No Jornalismo, ouvir os dois lados sobre uma questão é algo democraticamente obrigatório. Então, confira o que as trading companies de aço têm a dizer sobre a situação atual da siderurgia no Brasil.
Marcus Frediani
No mundo dos negócios, são comuns diferentes visões sobre ações e dinâmicas realizadas para, digamos “mudar as regras do jogo”. E, com o intuito de preservar ou alterar as regras estabelecidas – que, se de um lado melhoram as condições de operação de alguns setores, e, de outro, as prejudicam –, é natural também que acirrados embates acabem surgindo, uma vez que os diferentes times em campo sempre tenham o direito de se manifestar e defender o seu lado nesse sentido.
Como era de se esperar, a questão da chegada do aço importado ao Brasil, que, há muito tempo vem gerando discussões acirradas e antagonismos entre os produtores nacionais e as empresas que operam no sentido de facilitar e, efetivamente, introduzir a liga em nosso país em atendimento às demandas de seus clientes, não foge a essa regra. E como não poderia ser diferente, o que vem incendiando esses debates ultimamente é o estabelecimento pelo governo brasileiro da nova sistemática tarifária e de cotas para a importação de aço.
Dentro dessa polêmica, em que faíscas não param de brotar em ambos os lados, a revista Siderurgia Brasil realizou um esforço jornalístico democrático, e foi ouvir a voz de trading companies que incluem a importação de aço no seu portfólio de negócios, a fim de jogar luz sobre o tema para seus leitores. Assim, conversamos com Antonio Rosset, diretor comercial da Leeco Trading, empresa que tem sede em Orlando, nos Estados Unidos, e Amanda Verjovsky, que ocupa o cargo de Business Development na WM Trading, com sede na capital paulista. E dessa nossa conversa, surgiu este esclarecedor painel de entrevistas exclusiva. Leia, tire suas conclusões, e não deixe de comentar com a gente!
Revista Siderurgia Brasil: Que impactos o novo regramento estabelecido pelo governo, que impôs o aumento das taxas e a criação do sistema de cotas para importação de aço, trará para as operações das empresas de trading que atuam no setor no Brasil?
Antonio Rosset: A maior parte das tradings de metais que operam no Brasil são de origem americana, asiática e europeia. Os principais impactos são a redução das exportações de aço, redução das linhas de crédito internacional, pois grande parte das exportações de aço são financiadas para os importadores e, não menos importante, as trading companies que têm projetos de investimentos para o Brasil aguardarão o melhor momento para retornar ao mercado. Vale ressaltar que o Brasil importou mais de 5 milhões de toneladas de aço em 2023. Então, veremos uma redução expressiva nas importações em 2024.
Amanda Verjovsky: Seguindo a lógica de atuação do governo, que vem desde o final do ano passado com a evolução da revogação de ex-tarifário, combinada com a criação do regime de cotas, já era esperado que houvesse algum movimento em relação à implementação do regime de cotas para o setor siderúrgico, devido ao volume representativo de importações desse material. Neste primeiro momento, não podemos dar um parecer definitivo, mas a situação é complexa, já que a cota é por quadrimestre. Uma das preocupações está na chegada das cargas versus a emissão das suas Licenças de Importação (LI). As LIs preveem autorização prévia ao embarque da carga, sendo que essas respeitam a respectiva cota disponível no momento da sua emissão. E, pelo fato de que o regime ser por quadrimestre, é necessário combinar os embarques com a virada de cada uma das cotas.
E de que forma esses impactos deverão ser “transferidos” para os clientes que se valem da importação de aços, tais como, por exemplo, eventuais situações de desabastecimento, aumento de preços e quebra na qualidade dos itens produzidos a partir deles?
Antonio Rosset: Não há como transferir em sua totalidade esses impactos para os clientes. Por outro lado, os maiores importadores não têm como parar de importar. Aqueles que têm cota continuarão importando, e pagando os 10.8% de imposto de importação. No fim da cota, terão que pagar obrigatoriamente os 25% de imposto estabelecidos pelo governo. Sem dúvida, teremos desabastecimentos para alguns tipos de aço, e veremos, aumento de preços nos próximos meses.
