Alejandro Wagner, diretor executivo da ALACERO, comenta os principais temas da atualidade do setor do aço nessa importante e estratégica região do planeta.
Marcus Frediani
Enquanto no Brasil, os números gerais da siderurgia nacional divulgados no balanço do Instituto Aço Brasil relacionados à dinâmica de 2023 não se mostraram muito animadores, muito em função da continuidade, em ritmo forte, da entrada do aço chinês no país, somada também a uma possível redução das exportações do aço brasileiro, com provável impacto continuado também para as projeções iniciais para 2024, a Associação Latino-Americana do Aço (ALACERO) divulgou um balanço relativamente mais otimista do setor na América Latina.
Nesta nova entrevista exclusiva à revista Siderurgia Brasil, Alejandro Wagner, diretor executivo da entidade, comenta em detalhes esse resultado, e fala sobre outros temas atuais ligados ao presente e ao futuro do setor no continente. Acompanhe!
Siderurgia Brasil: Alejandro, em que pese o quadro de dificuldades enfrentado atualmente pela indústria siderúrgica na América Latina, a ALACERO divulgou um balanço relativamente otimista revelando um aumento considerável na produção de aços laminados durante o mês de janeiro, em comparação com dezembro de 2023. Luzes no fim do túnel?
Alejandro Wagner: Para 2024, há perspectivas promissoras que podem impulsionar o consumo interno de aço na América Latina. Os setores consumidores de aço na região melhoraram seu desempenho no início do ano. A construção aumentou seu ritmo de expansão em janeiro, mostrando progresso de dois dígitos no primeiro mês do ano. Por sua vez, a atividade industrial retomou a trajetória de progresso após a marca vermelha registrada em dezembro de 2023, impulsionada pela recuperação da produção automotiva, pela aceleração de Eletrodomésticos e pela menor contração de Máquinas e Equipamentos. Além disso, a atividade na Construção Civil também apresentou um sólido avanço no último mês de janeiro, com um crescimento de 10,4% em relação ao ano anterior, destacando-se o México (+17,9%) e o Peru (+13,2%), enquanto Colômbia, Chile e Argentina continuaram a mostrar tendências negativas.
E na indústria?
A produção manufatureira aumentou 1,2% em janeiro de 2024, liderada pelo Chile, Brasil e México, enquanto Colômbia, Peru e Argentina reduziram suas taxas de queda interanual. Todos os segmentos industriais mostraram melhorias, com destaque para a produção automotiva, que mais que dobrou seu ritmo de avanço em fevereiro de 2024, impulsionada por Brasil e México, enquanto Argentina registrou uma contração mais acentuada. A produção de itens domésticos também teve um aumento em janeiro de 2024, liderada por Brasil, Chile e Colômbia, apesar das quedas em Argentina, Peru e México. A produção de maquinaria, embora tenha contraído, registrou uma desaceleração em janeiro de 2024, com Chile e Colômbia contrabalançando as quedas em outros países.
E como anda o nível de confiança empresarial dos operadores na região?
Embora a ALACERO não tenha um índice específico de confiança empresarial, o Índice de Gerentes de Compras da Manufatura (PMI Manufacturing) é uma métrica importante que monitoramos para avaliar a confiança do setor manufatureiro. Embora não haja ainda dados específicos relacionados ao aumento do nível de confiança dos operadores para o primeiro trimestre de 2024, indicadores de fechamento de 2023 e expectativas para 2024 sugerem um otimismo cauteloso em relação à recuperação do setor siderúrgico na América Latina. Enquanto isso, o PMI do setor manufatureiro global encerrou o 4º Trimestre de 2023 em contração, registrando 47 pontos, sendo que a expansão é considerada a partir dos 50 pontos. Esse trimestre marcou uma tendência de queda contínua desde o 4º Trimestre de 2021, apesar de uma ligeira aceleração em algumas economias emergentes. No entanto, mesmo com essa aceleração, a indústria permanece em contração, indicada pela variação de 47,1 para 47 no índice PMI do terceiro para o quarto trimestre, evidenciando uma queda de 0,1 ponto. Por sua vez, no cenário das economias emergentes, México e Colômbia mostraram alguma aceleração, embora ainda permaneçam ligeiramente abaixo da zona de expansão, com índices de PMI de 52,2 e 49,8, respectivamente. Entretanto, o Brasil registrou uma desaceleração, com seu índice caindo de 49 para 48,8 no mesmo período. Na China, o PMI se manteve estável em 50,3, refletindo políticas internas para estimular a demanda, mesmo com o mercado imobiliário chinês apresentando sinais de desaceleração, impactando negativamente a produção industrial.
A recente decisão tomada pelo Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão vinculado ao MDIC, estabelecendo novas regras para a importação de aços no Brasil parece ter injetado novos ânimos no setor siderúrgico nacional. Como você analisa essa perspectiva no âmbito da América Latina?
