O aumento da demanda do aço pelo mundo passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico dos países da União Europeia e dos Estados Unidos. E a queda mais acentuada da inflação no planeta também é alvo de atenção.
HENRIQUE PATRIA
A Worldsteel Association (Worldsteel), com sede em Bruxelas na Bélgica, se constitui como uma das principais associações industriais do mundo, uma vez que representa produtores de aço, associações nacionais e regionais da indústria siderúrgica e institutos de pesquisa do setor distribuídos por todo o planeta. E tal representatividade alcança níveis expressivos, orbitando cerca de 85% de toda a produção global do produto.
Dona dessas credenciais altamente qualificadas, a entidade acaba de divulgar um estudo denominado Short Range Outlook (SRO), no qual expõe suas expectativas de demanda do aço para o período de 2024 e 2025, alertando, entretanto, que o trabalho representa uma posição atual. E isso é evidente, porque, com tantas mudanças acontecendo no cenário internacional – e, sobretudo, em pequenos espaços de tempo – tais previsões estão sujeitas a riscos e incertezas, que podem fazer com que os resultados reais delas sejam diferentes. Direto no assunto, os números do levantamento indicam que a demanda mundial deverá observar recuperação de 1,7% em 2024, atingindo 1.793 Mt, enquanto que, para 2025, deverá crescer outros 1,2%, batendo na cifra de 1.815 Mt.
No momento atual, notório é o fato de que as economias mundiais ainda estão se readaptando à nova realidade, e buscando voltar aos eixos após o baque da COVID-19, que, em seu extenso período, praticamente as desmontou. E, ato contínuo, não se pode desconsiderar também os impactos negativos exercidos sobre elas por outros quadros de circunstâncias, especialmente a eclosão do conflito entre a Ucrânia e a Rússia, ambos grandes produtores de aço, e, ainda, o crescimento inflacionário das matérias-primas, problema este até então inexistente em boa parte do mundo, que mostrou sua face principalmente na União Europeia e nos Estados Unidos, balançando toda a ordem econômica planetária. E quando era esperada a volta à normalidade, demos de cara com a retração da indústria da construção civil na China, que com a diminuição do consumo interno passou a inundar o mundo com seu aço, mantendo a volatilidade no mercado internacional
A QUESTÃO “CHINA E ÍNDIA”
Com efeito, a China continua a ser o grande “pêndulo mundial” nessa história toda, pois sua produção está acima dos 50% de todo o aço que se fabrica no planeta. A expectativa é de que a procura de aço na China continue a seguir no mesmo ritmo em 2024, mantendo o nível de 2023. Mesmo com os investimentos imobiliários continuando a diminuir por lá, serão compensados pela busca de aço atrelada aos investimentos em infraestrutura e de outros setores industriais naquele país-continente. E, segundo as projeções da Worldsteel, tal cenário não deve mudar muito em 2025, quando se espera apenas uma ínfima queda de 1% na demanda de aço na China, embora para o resto do mundo o referido estudo do órgão sugira um crescimento generalizado da procura de aço em um nível relativamente forte de 3,5% ao ano, ao longo do período compreendido entre 2024-2025.
E aqui, vale um registro muito interessante: a Índia, que vem se apresentando como o principal motor do crescimento do uso de aço desde 2021, deverá continuar a cumprir esse periélio exitoso, uma vez que as novas projeções da Worldsteel sugerem que a procura de aço indiano avançará algo em torno de 8% ao longo deste e do próximo ano, impulsionada pelo crescimento contínuo em todos os setores utilizadores de aço naquele país, e especialmente turbinados pelos seus investimentos em infraestrutura. Assim, no final da reta de 2025, prevê-se que a procura de aço na Índia seja quase 70 milhões de toneladas superior àquela de 2020. Nesse cenário, talvez a única previsão positiva da Worldsteel é de que o resto do mundo desenvolvido venha a vivenciar uma fase de recuperação reforçada, com 1,3% em 2024, e 2,7% em 2025. Pouco, mas, ainda assim, uma evolução.
DESAFIOS E AVANÇOS
Enquanto isso, a União Europeiae o Reino Unido continuarão sendo as regiões do planeta que enfrentam os maiores desafios atuais no que tange ao setor siderúrgico. E isso motivado por impactos ao longo de uma multiplicidade de circunstâncias e frentes, tais como mudanças e incertezas geopolíticas, inflação elevada, aperto monetário com retirada parcial do apoio fiscal, e preços ainda elevados de energia e de matérias-primas. A persistência desses fatores negativos, aliás, resultou em uma grande queda na procura de aço em 2023 por aquelas bandas, configurando um cenário de “fundo de poço” registrado desde 2000, com substanciais revisões de baixa ainda para o presente ano. Contudo, fato é que, depois de apenas uma recuperação técnica em 2024, espera-se que a procura de aço em ambas as regiões apresente finalmente uma recuperação significativa de 5,3%, mas apenas em 2025, corroborado pela previsão de que a procura de aço para a União Europeia em 2024 será de apenas 1,5 Mt superior ao nível mínimo registrado em 2020 no período da pandemia da COVID.
