Instituto Aço Brasil manifesta suas preocupações considerando a relação entre o consumo de aço e do PIB e o comportamento da economia e do mercado. Mas também alinha boas perspectivas, principalmente com a aprovação da Reforma Tributária.
Marcus Frediani
Os números do fechamento do mercado siderúrgico brasileiro no 1º Semestre de 2023 inspiraram preocupação. A “cereja do bolo” foi o resultado registrado pelo consumo aparente do aço em julho nas estatísticas do Instituto Aço Brasil, que embora tenha apontado uma elevação de 1,4% em julho, frente ao mês anterior, atingindo um total de 2,0 milhões de toneladas, se deu, contudo, exclusivamente em função do aumento de 26,1% nas importações – 481 mil toneladas no mês – das quais 271 mil toneladas apenas da China. E isso, considerando a existência de excesso de capacidade de 564 milhões de toneladas de aço no mundo, naturalmente, agravou o sentimento da entidade no que diz respeito às práticas predatórias de mercado, à continuidade da escalada protecionista e, claro, àquela dos desvios de comércio.
Tendo isso como pano de fundo, a revista Siderurgia Brasil foi ouvir o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, que detalhou os aspectos desafiadores relacionados a esse cenário, mas também falou sobre as oportunidades para a indústria do aço brasileira nos processos da reordenação das cadeias globais, na recuperação da competitividade sistêmica, na atração e retenção de talentos e na transição energética e descarbonização, entre outros temas relevantes para o setor que serão tratados no Congresso Aço Brasil 2023, que acontece no final do mês de setembro, em São Paulo. Confira, então, o que ele nos disse em mais esta entrevista exclusiva.
Siderurgia Brasil: A queda no consumo aparente do aço no Brasil é bastante preocupante, e já levou o Instituto Aço Brasil a revisar para baixo as projeções para 2023. Quais são as circunstâncias agravantes que vem proporcionando esse resultado?
Marco Polo de Mello Lopes: Em abril, quando fizemos a primeira revisão da previsão para o ano, manifestamos nossas preocupações, considerando a relação entre o consumo de aço e PIB e o comportamento da economia e do mercado. Passados três meses, essas preocupações foram ratificadas. Fechamos o semestre com forte queda na produção e nas vendas, o que levou a nova previsão, com uma redução de 6% nas vendas para 2023. O consumo aparente não sofreu uma queda maior em virtude do impacto das importações. Estamos com um dos piores níveis de uso da capacidade instalada desde a pandemia, de 60,4%.
Que setores atendidos pelos produtores nacionais de aço mais influenciaram nesse resultado, e quais os motivos?
Infelizmente, foram aqueles que respondem pela maior parte do nosso consumo (84%), que são a construção civil, o automotivo e o de bens de capital. Como a indústria do aço, esses setores dependem fundamentalmente do desempenho e das expectativas da economia como um todo. A manutenção dos juros em patamares elevados, fruto da política monetária de combate à inflação, tem impacto importante nos segmentos que dependem de crédito.
Simultaneamente, no mesmo período, registrou-se um aumento substancial das importações de aço, notadamente daquele vindo da China, o que também levou vocês a estimarem uma redução na produção nacional da liga em 2023. O que motivou essa “invasão”?
O mundo possui hoje um excedente gigantesco de excesso de capacidade, da ordem de 564 milhões de toneladas, o que leva a práticas predatórias de mercado e à escalada protecionista. Desse total, 190 milhões estão localizados na China, que é o país alvo do maior número de medidas de defesa comercial. Em julho, as importações de produtos siderúrgicos no Brasil cresceram 78,5% em relação a julho de 2022, para 481 mil toneladas. Desse total, 271 mil toneladas vieram da China. Em 2000, a China participava com apenas 12 mil toneladas por ano, ou 1,4% do total de aço importado pelo Brasil. Em 2022, essa participação foi de 53,4%, ou 1,8 milhão de toneladas.
