Em um cenário empresarial cada vez mais desafiador, o planejamento de gestão ganha importância e uma dimensão nunca vistas.

Marcus Frediani

Vivemos um momento muito especial em termos de mudanças no modo de gerir as empresas. E não são apenas mudanças ditadas pela evolução tecnológica, como também aquelas que nos são adicionadas pelo aumento das cobranças nas esferas ambiental, social e de governança (sim, a “tal ESG”), e ainda as que nos chegam a reboque da necessidade que sempre existiu, mas nunca impulsionada de maneira tão acelerada, de conquistar níveis superlativos de produtividade e competitividade em nossas empresas, o que, não raro, determina quem vai viver ou morrer no mercado.

Para tentar jogar luz sobre esse tema, a revista Siderurgia Brasil foi buscar informações com uma das maiores autoridades da área no Brasil, Moisés Bagagi, executivo na área de planejamento, professor nos MBAs de Gestão, Finanças e Negócios, e Chief Operating Officer da Consultoria Opportunity, empresa especializada em Planejamento Estratégico e Financeiro, Fluxo de Caixa e Gestão e Reengenharia de Processos. Leia e tire bom proveito das reflexões e dicas do consultor!

Siderurgia Brasil: Moisés, dentro da abrangência da ESG, a questão da governança vem ganhando cada vez mais espaço nos ambientes de negócios do Brasil e do mundo. Como você avalia a consolidação dessa tendência como ferramenta de produtividade e competitividade em nosso país?
Moisés Bagagi: Bem, estamos falando de um país polarizado, com uma política progressista, porque, no fundo, as pessoas sabem muito pouco sobre o que é a ESG. Então, acredito que nesse ambiente que estamos vivendo, bem como em função do processo de transformação social que o mundo todo vem passando, focar em gestão em governança vai tornar as empresas cada vez mais modernas, mais competitivas e focadas naquilo que de fato interessa. Claro, nessa história o lucro é fundamental e importante para as empresas. Mas o que tem que ser avaliado é a que custo ele é conquistado. E isso porque, a ESG trata da questão de envolvimento sustentável, em um cenário em que não só as empresas, como também seus clientes e consumidores estão tendo acesso a um número cada vez maior de informações, o que faz com estes elevem também seus níveis de exigência. Então, as organizações que não se alinharem a essas demandas crescentes fatalmente irão ficar para trás, porque é isso que vai gerar competitividade nos novos tempos.

Só que esse não parece ser um consenso geral entre nós, uma vez que muita gente ainda entende a ESG como uma simples questão de marketing, não é mesmo?
O que acontece é que alguns empresários apenas “maquiam” os aspectos de governança que ela propõe, com alguns trabalhando só com a parte do desenvolvimento socioeconômico, outros só com a do desenvolvimento sustentável, e outros ainda apenas com a parte da governança corporativa. Em outras palavras, trabalham esses conceitos de forma separada, e não conjuntamente, o que não é bom. Porém, preciso dizer algo que vai meio na direção contrária do que acabei de afirmar: será que investir em ESG é fundamental para as empresas? E a resposta é… não. Fazer é muito importante, relevante, de bom tom, não só porque vai trazer competividade para elas, e o balanço social de uma empresa, por exemplo, é avaliado pelos investidores. Mas, imprescindível não é. Existem outras circunstâncias que têm que ser consideradas aí.

Como assim?
Então, é aquela velha história. Vamos tomar como exemplo a questão climática no mundo. Todo mundo aí fora anda defendendo a proteção das florestas, isso e aquilo… E a gente diz: “OK! Vamos fazer!” Só que, na prática, a coisa é um pouco diferente. Na primeira crise alimentar que aconteceu na Alemanha, por exemplo, o pessoal de lá autorizou o desmatamento das florestas para plantar. Faltou energia em algum lugar? Põe usina de carvão. Então, é complicado. O que a gente tem que entender que ou todo mundo caminha na mesma direção, ou não vai dar muito certo. Levando isso em consideração, a governança em uma empresa é algo que tem que ser feito a partir de uma postura real e verdadeira de integridade. Ou seja, ela tem que assumir uma posição virtuosa nesse aspecto, que efetivamente vai levar a aplicação dos conceitos da ESG a torná-la mais amigável em relação às pessoas, aos seus fornecedores, aos seus clientes e ao planeta. E isso principalmente em termos de coerência da sua gestão.

Falando em gestão, por que muitos empresários no Brasil ainda hesitam muito em se atualizar e a se adequar ao uso de ferramentas tecnológicas, como aquelas inseridas, por exemplo, no âmbito da transformação digital na indústria?
Tenho uma frase muito simples relacionada a isso, que eu aprendi com um dos meus mentores em gestão: “Não é porque está dando certo até agora, que a gente não precisa mudar.” Se essa máxima fosse verdadeira, em vez de estarmos usando um smartphone, que serve para fazer mil coisas ao mesmo tempo, inclusive fazer uma ligação telefônica, estaríamos escrevendo em papiros até hoje. O Brasil passa por um processo gravíssimo de desindustrialização e de sucateamento de sua indústria desde o final dos anos 1980. Sim, a nossa indústria de base é uma indústria boa. Mas se, no geral, não houver uma indústria que se desenvolve, o que vai acontecer com ele? De que vai adiantar?

