Com investimentos acima de R$ 50 bilhões previstos para os próximos quatro anos, a siderurgia brasileira intensifica sua atenção com a preservação do meio ambiente e com o aumento da produtividade em suas unidades.
Henrique Patria
Cercado de muitas expectativas, foi realizado, nos dias 23 e 24 de agosto, o Congresso Aço Brasil 2022, pela primeira vez na sua história de forma hibrida (presencial e online), no Hotel Unique, em São Paulo/SP. No evento, estiveram reunidos os principais players e stakeholders da indústria do aço, tanto nacionais quanto estrangeiros, avaliando seu papel nesse cenário e discutindo os próximos passos do setor.
O início dos trabalhos foi marcado pela passagem da Presidência do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil de Marcos Faraco – vice-presidente da Gerdau Aços Brasil, Argentina e Uruguai –, para Jefferson De Paula, presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO da ArcelorMittal Aços Longos e Mineração LATAM. Com a mudança, Faraco passa agora a ocupar o cargo de conselheiro da entidade. Já Sérgio Leite de Andrade, conselheiro do Aço Brasil e presidente do Board Usiminas assumiu o cargo de vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil (2022-2024).
BOLSONARO, GUEDES E A ECONOMIA BRASILEIRA
Em sua abertura, o Congresso contou com a presença do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, que enalteceu a indústria siderúrgica nacional e manifestou sua satisfação de estar mais uma vez presente ao encontro, como já fizera no evento anterior realizado em Brasília. “Um dos grandes indicadores do desenvolvimento de uma nação é o consumo de aço do país, o que faz com que o trabalho exercido pelo Instituto Aço Brasil seja de fundamental importância para a nação brasileira”, afirmou na ocasião.
Complementarmente, o presidente da República fez menção às enormes dificuldades que seu governo enfrentou com o advento da pandemia da COVID-19, que resultou na paralisação da maior parte das atividades econômicas. Mas citou que os últimos números da economia mostram que o Brasil, apesar de tudo, vem conseguindo conter os índices da inflação, situando-os entre as dez menores do mundo, na frente de nações mais tradicionais e desenvolvidas, trazendo como exemplos os Estados Unidos e vários países da União Europeia.
“Ao mesmo tempo, reconheço também que o empresariado brasileiro enfrenta muitas dificuldades em gerir seus negócios com o emaranhado de leis e decretos existentes, que atrapalham o gerenciamento dos negócios. Contudo, para mudar essa cena, várias iniciativas já foram tomadas por nossos Ministérios. E muitas ainda estão por vir. Tenho muita confiança no futuro, pois o Brasil é um país de grandes oportunidades, e não podemos deixar passar este momento de crescimento. E, para isso, contamos com o apoio do setor siderúrgico, tão importante para a economia nacional”, fez questão de registrar Bolsonaro, sob aplausos da plateia.
Na sequência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, através o presidente do INMETRO, seu porta voz, destacou que uma parte dos processos vitais para a tão necessária desburocratização da economia brasileira já foram feitos pelo atual governo, principalmente por meio do INMETRO, e que tais iniciativas estão em linha para proporcionar a não menos urgente redução do famigerado “Custo Brasil”. Complementarmente, citou ainda a excelente convivência que o atual governo tem com todo os dirigentes da Aço Brasil, o que vem ajudando em muito o processo de retomada da aceleração econômica que estamos vivenciando.
Além de Jair Bolsonaro e Guedes, participaram da cerimônia o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, o ex-ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e diversas outras autoridades do governo, além de dirigentes do setor siderúrgico e especialistas do Brasil e exterior.
A NOVA ORDEM ECONÔMICA MUNDIAL
A eficiente forma encontrada pelos organizadores do Congresso Aço Brasil 2022 para discutir os principais assuntos que impactam o setor, foi por meio da realização de diversos painéis contando com a participação de debatedores nacionais e internacionais.