A eventual demanda dos clientes das usinas por alguns tipos de aços especiais cuja produção nacional não consegue oferecer em quantidades satisfatórias – eventualmente por falta de investimento na produção deles – influenciou nesse resultado?
Não. A indústria brasileira do aço investe anualmente uma média de US$ 2,5 bilhões. Assim, as usinas brasileiras estão plenamente capacitadas a oferecer em quantidade e qualidade todas as gamas de produtos.
Ainda acerca disso, como se comportaram os preços do aço brasileiro ao longo do 1º Semestre de 2023? Houve aumentos excessivos na visão dos clientes?
O Instituto Aço Brasil não avalia nem monitora preços e, por isso, não comenta a respeito.
Aparentemente, o governo atual tem um viés protecionista da indústria nacional, o que pode trazer resultados positivos para o setor e, ainda, derivar, por exemplo, para o atendimento de algumas de suas reivindicações proeminentes, tais como a retomada da alíquota de 3% do Reintegra, bem como para a recomposição da TEC, aplicada sobre os países integrantes do Mercosul. Como vocês analisam essa questão, particularmente levando em consideração o que está acontecendo no Mercosul?
A nosso ver, não se trata de “um viés protecionista”, mas, sim, da visão da importância do papel da indústria para o crescimento do país. Tanto o Reintegra quanto a recomposição da TEC são temas de interesse de toda a indústria nacional, e não só do setor do aço. O Reintegra de 3% nada mais é do que a devolução de parte dos resíduos tributários que existem nas nossas importações, fruto da cumulatividade dos impostos que há em nosso sistema tributário atual. A recomposição da TEC e a reconsideração das reduções que foram feitas nas alíquotas de importação, sem que houvesse a devida correção das assimetrias competitivas causadas pelo “Custo Brasil”. No caso do Mercosul, verifica-se uma “perfuração” da TEC de 10% por parte da Argentina, em razão de esse país não ter internalizado a Resolução Mercosul No 08, de 20/07/22, que reduziu a alíquota para todos os países do bloco.
De alguma forma, a continuidade e a falta de soluções para os problemas atuais estão inibindo a disposição da siderurgia nacional no sentido de investir, notadamente em novos projetos de aperfeiçoamento tecnológico e de expansão?
Não. A indústria nacional do aço mantém seu horizonte de investimento para os próximos cinco anos, da ordem de US$ 12 bilhões de dólares.
Como vocês avaliam a qualidade da recentemente aprovada Reforma Tributária? Que possíveis benefícios ela poderá aportar para o setor siderúrgico brasileiro? Existiria algum ajuste no texto que pudesse ser realizado nesse sentido, inclusive para tirá-lo do elevado grau de ociosidade que ele apresenta atualmente?
O principal mérito da Reforma Tributária é eliminar a cumulatividade dos impostos com a criação do IBS e da CBS, assim como estabelecer maior equilíbrio na carga tributária intersetorial. Ainda que algum setor que hoje pague menor carga fique com carga maior, o ganho sistêmico proporcionado pela eliminação da cumulatividade de impostos que a Reforma Tributária irá acarretar trará ganhos para todos os setores econômicos.
Qual é a perspectiva numérica acerca disso no médio e longo prazos?
Estima-se que, em 15 anos, a Reforma Tributária vá adicionar R$ 1,2 trilhão à economia, um incremento de 12% do PIB no período, sendo que a indústria deverá ter um incremento de 16,6%. Já o setor agropecuário deverá registrar um ganho de 10,6%, enquanto o de serviços 10,1%.
E algum possível revés?
Existe uma preocupação com o chamado Artigo 19 da Proposta de Emenda Constitucional, que faculta aos estados a criação de contribuições sobre produtos primários e semielaborados produzidos nos respectivos territórios, sob a justificativa de investimentos em infraestrutura e habitação, em substituição a contribuições de fundos estaduais. Os diversos setores potencialmente afetados estão debruçados sobre o assunto para entender e rediscutir melhor a proposta.
