Acordo que coloca o grupo Ternium no controle acionário no lugar da japonesa Nippon Steel, deverá trazer mudanças significativas na gestão da companhia mineira de aço.

Marcus Frediani

No dia 30 de março o grupo siderúrgico ítalo-argentino Ternium anunciou que acertou um acordo com a Nippon Steel Corporation (NSC) para assumir o grupo de controle da Usiminas, em uma transação que pode encerrar a influência de mais de 60 anos do grupo japonês no comando de uma das maiores produtoras de aços planos do Brasil.

A notícia veio depois de a companhia informar dois anos consecutivos de lucro líquido. Ao encerrar 2022, este bateu nos R$ 2,1 bilhões, o segundo maior da empresa nos últimos 14 anos, só perdendo para os R$ 10,1 bilhões, apurados um ano antes.

Esse fato, bastante eloquente, aparentemente tira do jogo que o motivo de a saída da Nippon Steel da composição acionária da Usiminas tenha sido em função de algo relacionado a um problema de gestão ou de administração da empresa, que, como se vê, ao contrário se mostrou bastante eficiente.

Muito em função disso, naturalmente, a decisão de a NSC vender suas ações pela Ternium – até mesmo por conta da acirrada briga judicial que todos se lembram entre as duas gigantes, iniciada em 2014 e selada com um acordo em 2018 – gerou certa estranheza no mercado, e uma torrente de interpretações paralelas.

Por exemplo, alguns analistas mais incisivos do setor especulam que a razão real da movimentação estaria relacionada ao fato de a operação da empresa mineira ter se tornado pequena para as ambições do grupo japonês, e/ou que este se “cansou” de investir tanto no mercado siderúrgico brasileiro, constantemente atingido por crises econômicas cíclicas, razão do seu crescimento em um ritmo lento.

MUDANÇA DE FOCO
Para atestar essa premissa, a argumentação desses especialistas baseia-se na constatação de que o alvo dos investimentos da Nippon Steel vem efetivamente migrando para o mercado asiático, mais precisamente para a Índia – país no qual, indubitavelmente, o mercado de aço, vem crescendo muito mais rapidamente do que o do Brasil –, onde o grupo está investindo em uma parceria com a ArcelorMittal, semelhante àquela que ambas as empresas mantêm nos Estados Unidos, por meio da operação conjunta de uma laminadora de aço em Calvert, no estado do Alabama.

E tudo isso junto, também inspira nesses analistas outra possível conclusão: a de que, em dois anos, a companhia japonesa de aço deverá sair de cena de vez, deixando a Ternium com 93% do bloco de controle e, praticamente, como controladora única da Usiminas. A cláusula do acordo prevê que a Nippon Steel poderá vender o restante de suas ações na siderúrgica mineira ao grupo ítalo-argentino nesse período, o que, segundo fontes da NSC é uma prática comum no mercado, embora, no momento, não haja nenhuma movimentação ou definição sobre essa participação.

COMO ERA, E COMO VAI FICAR
Independentemente de tais conjecturas, a versão oficial do comunicado do Acordo de Acionistas da Usiminas ao mercado foi bem lacônica e protocolar: ”Considerando o desafiador ambiente de negócios em que a Usiminas está envolvida, NSC e Ternium compartilham o entendimento de que uma liderança mais forte por qualquer dos referidos acionistas se faz necessária para o crescimento ainda maior dos valores corporativos da Usiminas. Nesse sentido, ambas as partes compartilham a percepção e concordam que uma nova estrutura de governança em que a Ternium, por ter uma extensa rede de negócios na América Latina, tenha um papel mais importante beneficiando os interesses de todos os stakeholders da Usiminas. ”

Antes da atual resolução, o grupo de controle da Usiminas envolvia 68,6% das ações ordinárias da empresa divididos entre 31,45% para a NSC, 32,28% para a Ternium e 4,84% para o fundo de previdência Usiminas. Com o novo, a Ternium e suas controladas se propuseram a comprar um total de 68,7 milhões de ações ordinárias da empresa mineira até então detidas pelos japoneses, ao preço de R$ 10 por ação ordinária, perfazendo um total equivalente a R$ 687 milhões.

Após a conclusão do negócio, a participação total da Ternium no grupo de controle da Usiminas passará a ser de 61,3%, enquanto a Nippon Steel terá 31,7% e o fundo de pensão dos empregados da siderúrgica brasileira 7,1%. Por meio do acerto também, a Ternium terá ainda a opção de adquirir as ações remanescentes da Nippon em um intervalo de dois anos. Além disso, a negociação garante à Ternium o direito de indicar a maioria dos membros do Conselho de Administração da Usiminas, além de presidente-executivo e outros quatro membros de sua Diretoria, enquanto a NSC terá direito a indicar o presidente do conselho e diretor de tecnologia e qualidade da Usiminas.

Vale lembrar que a transação ainda está em análise pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), contudo com grandes chances de ser aprovada pelo órgão antitruste, apesar de a Usiminas ter uma participação significativa no mercado brasileiro de aços planos.

MANUTENÇÃO DE INVESTIMENTOS
Fato relevante que também merece atenção na transação diz respeito à questão dos portentosos e atípicos investimentos anunciados pela Usiminas no início de 2023. A projeção era de R$ 3,2 bilhões, dos quais R$ 2,6 bilhões na unidade de siderurgia, R$ 500 milhões em mineração e R$ 100 milhões em transformação.

E, ao que tudo indica, esses aportes deverão ser mantidos, uma vez que pelas métricas de alavancagem e liquidez, a companhia está preparada para realizá-los, notadamente em função da necessidade de ela modernizar seu antigo parque siderúrgico. Em termos de prioridades, a reforma do Alto-Forno 3 de Ipatinga é a principal delas – cuja última atualização aconteceu há cerca de duas décadas –, na qual deverão ser aplicados recursos da ordem de R$ 1,2 bilhão ainda em 2023. Para tanto, a Ternium deverá contar com o apoio técnico da Nippon Steel, que tem grande experiência em reformas de altos-fornos.

Outra decisão significativa que deverá ser tomada em breve será o destino da Mineração Usiminas, braço bastante rentável de negócio de minério de ferro da companhia. A questão aqui é, basicamente, deliberar se vale a pena ou não investir na extensão da vida útil da mina, um projeto bastante complexo e custoso na casa de US$ 1 bilhão, segundo estimativas de alguns especialistas.

FUSÃO NÃO DESCARTADA
Sem dúvida alguma, tal proposição faz todo o sentido para a Ternium, comandada por Paolo Rocca, CEO do Grupo Techint, que assumiu a empresa brasileira em 2012. Com a presente operação, a corporação poderá alçar voos mais altos, e integrar suas operações na América Latina, da Argentina ao México e, eventualmente, chegar aos Estados Unidos.

Em termos de futuro, ainda vale lembrar que o conglomerado também é proprietário da unidade de tubos de aço Tenaris, em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, e da Ternium Brasil, antiga Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), produtora de chapas de aço com sede no Rio de Janeiro criada pela ThyssenKrupp, e adquirida pela Ternium pela bagatela de 1,5 bilhão de euros em setembro de 2017, marcando a saída do grupo industrial alemão do Brasil depois de sete anos de atividades no país. Assim, nada impede que, ao longo dos próximos anos, possa haver uma fusão dela com a Usiminas. Tudo, é claro, vai depender da movimentação e da resposta do mercado.