Amanda Verjovsky: Na verdade, nós da WM, não esperamos que haja inicialmente um aumento de preço ou desabastecimento do mercado. Haverá, sim, uma corrida pelas LIs emitidas, a fim de que os importadores consigam manter preços competitivos nas suas importações, e usufruir da redução no imposto de importação prevista.
O novo regramento adotado pelo governo brasileiro é uma reivindicação bastante antiga da indústria siderúrgica nacional, no sentido de reduzir assimetrias competitivas relacionadas à crescente “invasão” de aços importados no Brasil, notadamente aqueles que vêm da China, razão pela qual, entre esses operadores, está sendo considerado uma grande conquista. Por outro lado, contudo, há quem diga que ele pode também ser considerado como uma medida protetiva excessiva, que se contrapõe à prática do livre comércio. Como você interpreta essa dicotomia?
Antonio Rosset: A China é o maior produtor de aço do mundo, com uma produção de mais de 1 bilhão de toneladas de aço por ano. Ela participa com mais de 16% do comércio global, e é, sem dúvida, a maior indústria do mundo. Em contrapartida, o Brasil produz 36 milhões de toneladas o que corresponde a dez dias da produção chinesa. Ou seja, participa com menos de 1% do comércio global, e tem um consumo per capita da ordem de 111kg ano. E é um país fechado ao comércio internacional. Para se ter ideia de como o Brasil está atrasado no consumo per capita, basta olharmos outros países produtores como a Coréia do Sul (1.075kg ano), China (665Kg ano) e Estados Unidos (290Kg ano). Até pouco tempo, o Brasil perdia para a Argentina, e perde para o México, que consome 186Kg ano. Então, a pergunta que devemos fazer é: como o setor de máquinas e equipamentos, automotivo e autopeças, linha branca, linha amarela e construção civil podem ser competitivos e conquistar novos mercados pagando imposto de importação de 25%? Lembro que, anos atrás, quando eu trabalhava na Hyundai Corporation, as montadoras pressionaram o governo para aumentar o IPI do carro importado. E o que aconteceu? As importações dos carros importados reduziram? Não. Assim, costumo dizer que o problema não é a matéria-prima importada, e, sim, o Custo Brasil, que se resume a uma carga tributária confusa e alta, juros elevados, insegurança jurídica e escândalos no governo. Custa caro produzir no Brasil. E é por isso que algumas montadoras fecharam as portas no país. Então, creio que se deve atacar o verdadeiro problema que torna as empresas brasileiras pouco competitivas em relação àquelas de outros países e, certamente, não as importações da China.
Amanda Verjovsky: Entendemos a posição do governo no que diz respeito à proteção do mercado interno, e a garantia da indústria nacional. Entretanto, existe um outro lado relacionado à necessidade de matéria-prima do mercado nacional, que hoje pode não ser suprida somente com o fornecimento local. Em comparação com o produzido no Brasil, a diferença do aço importado – especialmente o da China – está relacionada principalmente ao volume de suprimento. Os produtores estrangeiros conseguem fornecer em maiores volumes do material, e em menos tempo, mantendo a sua qualidade. Isso é fruto de investimentos realizados ao longo de anos por esses países, comparado à nossa indústria nacional, que sempre buscou se capacitar para chegar ao patamar de produção em que se encontra. Hoje, no Brasil, se usa aço para galpões industriais, revestimentos, construção civil e linha branca, entre tantas outras aplicações. Nesse sentido, o aço importado ajuda também a controlar os preços do mercado nacional, e, por esse motivo, é de suma importância que prevaleça a sua permanência no país, já que isso influencia, inclusive, a manutenção da inflação no Brasil.
A partir das novas regras, receia-se uma reação dura dos países exportadores de aço para o Brasil, notadamente da China, principal destino e parceiro comercial do nosso país em termos de exportações. Vocês acreditam que isso possa vir a acontecer? E como avaliam os eventuais impactos dessa reação, caso ela, realmente, venha a acontecer?
