Depois de décadas de atraso, a reforma tributária, que o Brasil tanto precisa, pode sair ainda este ano.
Marcus Frediani
Agora em março, o ministro da Fazenda Fernando Haddad reforçou o cronograma para a aprovação da mudança no sistema de impostos sobre consumo: votação até julho na Câmara e até outubro no Senado. E tal posicionamento, volta a alimentar as esperanças de 11 entre dez empresários de que, depois de um atraso de pelo menos 20 anos, a “coisa, agora, sai”.
Para jogar luz sobre a questão, a revista Siderurgia Brasil conversou com exclusividade com um dos maiores especialistas sobre o tema, o Professor de Gestão Financeira na Fundação Vanzolini, do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, Michael Roubicek. Confira!
Siderurgia Brasil: Quais são as propostas de reforma tributária que estão sendo atualmente analisadas no Congresso?
Michael Roubicek: Existem duas propostas em tramitação no Congresso. Ambas têm o mesmo objetivo, que é simplificar e aumentar a transparência do sistema tributário brasileiro, sem provocar o aumento da carga tributária geral. As duas preveem a substituição de diversos impostos por impostos que incidam sobre o valor agregado de bens e serviços (IVA), eliminando a cumulatividade de impostos, que reduzem muito a competitividade das empresas. Os impostos sobre valor agregado são utilizados na maior parte dos países e em todos os países desenvolvidos. A PEC 45/2019, apresentada pelo deputado Baleia Rossi e idealizada pelo Centro de Cidadania Fiscal, do qual faz parte o Secretário Especial da Reforma Tributária Bernando Appy, já foi votada na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. A outra proposta é a PEC 110/2019, que está tramitando no Senado. A PEC 45/2019 prevê a criação de um imposto federal, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituiria o IPI, o PIS, Cofins, ICMS e ISS. Além disso haveria um Imposto Seletivo, que incidiria sobre bens específicos como bebidas, cigarros como forma de desincentivar seu consumo e sobre importação. Já a PEC 110/2019 prevê a criação de um IVA dual, com o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) substituindo o PIS e Cofins e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) substituindo o ICMS e ISS. Haveria também um IS (imposto Seletivo), substituindo o IPI. Entretanto, existe também uma proposta que foi apresentada pelo governo anterior, que está descartada. Mas não se sabe ainda qual será o encaminhamento da proposta do governo atual, nem se utilizará alguma das duas propostas em tramitação. Provavelmente usará alguma delas como veículo para agilizar os procedimentos.
E em termos de aplicabilidade, como isso deverá funcionar?
Nos casos da PEC 45/2019 e da PEC 110/2019, haverá um período de transição com o objetivo de evitar que haja impacto muito forte na arrecadação de estados e municípios. Em ambos os casos a arrecadação dos impostos manterá, no início, a proporção atual de divisão das receitas entre os níveis federal, estadual e municipal. A tributação do IBS também será alterada para incidência no local de destino do consumo de bens e serviços ao invés da origem, o que tende a eliminar a guerra fiscal atual entre estados e municípios.
Quais seriam as linhas principais de uma reforma que melhorasse a nossa competitividade, tanto no que diz respeito à circulação interna de mercadorias quanto no que tange ao comércio exterior?
Uma das principais características da reforma é acabar com a cumulatividade dos tributos, o que acaba por onerar com maior intensidade os produtores de uma forma geral. As alíquotas ainda serão definidas, mas um dos impactos previstos é o provável aumento da tributação do setor de serviços. Dessa forma, a tributação de mercadorias tende a ser reduzida o que permitirá o aumento das vendas. Além disso, facilitará o trânsito de mercadorias no país, pois simplificará a complexa tributação do ICMS nas vendas interestaduais. Com relação à exportação, as propostas mantêm a isenção tributária das exportações, da mesma forma que existe hoje. Mas não há ainda uma solução à vista para os créditos acumulados de ICMS pelos exportadores e o mecanismo de devolução dos novos créditos que deverá fazer parte da discussão no Congresso. É impossível fazer uma reforma tributária que agrade a todos, sempre haverá ganhadores e perdedores, uma vez que o objetivo é de manter a carga tributária total no mesmo nível atual. Mas a ideia geral é que de que todos ganhem no longo prazo, mesmo que alguns setores possam experimentar perdas em um primeiro momento.
É mais do que claro que os estados e municípios temem a reforma tributária por conta do receio da perda de competência fiscalizatória e arrecadatória. Como você analisa a questão?
Em ambas as propostas, os estados e municípios manteriam suas funções fiscalizatórias. No caso da PEC 45/2019, haverá uma coordenação em nível federal do IBS, enquanto o IS será gerido pela União. O IBS será repartido entre União, estados e municípios com base em porcentagens pré-definidas. Na PEC 110/2019, o CBS e o IS serão cobrados pela União e o IBS pelos estados e municípios. Como forma de facilitar a adesão de estados e municípios, haverá um período de transição bastante longo (pode chegar a 20 anos), o que permitirá aos entes federativos se adaptarem. O próprio custo da máquina fiscalizatória poderá ser reduzido.
Os projetos em análise diminuirão efetivamente a carga tributária ou apenas simplificarão o sistema tributário brasileiro? E corremos o risco de haver um aumento dessa carga?
O objetivo não é reduzir nem aumentar a carga tributária em um primeiro momento. A ideia é que o impacto seja neutro. Entendo que a discussão no Congresso será bastante complexa, e certamente haverá muita resistência caso haja aumento da carga tributária. A redução da complexidade dos tributos trará uma economia importante para as empresas, pois será possível reduzir os custos de acompanhar a legislação e suas mudanças, o custo de advogados e especialistas em tributação. As empresas poderão reduzir suas estruturas internas focadas no pagamento dos impostos e das obrigações acessórias.
O atual governo não parece muito favorável ao empresariado brasileiro. Até que ponto essa postura pode atrapalhar a qualidade da reforma tributária?
Veja bem, uma coisa é o discurso, que ainda parece sofrer algum resquício da campanha eleitoral, outra coisa é a realidade de se governar um país. O Executivo não tem o poder de determinar sozinho o destino das reformas e será necessária uma articulação relevante não apenas com o Congresso, mas também com governadores e prefeitos. O Ministério da Fazenda vem mostrando até agora uma boa capacidade de negociação, como pudemos ver nas questões relativas aos combustíveis, onde chegou-se a bom termo tanto na questão da reoneração quanto na questão da compensação da redução da arrecadação do ICMS dos estados. Apesar da complexidade da matéria, mantenho um otimismo cauteloso. Após vários anos de intenções vazias, o assunto da reforma tributária parece ter alcançado algum grau de consenso entre todas as partes envolvidas.
Ainda acerca da pergunta anterior, em função desse viés ideológico, não há o risco de sair uma reforma extremamente protecionista, ou pioraria ainda mais a situação?
Não acredito. Caso a reforma tributária não avance, ficaremos como estamos hoje, neste cipoal de impostos, com alta carga tributária e baixa competividade.
E existe alguma possibilidade de a reforma tributária sair ainda este ano?
É difícil prever, pois o assunto trará perdas a alguns setores que resistirão muito às mudanças. Aparentemente o assunto está mais maduro do que já esteve em situações semelhantes no passado. Um bom exemplo é a reforma da previdência, que passou anos sendo discutida, sem que se chegasse a uma proposta viável. Mas finalmente o tema amadureceu e foi possível aprovar uma reforma bastante razoável. Creio que veremos um percurso semelhante. Caso não seja aprovada este ano, creio que o será no ano que vem.