Cláudio Sahad, presidente do Sindipeças, fala do atual momento da indústria de autopeças no Brasil e no mundo.
Marcus Frediani
A economia brasileira e global passam por mais um momento de incertezas, que têm afetado a performance do setor de autopeças no Brasil, sem dúvida alguma, um dos mais importantes em ambos os cenários.
Em função disso, a revista Siderurgia Brasil foi conversar com Cláudio Sahad, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), para colher impressões e perspectivas. E dessa conversa, surgiu mais esta entrevista exclusiva. Confira!
Siderurgia Brasil: Cláudio, qual foi a ordem do déficit da balança comercial do setor em 2022, e quais as perspectivas de se reverter essa situação em 2023?
Cláudio Sahad: Tivemos um déficit. As importações cresceram explosivamente em 2021 (109%), e continuaram apresentando crescimento em valor, mesmo que em ritmo menor, em 2022. Por causa da base elevada em 2021, para que haja reversão do quadro, as exportações terão que crescer muito mais nos próximos anos. Em decorrência das dificuldades que os cenários internacional e local nos colocam para este ano, estimamos queda das importações (10,7%) e suave aumento das exportações (2,3%). Ainda assim, a previsão é de déficit comercial de US$ 9 bilhões. Ou seja, cerca de 20% menor do que o de 2022, mas não deixa de ser déficit.
Objetivamente, o que é preciso fazer efetivamente para melhorar a competitividade da indústria nacional na cadeia de fornecimento global?
Basicamente, esse quadro reflete condições mundiais, nas quais o Brasil está inserido. De nossa parte, seguimos trabalhando para aumento constante da competitividade do setor, no que depende de nós, exclusivamente, o que chamamos de “da porta para dentro”, com ações de capacitação e de estímulo a nossos associados para participação em feiras e outros eventos internacionais. Além do acompanhamento detalhado de ações governamentais para o aumento da competitividade “da porta para fora” das empresas.
OK! Sem dúvida, a retomada do crescimento nacional do setor passa necessariamente pela evolução dos negócios e da economia internacional. Mas os indicadores e números que nos chegam de fora não estão sendo nada animadores, mesmo com o recentemente anunciado final da pandemia. Os reflexos dela ainda continuam a ser um problema?
A pandemia provocou a desorganização mundial das cadeias de produção e a consequente falta de insumos importantíssimos, como os semicondutores. Ademais, o endividamento dos países e o aumento do ritmo de emissão de moeda causaram crescimento da inflação mundial, com a necessidade de elevação das taxas de juros, o que impactou fortemente para a redução da atividade econômica. No Brasil, neste momento, além da crise de oferta, cujos efeitos ainda estão sendo corrigidos, enfrentamos agora crise de demanda, com o empobrecimento e o endividamento da população.
Um aspecto até curioso relacionado à questão internacional é o de que, de algum tempo para cá os veículos automotores adquiriram feições globalizadas. De alguma forma esse fato veio facilitar o crescimento do setor de autopeças no Brasil, abrindo novas janelas para a exportação?
Em linhas gerais, sim, temos uma oportunidade. Porém, o que falta são condições macroeconômicos que nos coloquem em condições de competir com empresas de outros países. Daí a necessidade premente de reformas estruturais, que melhorem o atual ambiente de negócios para que todos os setores da economia tenham maior competitividade.
Como você avalia o momento atual vivenciado pelo setor de autopeças no Brasil, e quais são as perspectivas do Sindipeças para 2023, em termos de crescimento e segmentação?
Segundo nossas estimativas mais recentes, atualizadas em abril, o faturamento nominal da indústria de autopeças deve crescer cerca de 7% este ano, chegando a US$ 250 bilhões. Desse total, 66,1% são vendas para montadoras; 19,4%, para o segmento da reposição automotiva; 10,1%, exportações; e 4,4%, vendas intrassetoriais.
E em termos de mão de obra empregada? Aliás, a crescente dinâmica ditada pela automação no âmbito da Indústria 4.0 tem preocupado vocês no que tange à empregabilidade?
Quanto ao número de postos de trabalho, estimado em 276 mil, este se mantém praticamente inalterado, em comparação ao registrado em 2022. Com relação à automação, de fato, existem previsões de que possa causar a eliminação de até 30% do trabalho mundial em 2030. Mas é importante ressaltar que a automação de uma determinada função não significa a diminuição de empregos naquela área profissional, uma vez que novas funções surgirão em virtude dos processos automatizados. Em virtude das incertezas que hoje existem em todo o mundo, a indústria brasileira teve um arrefecimento nos investimentos em automação. É evidente que a recente crise econômica deixou todos com receio para fazerem investimentos mais audaciosos no sentido da automação.
Embora com perspectivas otimistas, a evolução do setor automotivo continua a preocupar no Brasil. De que forma isso vem impactando os negócios de vocês?
Os efeitos da queda na produção de veículos afetam diretamente o setor de autopeças. Como informei aí atrás, mais de 65% das vendas totais são destinadas a montadoras. Então, há apreensão no setor. Porém, como demonstramos muitas vezes em crises anteriores, somos resilientes e não seremos gargalo para a produção.