O primeiro deles girou sobre o tema “A Nova Ordem Econômica Mundial: Impactos nas Cadeias Globais”, tendo como moderador André B. Gerdau Johannpeter, conselheiro do Instituto Aço Brasil e vice-presidente executivo do Conselho de Administração da Gerdau. Participaram do painel, Edwin Basson, diretor-geral do World Steel Association; Stephen Dover, estrategista-chefe de Mercado e Head do Franklin Templeton Investment Institute; Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea; e Erik Hedborg, analista da área de matérias-primas e insumos da Custom Resolution Utility (CRU).
André Johannpeter deu o tom do que seriam as apresentações do painel, assinalando a existência da migração de um mundo antes globalizado, para a nova realidade da regionalização. “Nessa virada de chave, muitas indústrias precisam lidar cada vez mais com o custo da produtividade. Passamos de um mundo com abundância de insumos para outro com a imposição de diversas limitações, tais como os aspectos da segurança alimentar, da segurança energética e da segurança tecnológica. E o Brasil tem tudo isso, e pode se tornar o maior líder mundial em vários deles. Então, nosso foco a partir de agora será vencer o grande desafio da redução dos custos”, enfatizou.
Em linha com as notas de Johannpeter, em sua participação no painel, o diretor-geral do World Steel Association, destacou a importância do aço no processo de mudança da filosofia da globalização para a da regionalização: “O aço é o grande impulsionador da atividade econômica. E o caminho para consolidar nossa atividade nesse processo passa obrigatoriamente pela intensificação da capacitação dos colaboradores e pelo desenvolvimento de novos sistemas”, sublinhou.
Outro grande destaque nesse primeiro painel foi a participação de Márcio Leite, presidente da Anfavea, que lembrou que o Brasil é nono país na produção de aço, e o oitavo país na produção de veículos. “Entretanto, há ainda um longo caminho a percorrer”, afirmou ele. Apesar da competitividade dos nossos produtos ter aumentado significativamente, os problemas relacionados à descarbonização e à melhoria da produtividade continuam sendo desafios permanentes. E, atualmente, o maior deles é, sem dúvida, o da falta de componentes, notadamente os microchips, que já fez com que, mundialmente, deixassem de ser produzidos mais de 11 milhões de veículos em 2021”, pontuou.
Entretanto, embora enumerando empecilhos como esses, o presidente da Anfavea fez questão de ressaltar que existem enormes oportunidades no Brasil, que poderão ser muito bem aproveitadas com a continuidade do programa governamental e da iniciativa privada para renovação da frota de caminhões. “Acredito que os bons resultados dele já poderão ser vistos no médio prazo na categoria de veículos mais leves, uma vez que o envelhecimento da frota só causa dissabores e poluição. Vivemos um momento importante de nossa história e não podemos deixar esta oportunidade passar”, destacou na ocasião.
O MEIO AMBIENTE E A INDÚSTRIA DO AÇO
Dando continuidade à programação do Congresso Brasil 2022, tivemos o painel, intitulado “As mudanças climáticas e a indústria do aço”, que foi realizado sob a condução da jornalista Juliana Rosa, e contou com a presença do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite; da deputada federal, Carla Zambelli, integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal; do conselheiro do Instituto Aço Brasil e presidente-executivo da Ternium, Marcelo Chara; e do sócio sênior da McKinsey & Company, Wieland Gurlit.
Abrindo o debate, Juliana Rosa ressaltou a forma como as mudanças climáticas têm pautado os parâmetros relacionados com a discussão econômica, lembrando os desafios que se apresentam a partir das metas de redução das emissões de gases de efeito estufa, em linha com o Acordo de Paris. “É preciso que haja uma contemplação totalizada dos emissores de carbono para que tais objetivos sejam alcançados. E isso implica um esforço concentrado de toda a sociedade para que possamos chegar a 2050 com a totalidade do carbono neutralizado”, argumentou.
Acerca do tema, o ministro Joaquim Leite trouxe informações de que o Brasil tem uma posição privilegiada em relação à siderurgia mundial uma vez que possui várias fontes alternativas de energia entre as quais destacou o gás natural a geração de nitrogênio e as energias eólicas e solar para as quais o Brasil possui plenas condições de implantação e uso. “Estamos em fase final de regulamentação a instalação de torres eólicas no mar (off-shore) o que será um avanço fantástico em nossa geração de energia”, exemplificou.