Sem dúvida na ALACERO recebemos essa decisão com otimismo. Consideramos esse um marco importante para a indústria brasileira, representando um esforço para defender o aço local em um período crítico. Estamos atravessando um momento desafiador e sem precedente na história da nossa região, e é essencial que trabalhemos juntos para enfrentar esses desafíos, a fim de promover um ambiente mais justo e equilibrado para a indústria do aço nos principais países da América Latina. E confiamos que os casos do Brasil e do México sirvam de exemplo para outros países como Argentina, Chile ou Colômbia, no sentido de que passem a adotar medidas que já foram implementadas há anos nos EUA e na União Europeia.
Sabemos que a ALACERO vem desempenhando um forte trabalho de sensibilização dos governos regionais, a fim de atender ao pleito das siderúrgicas da América Latina para a adoção de medidas de proteção contra a invasão do aço importado. Em que pé se encontram esses diálogos atualmente?
A ALACERO está fortemente empenhada nesse sentido, especialmente no que diz respeito ao aço proveniente da China. Atualmente, os diálogos com os governos regionais estão em curso, porém, ainda não há uma definição clara sobre as medidas mais eficazes para a indústria siderúrgica da região. Isso se deve às diversas particularidades de cada país, incluindo assimetrias competitivas, oportunidades de investimento em infraestrutura e realidades distintas em termos de gestão econômica e abertura de mercado.
Mas os órgãos internacionais continuam pressionando a China nesse sentido?
Sim, mas os resultados desses esforços ainda são incertos. Embora tenham sido relatados impactos nas exportações de minério devido a essas pressões, a dinâmica geral da redução das exportações de aço chinês ainda não está clara. Em 2023, as importações de aço chinês na América Latina aumentaram em 45%, alcançando um recorde histórico, representando uma ameaça clara e direta para a indústria siderúrgica regional. Diante desse cenário desafiador, é imperativo buscar soluções de curto prazo para defender o desenvolvimento industrial e proteger as oportunidades de trabalho na região. Convidamos a todos a assistir ao vídeo explicativo que produzimos sobre o fenômeno do dumping, e as possíveis estratégias para enfrentar essa questão e promover um ambiente mais justo e equilibrado para a indústria do aço em nossa região, clicando em: https://www.youtube.com/watch?v=-gTGd_gO5cc&t=22s.
Falando da programação de novos investimentos da indústria siderúrgica da América Latina, estes continuam caminhando, ou aguardando melhores definições?
Devido às incertezas do mercado, os novos investimentos na indústria siderúrgica da América Latina podem estar em compasso de espera. Essa hesitação pode resultar na redução da produção e das vendas, além do aumento da ociosidade e da perda de competitividade na região. Como a cadeia de valor do aço desempenha um papel crucial na economia de diversos seguimentos, é fundamental destacar a importância do nosso setor e a necessidade contínua de investimentos para manter nossa competitividade e atender às exigências tecnológicas e sustentáveis do mercado.
Em uma das nossas últimas conversas aqui na revista Siderurgia Brasil, você manifestou certa preocupação quanto à criação do Carbon Border Adjustment Mechanism, o CBAM, instituído pela União Europeia, notadamente no que diz respeito à inclusão de mais custos, mais impostos e mais burocracia na equação de competitividade do aço latino-americano a ser exportado ao “Velho Continente”. Na ocasião, você nos revelou que estava mantendo reuniões com o pessoal de lá, no sentido de buscar algo como uma possível flexibilização, principalmente de prazos. Houve algum avanço significativo nessas conversas e negociações?
As negociações em torno do CBAM continuam em andamento, mas ainda não houve avanços significativos para resolver as preocupações da indústria siderúrgica da América Latina. Um dos importantes pontos que temos observado, é a possibilidade de que tais restrições tributárias resultem em desvios de comercio, de produtos que iriam para o “velho continente” e que poderão ser direcionados para a América Latina. Há pouco tempo, foi aberta uma importante consulta pública no Reino Unido sobre o CBAM, com prazo de resposta até 13 de junho de 2024. O Reino Unido planeja implementar seu CBAM em janeiro de 2027, focando em produtos intensivos em energia de setores como ferro e aço, alumínio, cimento, cerâmica, fertilizantes, vidro e hidrogênio. Esta consulta visa coletar comentários sobre o design e a administração propostos do CBAM no Reino Unido, convidando entidades e empresas estrangeiras a participar das suas discussões. Do nosso lado, temos estado profundamente envolvidos em projetos de descarbonização do setor, mas enfrentamos desafios para avançar rapidamente, considerando o alto investimento necessário e as realidades sociais da nossa região. Portanto, é importante que a ALACERO e outras organizações continuem a se posicionar e buscar flexibilizações nesse mecanismo para evitar impactos negativos na competitividade do aço latino-americano.