Antonio Rosset: Em primeiro lugar, devemos esperar uma reação dura dos empresários brasileiros que não investirão no Brasil e, em seguida, de os investidores estrangeiros. Acho que esse tipo de medida de aumento de impostos afugenta investidores. Como eu disse aí atrás, o Brasil participa com menos de 1% do comércio global, e não pode dar-se ao luxo de fechar ainda mais o seu mercado. Agora, sobre a China, fica difícil analisar se haverá alguma reação dura. Alguém pode dizer que o Brasil tem recebido investimentos estrangeiros, principalmente da China. A pergunta que devemos fazer é se não houvesse o aumento do imposto o Brasil não estaria recebendo mais investimentos internacionais? O México tem recebido mais investimentos do que o Brasil, notadamente de empresas chinesas. A insegurança jurídica, a carga tributária alta e os escândalos são fatores que afastam investimentos, não importando a nacionalidade. Vale lembrar que a carga tributária de alguns países desenvolvidos é menor do que a carga tributária brasileira. Aumento de imposto não é a solução para resolver o problema da competitividade das indústrias brasileiras. Então, a solução é reduzir a carga tributária no processo de produção, facilitar o crédito para as empresas, além da insegurança jurídica, que tem sido um grande problema no Brasil. Aliás, o país é um dos poucos do mundo a usar o imposto de importação como política industrial. E, a propósito disso, qual é mesmo a política industrial do Brasil?
Amanda Verjovsky: A China é um país que tem muito interesse em manter uma relação comercial saudável com o Brasil. Os governos sempre estão dispostos a conversar, e é inegável a grande entrada de produtos chineses no país, como veículos elétricos e os equipamentos utilizados no setor fotovoltaico. Neste cenário, não devemos limitar a análise a um produto, mas enxergar todo o espectro de produtos transacionados entre os países. Acreditamos que, neste primeiro momento, não haverá uma movimentação diplomática negativa, até porque a própria regulamentação prevê, no caso de esgotamento de cota, a utilização de parte condicionada ao desembaraço aduaneiro de carga anteriormente importada. Além disso, associações específicas do setor têm um papel crucial em mediar essas questões, e garantir que os interesses comerciais sejam mantidos de forma equilibrada. A expectativa de importação dos diferentes tipos de aço em 2024 no Brasil é de 5 milhões de toneladas. Portanto, é uma demanda relevante, e que não será desconsiderada.
Sabemos que algumas entidades representativas de vários setores da economia brasileira já formaram uma coalizão, por meio da qual, pretendem agir contra o novo regramento relacionado às importações de aço para o Brasil. Já existe alguma movimentação semelhante por parte das operadoras de trading?
Antonio Rosset: Fui presidente da Câmara Oficial de Comércio e Indústria Brasil-Rússia, trabalhei no Consulado da Índia e nas maiores trading companies de aço do mundo, tais como a Hyundai Corporation, que já mencionei, além da Samsung e da LG. Atualmente sou diretor comercial da Leeco Trading, braço de importação e exportação de um dos maiores distribuidores de aço dos Estados Unidos, a Leeco Steel. E pela minha experiência de mais de 27 anos no aço importado, tenho conversado com outras trading companies que demonstraram interesse em informar ao governo as vantagens do aço importado para a economia brasileira. Em paralelo, a Leeco Trading está organizando um evento intitulado Conferência do Aço no World Trade Center, no dia 15 de agosto de 2024, a partir das 8h30 da manhã. Teremos a participação de empresas chinesas, de distribuidores e da Fastmarkets, que é uma das agências de relatórios de preços de commodities (PRA) mais confiáveis nos mercados de metais e mineração e energia de nova geração, entre outros. A ideia desse encontro é falar sobre as vantagens do aço importado, as tendências de preço e a contribuição do aço na economia brasileira.
Final e objetivamente, quais são, na visão de vocês, as vantagens para clientes dos mais diversos setores que utilizam aço em suas operações no Brasil ao fazer a importação da liga?
Antonio Rosset: Os importadores contam com uma variedade de usinas no mundo. Somente nos aços revestidos temos mais de 100 usinas na China. Portanto, as vantagens são: 1) Alta Qualidade; Preços Competitivos; Prazos Longos de Pagamento; e Drawback. E vale ainda lembrar que o aço importado ajuda a controlar a inflação e os preços domésticos.
Amanda Verjovsky: Ao importar a liga, as vantagens para os clientes que utilizam aço em suas operações no Brasil incluem tecnologia de produção avançada, resultando em produtos de alto desempenho, redução de custos significativa em comparação com a produção nacional e uma ampla variedade de tipos de aço disponíveis para diferentes aplicações e necessidades.