Já Carla Zambelli comentou sobre a importância do mercado de crédito de carbono para o Brasil por meio do mecanismo de flexibilização “cap-and-trade” – por meio do qual os países compromissados com a redução de emissões de gases do efeito estufa podem negociar o excedente das metas de emissões entre si –, e sobre os avanços que estão sendo feitos no Congresso Nacional com a regulamentação: “Basicamente, quem emite mais que o permitido precisa recorrer ao mercado para comprar créditos daqueles que emitem menos do que poderiam. É o caso do Brasil, que gera muito crédito e com isso pode se tornar o maior vendedor mundial de créditos de carbono”, ilustrou.
O PAPEL ESTRATÉGICO DA SIDERURGIA NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Em outro painel, o ex-presidente do Instituto Aço Brasil e atual conselheiro da entidade, Marcos Faraco, presidiu o painel sobre o tema “O papel estratégico da indústria do aço no desenvolvimento econômico”, contando como convidados o secretário especial de Assuntos Estratégicos, almirante de esquadra Flávio Augusto Viana Rocha; o secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Alexandre Ywata; a presidente da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques Consentino; e o conselheiro emérito da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro.
Iniciando a apresentação, Faraco fez uma breve explanação apoiada em gráficos na qual demostrou que o consumo brasileiro de aço, computado em 2021, ainda permanece na casa dos 120 quilos/ano por habitante, cifra muito parecida àquela dos 100 quilos apurados há cerca de dez anos. “Somente esses 20% de crescimento nesta última década representam muito pouco para o que a siderurgia nacional necessita para alcançar um desempenho sustentável. E isso demonstra que, embora a nossa indústria esteja preparada, o que falta é demanda interna”, deduziu.
Com o intuito de implementá-la, os representantes do governo detalharam os esforços e o planejamento para os próximos anos e o que já foi feito, principalmente na gestão do ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, tais como a recente aprovação do “Novo Marco do Saneamento”, que já está injetando bilhões de dólares nesse setor, que é grande consumidor de aço, e ainda a conclusão de várias obras que estavam paradas, os leilões de ferrovias e aeroportos, entre outras iniciativas. Por sua vez, a presidente da Caixa Econômica falou sobre os créditos disponíveis para a construção civil, e sobre os planos de habitação – principalmente no âmbito das moradias populares – que são também grandes demandadores de aço.
O IMPACTO DO ESG NO VALOR DE MERCADO DAS EMPRESAS
Já o segundo dia do Congresso Aço Brasil 2022, um dos destaques foi a realização do painel “ESG – Impacto no valor de mercado das empresas”, tendo como moderador o conselheiro do Instituto Aço Brasil e diretor-presidente da Aperam South America, Frederico Ayres Lima, tendo como debatedores convidados a head de ESG do banco BTG Pactual, Rafaella Dortas; a professora da Ruhr Wet University of Applied Sciences na Alemanha, Karla Ohler-Martins; e o professor de Finanças & ESG da Fundação Dom Cabral, Carlos Braga.
Ayres Lima abriu o painel explicando como sua empresa e a indústria do aço estão cuidando da gestão ESG, visando a se aproximar dos parâmetros mundiais de sustentabilidade tanto no campo do meio ambiente como nos campos sociais e de governança corporativa. “Hoje, diante desse cenário, as empresas em nível mundial perceberam que mais do que manter uma marca ativa, elas precisam se identificar com a comunidade em que atuam, e demonstrar que estão praticando uma gestão saudável em relação ao meio ambiente”, ressaltou, evidenciando ainda a questão dos créditos de carbono, que representam uma nova modalidade de negócio na qual o Brasil está plenamente apto a atuar com muito sucesso.
