Especialistas apontam temas para a revisão do texto da Reforma Tributária no Senado Federal, a fim de tentar minimizar os impactos negativos dela sobre a economia brasileira.
Marcus Frediani
Parece que agora vai! Mas, talvez, só pareça. Bola da vez nas discussões de dez entre dez juristas e analistas econômicos, a Reforma Tributária tramita agora no Senado, após um período de análise na Câmara Federal, que acabou por aceitar algumas modificações no texto original para acelerar seu envio à Câmara Alta do Congresso Nacional.
Em síntese, isso se deu sob a forma de um “OK!” dado pelos deputados a uma lista de exceções dentro de uma agenda aglutinativa, que uniu emendas à proposição principal, acrescentando, por exemplo, até a possibilidade de os estados criarem um novo tributo para produtos primários, como é o caso do petróleo, do minério de ferro, do gás e da energia.
Só que, na interpretação de alguns especialistas, esses “jabutis de última hora” incluídos na RT tendem a gerar mais calor do que luz, porque esse novo tributo iria de encontro ao objetivo precípuo da simplificação, unificação e uniformização de impostos dos tributos, além de maior flexibilidade na gestão orçamentária que ela propõe, como é o caso do modelo do IVA Dual proposto na PEC 045/19. No nível das obviedades, eles ainda pautam o fato de que, quanto maior o conjunto de setores beneficiados por alíquotas diferenciadas ou regimes especiais, mais elevada terá que ser a alíquota-padrão para os demais bens e serviços.
EM BUSCA DE DEFINIÇÕES
Além desse, outros pontos controversos da reforma se alinham para causar preocupação e impacto na atividade econômica brasileira. E como o texto tem que passar pelo Senado, isso promete um debate acalorado, que pode frustrar a expectativa do calendário do Congresso Nacional de aprovação da Reforma Tributária até outubro deste ano, fazendo a coisa toda rolar, na melhor das hipóteses, para o início de 2024.
É o caso, por exemplo, da criação da Contribuição sobre Bens e Serviços e do Imposto sobre Bens e Serviços (CBS), que traz consigo alterações significativas na forma de cobrança e exigência de outros tributos, como IPTU, IPVA e ITCMD, que tem potencial, entre outras coisas para gerar um sensível aumento da alíquota única padrão do novo Imposto sobre Operações com Bens e Serviços, o IBS.
“Outro tópico ainda que precisa ser amplamente debatido na Casa Alta do Senado, é a definição das isenções e das alíquotas zero, que necessitam maior esclarecimento sobre quais produtos e serviços se tornarão efetivamente isentos, e quais serão enquadrados nela. Além disso, a definição do escopo do Imposto Seletivo, que substituirá o IPI, necessita de séria análise sobre a ampliação da base de tributação”, opina o mestre de Direito Tributária Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur, especializado em Direito Empresarial.
Preocupação adicional levantada por especialistas, como Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados, especialista em Direito Tributário e Gestão Tributária, está relacionada à inclusão de regimes tributários de exceção para mais setores de serviços. Kátia diz que profissões regulamentadas, buscam manter um regime de exceção no recolhimento de ISS, sob o argumento que a reforma tributária pode resultar em um aumento significativo da carga tributária para esses profissionais. “A OAB, por exemplo, já está se mobilizando para que seja mantido regime de exceção para os serviços advocatícios, que hoje recolhem ISS mais benéfico por se tratar de profissão regulamentada”, exemplifica.
FALTA DEBATE
Destaque ainda para a resolução do imbróglio é a falta de debates prévios sobre diversos artigos presentes no Substitutivo da PEC 45ª, entre as quais se destaca o Artigo 20, que possibilita que estados instituam contribuições sobre produtos semielaborados, algo não discutido anteriormente, medida que contradiz um dos princípios fundamentais da reforma, que é a redução da carga tributária.
