As mudanças do clima com variações acima do previsto, irão acelerar as migrações de populações inteiras entre agora e 2050.
Ricardo Assumpção*
A capacidade de adaptação humana às mudanças climáticas não é ilimitada. Esse limite, aliás, já está sendo testado em diferentes locais do planeta. Cerca de 1,6 bilhão de pessoas enfrentam adversidades nessas áreas, que têm maior probabilidade de sofrer os efeitos adversos causados pelas mudanças climáticas. Esse número de atingidos deve dobrar até 2050. A mortalidade nesses lugares mais sensíveis às alterações do clima é 15 vezes maior do que nos países menos vulneráveis a esses efeitos. Caso o planeta aqueça além do limite de 1,5°C definido no Acordo de Paris, ainda mais dramática ficará essa situação. Já existem previsões que indicam aumento da temperatura superior a 2°C. Essas informações estão no relatório “10 New Insights in Climate Science 2022”, elaborado pelas organizações Future Earth, The Earth League e World Climate Research Program (WCRP) e lançado na COP27, que reúne autoridades globais no Egito.
Esse ambiente inóspito para a vida fará com que aumentem os movimentos de migração. Ainda segundo o estudo, na ausência de ação efetiva em relação ao clima, as migrações vão acelerar entre agora e 2050 – populações inteiras saindo principalmente das áreas mais pobres e suscetíveis às mudanças climáticas, como é o caso da África Subsaariana. Essa onda de migração pode ser formada por algum número entre 78,4 milhões e 170,3 milhões de pessoas, o que exigirá política efetiva de acolhimento por parte de todos os países, especialmente dos mais ricos. Para o estudo, “deve haver uma política que promova a migração de forma ordeira como uma estratégia de adaptação do mundo às pressões climáticas. Para isso, é preciso desde já que os países preparem áreas de recebimento desses refugiados, o que inclui a criação de condições de trabalho e de moradia, além de esforços de integração cultural”.
Esse contexto de insegurança provocado pela escassez de recursos e pela perda da produtividade agrícola nas regiões mais vulneráveis pode aumentar as tensões dentro e entre comunidades, contribuindo para o surgimento de conflitos violentos. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente disse recentemente que “desde meados do século 20, pelo menos 40% dos conflitos entre Estados estiveram ligados à exploração de recursos naturais”. Por isso, para o estudo, é importante que a comunidade internacional reconheça que a segurança da humanidade requer segurança climática, e isso só será possível por meio de uma ação urgente da comunidade internacional e de uma abordagem voltada para o fortalecimento da resiliência.
Setor financeiro e descarbonização
Na visão do estudo, os mercados financeiros são cruciais para a transição para uma economia de carbono zero. Isso porque, por meio da sua atuação, podem elevar o desempenho em sustentabilidade dos setores econômicos que produzem fortes impactos climáticos, permitindo assim uma adaptação eficaz a essa realidade de carbono zero para toda a economia global.
Ainda de acordo a pesquisa, as práticas de financiamento sustentável do setor privado ainda não refletem as profundas e rápidas transformações necessárias para cumprir as metas climáticas. E, por isso, um caminho possível e desejável é que os legisladores criem políticas nessa área voltadas para o setor financeiro, com dois objetivos principais: melhorar a transparência das emissões de carbono incorporadas em investimentos e garantir que os fluxos de capital estejam plenamente alinhados com as metas do Acordo de Paris para criar impactos reais nas emissões de carbono e na resiliência das economias.
Outros insights citados
Além dos insights já abordados, os seguintes foram mencionados pelo estudo: novas ameaças no horizonte das interações entre clima e saúde; uso da terra de forma sustentável é essencial para cumprir as metas do clima; perdas e danos – o imperativo urgente planetário; tomada de decisão inclusiva para o desenvolvimento da resiliência do clima; e quebrando as barreiras estruturais e os bloqueios insustentáveis.
*Ricardo Assumpção, é sócio-líder de ESG para a América Latina Sul e Chief Sustainability Officer da EY Brasil.