O mercado que vocês atendem no Brasil e no mundo, vem sinalizando possibilidades relacionadas à eletrificação dos veículos. Como você enxerga essa janela de oportunidade para a indústria nacional de autopeças?
Esse é um tema de elevada importância. A eletrificação veicular é a evolução natural da propulsão automotiva, até que cheguemos à célula de combustível. Estamos trabalhando para que nossa indústria esteja inserida nesse movimento irreversível. Mas a velocidade e as características desse processo não serão iguais em todos os lugares, devido a condições de geolocalização e até econômicas. Em nossa opinião, as diversas rotas tecnológicas que visam à descarbonização coexistirão em todo o mundo, sendo aplicadas em maior intensidade em cada região do planeta, conforme os recursos e as vantagens competitivas ali existentes. No caso brasileiro, deve-se considerar que há um parque industrial automotivo, que produz tecnologia limpa (flex), e que temos o etanol, oriundo da cana-de-açúcar, do milho e agora também do agave. Não se pode abandonar o que há de bom e que nos trouxe até aqui. Afinal, o Brasil encontra-se entre os dez maiores mercados no mundo, em produção e vendas. Além disso, temos uma matriz energética invejável para a produção de energia limpa (sol, vento, rios e biocombustíveis). Isso, até mesmo, também é enorme vantagem competitiva quando falamos na produção de hidrogênio verde.
Contudo, a substituição da matriz energética fóssil pela tecnologia em eletrificação dos veículos ainda vai demorar bastante tempo, não é?
Sim. Sabemos que, se considerarmos o percentual de carros elétricos na produção mundial anual, levaremos mais de 40 anos para substituir a atual frota de cerca de 1,5 bilhão. Portanto, os veículos a combustão terão vida longa, principalmente na África, no Mercosul e em alguns países da Ásia. Em virtude da legislação que veda a produção desses veículos na Europa e EUA a partir de 2030/2035 – bem como da estratégia da China pela produção de elétricos –, surge uma enorme oportunidade para que o Brasil se torne um hub produtor e exportador de motores e veículos a combustão (incluindo o flex). Isso aumentará sensivelmente nossos volumes, gerando empregos, impostos e resultados para que as empresas invistam na preparação tecnológica visando uma posição de liderança na produção de veículos com célula de combustível movidos a hidrogênio, que é a última tecnologia em eletrificação.
Qual a projeção atual de investimentos anunciados para o setor no Brasil?
Nossos indicadores são sempre divulgados de forma consolidada. Em 2023, os investimentos das empresas associadas devem ser da ordem de US$ 5,8 bilhões, 13% inferiores ao valor investido no ano passado. Vale ressaltar que as previsões são revistas algumas vezes no ano, para ajustes, se necessário.
Em termos de eventuais facilitadores, como você avalia os estudos encaminhados pelo atual governo de programas com potencial de impulsionar os negócios do setor de autopeças?
O Sindipeças participa ativamente da elaboração de vários programas, tanto com o fornecimento de informações quanto participando diretamente das discussões. A renovação da frota, por exemplo, depende de políticas públicas que ofereçam condições para a substituição de veículos muito velhos por veículos mais novos, como estabelece o programa Renovar, para a linha pesada. O Sindipeças trabalha há décadas nesse tema tão relevante para o País. Além disso, é preciso estabelecer a inspeção técnica veicular e criar condições para que os proprietários de veículos entendam a necessidade dessa ação, até mesmo para a preservação de seu próprio patrimônio, de sua saúde e de sua segurança. Apoiamos o Reintegra, que consideramos importante programa de estímulo às exportações, bem como participamos ativamente da construção e implementação do Rota 2030, uma política industrial para o setor automotivo que visa o aumento da produtividade e competitividade da indústria nacional, com um especial foco em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), também objetivando a melhoria da eficiência energética dos veículos e a redução das emissões.
Como o Sindipeças avalia as atuais propostas da Reforma Tributária?
Acompanhamos em detalhes essa discussão, e entendemos que ela é a “mãe” das reformas para pavimentar o caminho para o crescimento longevo e consistente do país. Torcemos para que a classe política entenda bem a importância dela e a responsabilidade que tem em mãos.
Finalmente, qual o nível de comprometimento e a movimentação existente hoje em dia nesse sentido entre os fabricantes do setor de autopeças no Brasil?
Tanto o Sindipeças quanto seus associados acompanham e participam desse movimento. Bom exemplo é o Fórum de Sustentabilidade do Sindipeças, realizado há 19 anos, antes mesmo de o termo ganhar relevância nas discussões. O evento, realizado anualmente, oferece conhecimento e oportunidade para reflexão sobre desenvolvimento sustentável, sob o ponto de vista tecnológico, legal e gerencial. A organização do fórum é uma das ações da entidade. Mas há outras, como, por exemplo, a organização de palestras de representantes de montadoras e do próprio setor.