no Brasil inegavelmente já foi maior. Hoje, embora isso esteja mudando um pouco, entre a proposta de alto risco de investir em um país emergente, e a de fazer isso em países com índices maiores de segurança jurídica, a preferência costuma recair sobre estes segundos, em que pese o fato de o retorno financeiro ser menor, como acontece, por exemplo, com os títulos norte-americanos. Ou seja, mesmo nos Estados Unidos os investidores perdem ao longo do período, porque lá existe uma inflação maior do que a taxa do título. Assim, não faz muito sentido eles alocarem todos os seus recursos em um investimento de renda fixa, por exemplo, o que acaba por fazer que eles acabem compondo sua carteira de investimentos com variantes de títulos com risco maior também.

Nessa história, contudo, o Brasil tem um atrativo bastante interessante, que é ser um grande exportador de commodities, o que, certamente, também pode pesar na balança.
Sem dúvida. O Brasil é famoso no exterior por conta de sua vocação como exportador de commodities, como é o caso da soja, do milho, do açúcar, do café e do próprio minério de ferro. E, em uma situação de agravamento de conflitos, como a Guerra da Ucrânia, nosso país se torna um porto seguro, e consegue capitalizar muito bem esses investimentos, o que, aliás, também se observou no período mais crítico da pandemia da COVID-19, quando os exportadores brasileiros conseguiram manter sólido o seu desempenho.

Em outras palavras, embora seja triste dizer isso e, claro, os players nacionais obviamente não admitirem abertamente o fato, a siderurgia brasileira foi beneficiada com a explosão da Guerra na Ucrânia, até pelo fato de que a Rússia era a segunda maior fornecedora de placas de aço destinadas a laminação no mundo, e, em função das restrições impostas pelo conflito, ela parou de fornecer. Com isso, o Brasil viu crescer exponencialmente suas exportações também nesse item em particular. Como você analisa essa dicotomia?
Sim, é triste, mas é a realidade. A Guerra da Ucrânia foi motivada por questões econômicas. E o Brasil, por ser um país neutro, e de não ter adotado nenhum viés ou partido expressivo no conflito, ele acabou bebendo da fonte dos dois lados. Por exemplo, de um lado, conseguiu manter o fornecimento dos fertilizantes para o agronegócio brasileiro, e de outro continuou seu “namoro” com os Estados Unidos e com o Reino Unido, obtendo deles o já mencionado corte das taxas de importação do nosso aço, em regime de exclusividade, porque isso não aconteceu com outros países fornecedores. Ou seja – e é complicado e desconfortável dizer isso –, o Brasil se posicionou estrategicamente bem, e conseguiu conquistar esses benefícios nesse período. Ato contínuo, as previsões para a economia brasileira continuam boas. Recentemente, o Fundo Monetário Internacional aumentou a previsão do PIB brasileiro para 1,7%, o que, inegavelmente, é uma prova da força do país. Além disso, como as reduções de impostos, entre outras medidas anunciadas pelo governo, também apontam para uma tendência de equilíbrio, embora seja incerto se isso vai continuar após as eleições e ao longo do próximo ano, porque não se sabe se tudo isso, na verdade, são manobras eleitoreiras ou, efetivamente, fazem parte de um programa de governo.

E qual será, na sua opinião o fôlego que a gente terá para manter esse lugar de protagonismo no cenário econômico mundial quando, por exemplo, o conflito Russo X Ucrânia chegar ao fim? Será que as grandes potências mundiais, por exemplo, não irão retroagir no campo das benesses direcionadas ao Brasil que hoje estamos observando?
Bem, responder essa pergunta com um “sim” enfático seria perigoso e impreciso. O que eu posso dizer é que, na situação atual, esses países não têm fôlego para levantarem mais taxas para o Brasil. Em outras palavras, nosso país está, agora, em uma situação mais confortável. E, como eu disse aí atrás, ele já se preparou, de forma antecipada, para um eventual quadro de recessão. Então, se os Estados Unidos elevarem a taxação do aço brasileiro, ele vai chegar muito mais caro por lá, o que também pode ter reflexos em termos de aumento de preços dos aços produzidos por lá. Assim, até mesmo para incentivar competitividade local, os Estados Unidos terão que manter a redução das taxas de importação para os aços brasileiros, até seguindo a mesma dinâmica que está acontecendo com relação aos aços da China. Mas, é claro, as coisas podem mudar quando os Estados Unidos conseguirem “arrumar a casa”. Mas isso, claro, é outra conversa. Então, não vejo a possibilidade de alteração nessa dinâmica, pelo menos nos próximos 12 meses por lá.

E com relação à Europa?
Para mim, a Europa é o continente que enfrenta o cenário mais crítico. Ainda este ano, a zona do euro tem risco elevadíssimo de entrar em recessão.