Acerca do tema, Rafaella Dortas informou que todos as novas liberações de financiamentos do BTG Pactual passam necessariamente pela análise da boa prática da ESG. A seu turno, a professora Karla Ohler-Martins, discorreu sobre a preparação dos jovens para uma nova profissão que está se formando, a de especialistas em controles ambientais. “Na Alemanha, onde estou atualmente radicada, os adolescentes de 16 anos já são conduzidos a fazerem testes vocacionais, visando a identificar tal vocação. Assim, por lá já existe uma geração nova de futuros profissionais antenados com as mais atuais práticas da ESG”, comentou.
No debate desse tema importantíssimo, o professor Carlos Braga, da Fundação Dom Cabral – uma das mais conceituadas universidades nacionais –, aproveitou a oportunidade para enfatizar a mudança do mind set da comunidade empresarial, tanto no mundo quanto no Brasil: “Atualmente, mais do que a marca de uma empresa, sua reputação no meio em que atua é fundamental e a chave para o seu sucesso.”
O FUTURO DA INDÚSTRIA DO AÇO
Finalizando a programação do Congresso Aço Brasil 2022, foi promovido o instigante painel intitulado “O futuro da Indústria Brasileira do Aço – A visão dos CEOs”. Coordenado por Marco Polo de Melo Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, participaram do debate o diretor-presidente e CEO da Gerdau, Gustavo Werneck; o presidente do Board Usiminas, Sergio Leite; o presidente da Companhia Siderúrgica do Pecém, Marcelo Botelho; e o presidente recém-empossado do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO da ArcelorMittal Aços Longos e Mineração LATAM, Jefferson De Paula.
Na discussão do tema, novamente foram apresentados dados sobre a indústria siderúrgica nacional, com destaque para os investimentos já realizados e os previstos pela indústria siderúrgica nacional e, no revés, o ainda baixo consumo de aço que ainda persiste no Brasil. O principal desafio destacado no início dos trabalhos é que tem de haver um esforço concentrado, envolvendo a iniciativa privada e o governo, no sentido de se alcançar rapidamente a meta de consumo de 200 quilos/ano por habitante.
Para a conquista desse objetivo, durante o painel, os CEOs abordaram, sob vários ângulos, questões relacionadas ao perfil da indústria brasileira do aço, à evolução tecnológica e ao consumo interno. Em pauta, também, a análise das tendências dos indicadores econômicos tais como o PIB, a taxa de juros, os investimentos, a competitividade, o “Custo Brasil”, a guerra internacional de mercado e, ainda, os impactos sobre a cadeia de suprimentos do aço causados pela guerra entre Rússia e Ucrânia. “A maior urgência neste momento é a reforma tributária que tem de ser resolvida, para diminuirmos ou acabarmos com o ‘Custo Brasil’, que sufoca nossas empresas”, ressaltou Jefferson de Paula, em seu pronunciamento.
No encontro, os debatedores enfatizaram que os empresários da indústria siderúrgica nacional estão, efetivamente, fazendo a sua parte, citando como exemplo a robusta programação de investimentos, da ordem de R$ 52,5 bilhões, a ser feita por ela até o ano de 2026, visando à modernização de suas instalações, à redução na emissão de gases e ao aumento da produtividade do setor.
Especificamente no que tange à questão ambiental, todos os painelistas fizeram questão de destacar o compromisso assumido no que diz respeito à descarbonização. “No Brasil, a siderurgia já tem um diferencial em relação à siderurgia dos demais países, em função de algo que nenhum deles têm: a rota do carvão vegetal biorredutor, com ações de curto e médio prazos. E nesse contexto, vamos precisar de investimentos para lançar tecnologias que sejam cada vez mais disruptivas”, enfatizou Marco Polo de Melo Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil.
Ao final desse painel, o novo presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, Jefferson de Paula, conduziu a seção de encerramento do Congresso Aço Brasil 2022, cumprimentando seu antecessor Marcos Faraco pelo brilhante trabalho realizado. “Neste novo cargo que tenho a honra de assumir agora na entidade, tudo farei para implementar novas conquistas para o nosso setor siderúrgico. E estou muito otimista com o futuro, porque o vejo como muito promissor para nós, apesar de todos os desafios que iremos enfrentar”, concluiu.