Alguns aspectos relacionados ao futuro da economia brasileira, tais como a redução da inflação, a continuidade, embora restrita, da queda dos juros e a valorização do Real têm sido considerados por muitos economistas e analistas de mercado como bastante positivos. Como vocês avaliam esse cenário de perspectivas relativamente auspiciosas, e de que maneira, caso se concretizem essas “mudanças para melhor” poderá também influenciar os resultados do setor siderúrgico brasileiro daqui para a frente?
A aprovação da Reforma Tributária é o mais importante movimento para redução das assimetrias competitivas. É o principal item da agenda de recuperação da competitividade sistêmica da indústria, no curto prazo, e, também o instrumento para que se retome o caminho do crescimento sustentado. Caso isso ocorra, a indústria brasileira ganhará maior dinamismo e maior capacidade de competir com as importações e com seus concorrentes no mercado internacional. O avanço da reforma, mais do que uma sinalização positiva capaz de trazer confiança aos agentes econômicos, é um pilar necessário para a construção de um ambiente de negócios efetivamente mais competitivo para todos os setores produtivos. Por outro lado, a queda dos juros é importante porque o Brasil precisa destravar o crédito. E isso fica muito evidente em todos os setores em que atuamos, especialmente nas indústrias de bens duráveis e da construção civil.
Não só no âmbito econômico, como também no da sustentabilidade, sabemos que as iniciativas para fortalecer a reciclagem do aço são fundamentais para o Brasil dentro de um contexto da proposta de descarbonização. Porém, mesmo que sujeito a práticas e oscilações de preços que fazem parte da lógica do mercado, o aumento no nível de exportações por parte do segmento sucateiro no Brasil, que aponta para uma forte redução no nível de preço da tonelada de sucata, é preocupante e contraditório a esse direcionamento. Então, qual seria a melhor forma de equacionar essa questão?
A sucata é um insumo importante para a indústria do aço. Porém, as oscilações nos volumes de exportações e preços de sucata são inerentes ao mercado. O que ocorre no Brasil é que os níveis de geração e de captação de sucata são muito baixos. Existe em andamento no país o Programa Renovar (Renovação de Frota), que pode ser ampliado e oportunidades de descomissionamento de plataformas de petróleo e de navios inservíveis que devem ser estimulados para aumentar a oferta de sucata. Nesse sentido, o Instituto Aço Brasil tem mantido produtivas conversas com o Instituto Nacional da Reciclagem (INESFA), entidade que reúne os recicladores, em busca de soluções que convirjam os interesses dos dois segmentos.
Finalmente, falando agora do Congresso Aço Brasil 2023, que será realizado no final de setembro, quais são as expectativas de vocês em relação ao evento, notadamente no que diz respeito à contribuição que os debates e discussões de temas que nele serão realizados certamente irá proporcionar?
Em sua 33ª edição, nosso Congresso vai abordar os desafios e oportunidades para a indústria do aço brasileira nos processos da reordenação das cadeias globais, na recuperação da competitividade sistêmica, na atração e retenção de talentos e na transição energética e descarbonização, entre outros temas relevantes para o setor. Na ocasião, também celebraremos os 60 anos de fundação do Instituto Aço Brasil. Esperamos cerca de 500 participantes presenciais, para acompanhar os debates de alto nível promovidos por palestrantes nacionais e internacionais, bem como lideranças da indústria do aço. Aliás, já no final de agosto, o número das inscrições presenciais para o Congresso se esgotou, ao mesmo tempo em que o número de inscrições para a participação online vinha crescendo de maneira impressionante. E tais fatos atestam, sem dúvida alguma, o grande interesse e as excelentes expectativas do público, comprovando também que o Congresso Aço Brasil é o mais importante evento da cadeia do aço no país. Assim, agradecemos a todos pelo interesse, e, de antemão, já deixamos o convite para o Congresso Aço Brasil 2024 + a ExpoAço 2024, que acontecerão entre os dias 5 e 7 de agosto do ano que vem, no Transamérica Expo Center, em São Paulo.