Falando um pouco agora das lições de casa que o Brasil tem que, obrigatoriamente, fazer para se atualizar em relação às principais nações do planeta, e se instrumentalizar no âmbito da inovação e da competitividade, qual a importância para o país da promoção de avanços significativos voltados à inserção e à transformação digital? E como o governo pode ajudar na conquista dessas metas, em especial, por meio das chamadas govtechs?
Veja bem, uma coisa que muito pouco se fala por aqui é que um setor que movimenta mais de 10% do PIB, é o setor público. Só que, de forma geral, as instituições públicas do país ainda são muito discrepantes em termos de inovação: algumas são muito desenvolvidas, outras não. No entanto, elas convergem sobre a percepção da importância da inovação para que haja a tão falada transformação digital e um desenvolvimento sustentável das cidades. Assim, todos os dias lemos notícias falando de empresas que estão passando por dificuldades e, às vezes, quebrando. Mas as empresas governamentais não quebram: estão por aí, funcionando e sobrevivendo em todos os âmbitos em que operam, sejam este nas esferas municipal, estadual e federal. Só que elas precisam se atualizar, a exemplo de algumas empresas do setor privado, que se reinventaram e conseguiram aumentar seus faturamentos de forma gigantesca. Vendo isso, algumas prefeituras e governos estaduais manifestaram seu interesse em trazer essas inovações para o setor público. E é aí, exatamente, que entram as govtechs, que são startups que prestam soluções tecnológicas para viabilizar o crescimento do setor público, não só em termos de resultados financeiros, como também em termos sociais e ambientais em prol da população.

Objetivamente, o que elas podem fazer para efetivar essas conquistas?
Bem, em curto e médio prazos, elas podem prestar serviços para as instituições públicas no desenvolvimento de tecnologias e fornecimento de soluções e serviços digitais, para que estas, em longo prazo, possam resolver problemas socioambientais, de impacto climático, relacionados à corrupção, que não só proporcionem, entre outras coisas, transformações urbanísticas sustentáveis e tecnológicas, como também maior transparência por meio das ações de compliance – que garantema segurança e a minimização de riscos aos governos municipais e estaduais no cumprimento de seus atos, regimentos, normas e leis estabelecidos interna e externamente, além, é claro, de maior eficiência fiscal e eficiência e assertividade na aplicação desses recursos, voltados, em síntese, à formatação de cidades mais conectadas e inteligentes, proporcionadas pelo uso da Internet das Coisas. E esse é, exatamente o papel das govtechs: transformar todos esses processos em realidade, facilitando a administração governamental e trazendo novas soluções para o setor público.

E como vem caminhando a adesão do poder público a elas?
Diante desse cenário, muitas oportunidades estão surgindo para que as govtechs auxiliem os gestores públicos em termos de perspectivas futuras. Isso porque, cada vez mais, os governos tendem a compreender a importância da transformação digital, atinando que esse é o caminho para uma administração mais ágil, flexível e inovadora. Em função disso, o número de govtechs no Brasil tem crescido e elas criam soluções pensadas para resolver os problemas das instituições públicas na entrega de seus serviços para os cidadãos. Melhorar essa ponta com certeza vai provocar melhorias na vida de quem está do outro lado, necessitando das instituições públicas para suas questões de vida civil: a população. Pensar numa forma de enxergar essa conexão como um propósito maior, que traz benefícios para toda a sociedade, também é um cenário que consideramos como meta a se alcançar. E, mais do que tudo, direcionar o olhar para as pessoas.

Muito bom! E como a atuação Dome Ventures vem contribuindo para o desenvolvimento desses processos? A empresa de vocês é bem jovem, não é? Ela atua sozinha ou tem players parceiros?
Sim. A Dome Ventures é uma Corporate Venture Builder Govtech, que nasceu em setembro de 2021, justamente com o propósito de transformar o futuro das instituições públicas no Brasil. Nossa missão é contribuir com o avanço digital desse, selecionando e desenvolvendo, de forma contínua, inovações aplicadas e startups que possuam soluções para impactar positivamente a sociedade e a vida de toda a população. Para isso, contamos com diversas parcerias com diversas empresas, todas especializadas na área pública, que atuam na oferta de soluções de transformação digital, pesquisa de mercado, direito eleitoral, tecnologia de educação pública, catalização de conexões e compliance.

E como tem sido a recepção do trabalho da Dome em termos de recursos já captados?
Logo na primeira rodada de suas atividades, em apenas um mês de fundação, captamos R$ 2,5 milhões com 21 investidores. A segunda rodada será oficialmente aberta no final 2022. Porém, devido à procura antecipada, já foram vendidas e captados mais R$ 945 mil com mais cinco novos investidores, perfazendo, então, uma captação de R$ 3,445 milhões, com 26 investidores. E o valor desse aporte vai ser utilizado para impulsionar nossas operações necessárias nos próximos cinco anos, contemplando a ampliação da equipe da Dome, custeio de eventos estratégicos, ferramentas de gestão e TI e desenvolvimento das startups do portfólio.