E outro ponto que exige revisão é também o da não cumulatividade plena. “Entendo que o Senado Federal deve retirar o artigo que define que isenção e imunidade não dão direito a crédito, e que se deve anular os créditos das operações anteriores, sistemática muito parecida com o atual ICMS”, argumenta André Felix Ricotta de Oliveira, professor doutor em Direito Tributário, sócio da Félix Ricotta Advogados. Acerca disso, o mestre ainda acrescenta que o Senado também precisa deixar claro que a Substituição Tributária para frente não pode ser aplicada no IBS e na CBS, citando o parágrafo 7º do Artigo 150, da Constituição Federal, que efetivamente dá fundamento para ST para frente, ainda vai continuar presente no sistema tributário, apesar da RT.
“E na questão dos ativos imobilizados ou bens de capitais, está proposto um tratamento que vai diminuir o impacto na aquisição. “Porém, se a não cumulatividade é plena, ao se adquirir um bem para o ativo imobilizado ou um bem de capital, deveria haver direito ao crédito total, e não apenas a uma parte dele, o que, por si só, já diminuiria o impacto tributário”, acentua Oliveira. Ainda com relação ao crédito, outra questão importante está atrelada ao Simples Nacional, porque ao se contratar uma empresa optante por esse sistema tributário, o crédito será referente ao percentual que a empresa recolhe mensalmente, o qual é muito baixo. “Assim, para que haja uma efetiva não cumulatividade plena, deveria haver o direito total ao crédito daquela nota fiscal, não apenas ao percentual que a empresa do Simples recolhe aos cofres públicos”, conclui o especialista.
IMPLICAÇÕES NOS MUNICÍPIOS
Já Daniel Moreti, sócio do Fonseca Moreti Advogados, doutor e mestre em Direito Tributário, além de ser Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP), chama a atenção para outro ponto que vem sendo destacado por diversos tributaristas nos últimos dias: a maneira como essa reforma afeta o desenho federativo.
“É preocupante observar que essa reforma traz consigo uma mudança significativa no desenho da Federação. A criação do conselho federativo, um órgão político não eleito pelo povo, levanta questões sobre a representatividade e a legitimidade das decisões que serão tomadas em relação aos novos tributos”, pontua ele.
E o advogado ressalta que além disso, o Conselho suprime diversas competências que atualmente são atribuídas ao Senado Federal, estados e municípios, resultando em uma redução do poder de autonomia dessas entidades. “Essa mudança no desenho federativo merece atenção e análise cuidadosa, uma vez que pode impactar a dinâmica política e fiscal do país”, sublinha Moreti.
Tal questão, aliás, já vem gerando reações, como um documento elaborado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), no qual a entidade apresentou sugestões que precisam ser realizadas no texto que agora tramita no Senado Federal, entre as quais emendas com ajustes da divisão da receita do futuro IBS, imposto que, pela proposta, englobará o ISS (municipal) e o ICMS (estadual).
“Conseguimos a mudança da cobrança do imposto para o destino, que é onde de fato ocorre o consumo. Isso vai acabar com arrecadações extraordinárias em paraísos fiscais e beneficiará toda a população. Seguimos atuantes por princípios fundamentais, que é não ter perda para os Municípios e aumentar a autonomia local. Não há segurança ou garantia de nada ainda, precisamos nos unir e atuar para que a gente consiga aprovar uma reforma mais justa possível”, avalia o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
BENEFÍCIOS PARA TODOS
Enfim, para os especialistas, com esses pontos de discussão e a necessidade de maior transparência e debate público, espera-se que o Senado Federal promova uma análise cuidadosa e sensível do texto da reforma tributária, garantindo sua efetividade e benefícios para a sociedade como um todo.
Assim, diante desse cenário, independentemente do tempo que levarem as discussões, o consenso é de que caberá aos senadores, além da revisão desses temas, fazerem também o que os deputados não fizeram, ou seja, debater a Reforma Tributária com a sociedade, a partir de alterações e de uma análise cuidadosa e sensível do texto, para garantir sua efetividade e os benefícios para todos os seus agentes, a fim de reduzir os impactos da Reforma Tributária sobre eles.
“Sem dúvida alguma, a RT, ora em discussão, traz consigo uma série de aspectos relevantes para a economia do país, incluindo a não cumulatividade, a transparência tributária e o princípio do destino. No entanto, é necessário um exame mais aprofundado e cuidadoso do texto no Senado, a fim de realizar modificações que se mostrarem necessárias”, finaliza Eduardo Natal, do escritório Natal & Manssur.