Porém, contrastando com a UE, a procura de aço nos Estados Unidos continua a apresentar saudáveis avanços. Espera-se que a procura de aço no país regresse rapidamente à trajetória de crescimento em 2024, após uma queda acentuada no mercado imobiliário no ano passado, graças aos fortes investimentos, que receberam um bom impulso com a Lei de Redução da Inflação e mesmo a recuperação gradual da atividade imobiliária.
TENDÊNCIAS GLOBAIS
Em 2023, foram generalizadas as quedas na atividade imobiliária nos Estados Unidos, na China, no Japão e na União Europeia. A expectativa é de que essa fraqueza se prolongue por todo ano de 2024, com a recuperação finalmente acontecendo em 2025. E vale observar que, além da questão imobiliária, houve também a queda na atividade industrial consumidora de aço devido aos elevados custos e às incertezas que rondaram a atividade, agravado pelas condições de financiamento restritivas e à tímida procura mundial pela liga. E embora tais impactos e implicações permaneçam, os indicadores avançados do estudo da Worldsteel sinalizam o início de uma recuperação da atividade industrial global em 2024. E aqui vale o destaque para o fato de o setor automotivo ter sido a exceção nessa dinâmica, uma vez que apresentou um bom desempenho no ano passado, principalmente devido à procura reprimida e à redução das restrições da cadeia de abastecimento, mas que, ainda assim, deve apresentar um crescimento tímido ao longo de 2024.
A bem da verdade, o que sustentou o setor de aço no mundo em 2023 foram os investimentos em infraestruturas públicas. A injeção de recursos em novas instalações em setores estratégicos, garantida pela segurança do abastecimento de componentes e materiais estratégicos em um contexto de crescentes tensões geopolíticas, aliadas à necessidade da transição para a chamada “Economia Verde” foram os principais motores que impulsionaram o uso do aço.
Isso, por exemplo, é o que atesta um estudo recente do Comitê Econômico da Worldsteel, que estimou que a procura mundial de aço para novas instalações de energia eólica triplicará até 2030, para cerca de 30 Mt, na comparação com o início da década de 2020. Embora o percentual de busca de aço para instalações de energia eólica permaneça relativamente baixo no âmbito da procura global total, ele tem potencial de dar um apoio bastante notável à procura global de aço em certas regiões, como a Europa. E o mesmo se pode dizer das instalações para captação de energia solar, cuja tendência de crescimento deverá permanecer aquecida em 2024, e seguindo um viés de continuidade em 2025 e ao longo dos próximos anos.
Por fim, o documento com as projeções da Worldsteel também considerou positivos os investimentos em infraestrutura destinados a prevenir e reforçar as defesas contra catástrofes naturais, antes e depois de terem acontecido. Nesse sentido, os exemplos vêm principalmente do Japão, da China, da Coreia do Sul e ainda do Peru.
E o relatório termina com um alerta para as chances e riscos futuros. Nesse cenário, é possível que aconteça uma desinflação mais rápida do que o esperado em todo o mundo, turbinada por uma flexibilização da política monetária, o que certamente iria impulsionar as economias e, por consequência, a indústria utilizadora de aço, principalmente a imobiliária. Simultaneamente, também deverão haver esforços no sentido de se acelerar os processos relacionados à descarbonização e à sustentabilidade, que podem apoiar a procura global de aço no futuro. E, claro, busca pela transição e por novas fontes de energia não está descartada.
Por outro lado, o viés negativo deriva do fato de que está se observando uma nova escalada no âmbito das tensões geopolíticas, como atesta o atual conflito no Oriente Médio, que devem gerar pressões inflacionárias mais persistentes, e podem adiar a recuperação econômica em curso, ou mesmo, na pior das hipóteses, servir de freio para que ela aconteça.
HENRIQUE PATRIA – publisher do Portal e da revista Siderurgia Brasil
NOTA DO AUTOR: O presente artigo foi desenvolvido com base em elementos e dados extraídos do estudo Short Range Outlook (SRO), apresentado no início da segunda quinzena do mês de abril de 2024 pela Worldsteel Association.