Basicamente é o que acontece com o setor siderúrgico brasileiro, notoriamente atualizado, bem estruturado e dotado com recursos de alta tecnologia, mas que ainda convive com problemas de competitividade. Como você enxerga essa questão?
Bem, a indústria do aço no Brasil é uma indústria muito tradicional, que embora tenha esses diferenciais de modernização que você mencionou, repete, em última análise, processos de fabricação da mesma forma como eram feitos, basicamente, lá na Idade do Metal. Dessa forma, para ela aumentar sua competitividade, ela precisa obrigatoriamente ter alta produtividade. Ou seja, não existe competitividade se ela não tiver produtividade. E se ela tiver produtividade, vai ter mais rentabilidade. Esse é o road map, que ela tem que seguir. Muito bem, do meu ponto de vista, para terem produtividade, as indústrias, principalmente as tradicionais como as do setor siderúrgico, precisam investir em três coisas fundamentais.

Quais são elas?
Primeiro, precisam mexer na gestão, para não desperdiçar nada – nem capital fixo, nem maquinário, nem matéria-prima e nem mão de obra –, e investir constantemente em melhoria, o que envolve o sistema de gestão da qualidade, e vai ao encontro do que é a governança e a ESG. A segunda coisa, para que a empresa seja produtiva, e consiga ter alta competitividade traduzida em rentabilidade, ela precisa investir em capacitação interna. “Ah, mas o mercado não está capacitando.” Não interessa. Capacite você, porque logo mais à frente, a conta começa a fechar. Por quê? Bem, é muito simples,: quando você investe em capacitação, você reduz perdas, reduz o retrabalho, aumenta a capacidade que o funcionário tem de melhorar a sua aplicação no trabalho, e, com tudo isso, obtém mais qualidade. E a terceira coisa, é buscar investimentos em tecnologia e gamas de produtos que tenham maior valor agregado, para atender às indústrias mais complexas. Em síntese, mesmo as empresas tradicionais como a siderúrgica têm que buscar alternativas para, em vez de vender simplesmente aço bruto, tentar entregar um produto com maior valor agregado aos seus clientes, gerando aí a competitividade. Então, isso é tão importante quanto investir apenas em modernidade, em evolução tecnológica e, ainda, em maquinários melhores.

Você mencionou a capacitação profissional como foco de suma importância nesse processo de evolução. Porém, com receio de um eventual colapso social ocasionado pela perda de postos de trabalho com tendência crescente da automação e da robotização, muito além da esfera eminentemente sindical, essa questão parece que ainda vem preocupando muita gente, confere?
Isso, em particular, deriva de uma inquietante constatação. No Brasil, ainda se investe muito, muito pouco em capacitação profissional, assim como se investe muito pouco em planejamento financeiro e em planejamento operacional. E acontecendo isso, a gente fica sucateado. Some-se a isso o fato de que por aqui, desde sempre, temos um problema sistêmico que envolve as questões tributária, fiscal e de insegurança jurídica e política, atreladas ao “Custo Brasil”. E com essa desindustrialização em estágio muito grave, nossa indústria acaba não mirando na complexidade e/ou em produtos de valor agregado. Então, como a gente vai crescer com esse imbróglio? Assim, a única saída é a gente pensar e buscar modernização em todos os sentidos. E aí, com tanto problema a ser resolvido, as pessoas e gestores estão preocupados com a perda de empregos que, fatalmente, irá acontecer com o processo natural de modernização e evolução tecnológica? Bem, se o pastor de ovelhas estivesse preocupado porque perdeu seu emprego, será que ele não teria mudado do campo para a cidade? Não acredito nisso. Então, os postos de trabalho perdidos acabarão sendo substituídos à medida que formos investindo em modernidade e em educação para nos adequarmos aos novos tempos, porque tudo que é disruptivo, que muda, tem modernidade, tecnologia e agrega valor para a sociedade que vai exigir o cumprimento dessa mutação natural.

Em outras palavras, o “remédio” para reativarmos o potencial da nossa indústria terá que trilhar obrigatoriamente esse caminho.
Exatamente. Para recuperamos a nossa indústria – principalmente de base – e para a gente crescer como país, é fundamental continuar investindo forte em tecnologia. Claro, vamos passar por momentos de ajustes em nossa taxa de desemprego. Mas as pessoas que temporariamente ficarem fora do mercado de trabalho deverão ser treinadas para agregar valor com seus serviços com o uso da inteligência humana, deixando os trabalhos repetitivos e mais brutos para as máquinas.

Falando agora especificamente de planejamento estratégico e finanças, qual a sua opinião sobre o que tem sido feito pelas empresas atualmente no Brasil?
Vamos lá! O planejamento no Brasil via de regra é muito ruim. Sou especialista em planejamento e finanças, e quando olho o que acontece com as empresas multinacionais, vejo que elas gastam muitas horas no planejamento. E, no Brasil, a gente gasta muito pouco. Isso, naturalmente é complicado, porque quem planeja rotas, tem uma chance muito maior de ter sucesso, e consegue enxergar para aonde está indo. Assim, por aqui, nossa linha de planejamento é muito fraca, e as empresas anda pecam muito nisso. Aliás, muitas não conseguem chegar aos cinco anos de vida por falta de planejamento adequado ao mercado em que elas atuam, quer seja ele financeiro, estratégico ou operacional. Assim, os empresários precisam dedicar seu tempo e se debruçar seriamente sobre esse tema, a fim de encontrar soluções para reduzir ou mesmo eliminar tais níveis de ineficiência. Daí, aliás, vem também a importância e o papel fundamental do “olhar outsider” para esses problemas de maneira eficaz e, em muitos casos, definitiva.