Um dos mais importantes líderes na área da distribuição e processamento de aços planos no Brasil dá suas opiniões sobre os mais recentes fatos relacionados à importação da liga no Brasil.
Marcus Frediani
Um dos assuntos mais controversos dos últimos tempos na siderurgia brasileira diz respeito à gigantesca entrada de aço importado no Brasil, vindo principalmente da China que, em 2023, aumentou 50% em relação ao ano anterior, chegando à casa das 5 milhões de toneladas, o que correspondeu a 16% da produção anual do aço brasileiro, ou para os mais detalhistas, o equivalente à produção de 16 usinas mini-mills, ou de uma usina integrada de grande porte ao longo do período.
Outros números relacionados a essa invasão – e que são muito preocupantes –, dizem respeito aos impactos registrados na empregabilidade do setor, que indicam que, pelo menos, 5 mil postos de trabalho foram fechados no país, sem contar o registro de uma queda de faturamento das siderúrgicas nacionais estimado em R$ 36 bilhões, com a subsequente redução da arrecadação tributária nesse intervalo, que chega a cerca de R$ 7 bilhões em recolhimento de impostos.
Sobre esse assunto, tivemos a oportunidade de conversar com Benjamim Nazário Fernandes Filho, um dos mais importantes líderes na área da distribuição e processamento de aços planos no Brasil, ex-presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (INDA), fundador e atual diretor-presidente da Benafer, empresa com matriz no Rio de Janeiro, e unidades regionais em Guarulhos/SP, Contagem/MG, Curitiba/PR e Porto Alegre/RS, detentora do maior e mais completo estoque de aços planos no mercado brasileiro.
Com esse currículo invejável, Benjamim é também conhecido pela defesa incondicional do aço brasileiro, e, em todas as suas manifestações, invariavelmente têm se destacado como um ativo e feroz defensor também da indústria nacional. Confira o que ele nos fala nesta entrevista exclusiva à revista Siderurgia Brasil.
Siderurgia Brasil: Benjamim, sabemos que você é um intransigente defensor do aço brasileiro. Assim, como você vê a atual escalada da chegada de aços importados em território nacional?
Benjamim Nazário Fernandes Filho: Assisti com muita tristeza a continuidade dessa evolução no ano passado, que trouxe como resultado a deterioração da indústria nacional, principalmente em favor da indústria chinesa. Foi muito difícil chegarmos até aqui com uma indústria de ponta, como é a da siderurgia brasileira. Mas não é possível falarmos de crescimento da indústria nacional com a inexistência de mercado para tal. Trata-se de um segmento que demanda pesados investimentos para se manter em níveis de qualidade e produtividade, e, infelizmente, estamos vendo o Brasil jogar tudo isso fora por questões oportunistas.
O que são, exatamente, essas questões oportunistas às quais você se refere?
Todos nós estamos acompanhando o fato de que a China, após um período de explosão em seu crescimento ao longo de anos, seguidos por conquistas de PIBs fantásticos, passou a conviver com problemas de retração interna, principalmente na Construção Civil, com a produção e geração de enormes excedentes na sua indústria siderúrgica. E isso é algo que, com o apoio do governo local, vem aumentando contínua e abruptamente nesse período. Como reação a isso, praticamente todos os países do mundo passaram a adotar imediatamente barreiras comerciais, ou medidas protetivas de suas indústrias. Porém, enquanto isso, o Brasil, assim como outros países da América Latina, se mantém com as portas escancaradas à chegada desses produtos, vale registrar, nem sempre com qualidade comprovada por aqui. Daí, acabamos virando meramente um país de importadores.
Mas onde está, exatamente, o oportunismo nessa história?
Bem, a China se aproveitou do descaso ou da demora do governo brasileiro na tomada de medidas protecionistas, ou seja, de decisões incisivas e semelhantes aquelas que você citou para conter essa invasão. Então, não há dúvidas sobre isso. O Brasil vem passando por um processo de desindustrialização que vem se acentuando a cada ano. E isso não acontece apenas com a indústria do aço. Outros setores como autopeças, por exemplo, que, nos últimos tempos vem registrando um dos maiores déficits na sua balança comercial, há muito tempo questiona as políticas adotadas pelo governo brasileiro, sem que seja tomada qualquer medida em defesa da indústria nacional. Isso faz com que sejam afastadas do Brasil inúmeras empresas, levando inexoravelmente consigo significativas parcelas de investimentos e empregos.
OK! Mas até que ponto o fato de a China ser atualmente o principal mercado para as exportações brasileiras e parceiro comercial nesse sentido interferiu, e continua interferindo, nesse processo? Objetivamente, isso tem a ver com algum tipo de “receio” de levantamento de barreiras comerciais e eventuais retaliações vindas daquele país asiático?
Evidentemente, há sempre o receio de alguma medida de retaliação a partir da China, um país não democrático, autoritário, que é, realmente, nosso maior parceiro comercial nos dias de hoje. Mas um ponto tem que ser sempre considerado: não é o Brasil que precisa da China, pois produzimos aqui a maior parte do que importamos dela. A China é que, sim, precisa dos alimentos que produzimos, e precisa do Agronegócio Brasileiro, pois tem que alimentar 1,4 bilhão de pessoas.
Contudo, após anos de contínuos pleitos e reivindicações da indústria siderúrgica brasileira, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu estabelecer um novo regramento para importação de aços, incluindo um sistema de cotas máximas para limitar sua entrada no país, sendo que, se essas cotas forem ultrapassadas, a tarifa de importação aplicada será de 25%. Você acredita que tais medidas, efetivamente, serão suficientes para conter o excesso de entradas de aço estrangeiro no Brasil, ou ele vai continuar entrando com a mesma profusão? E, se a resposta for “não”, qual seria a solução ideal?
Olha, eu tenho muitas dúvidas se esse negócio vai funcionar. Aliás, no momento, acredito muito pouco nisso. Como antigo empresário do setor, já assisti muita coisa acontecer, e sei que, no Brasil, podem ser usados mecanismos alternativos para tentar burlar as regras vigentes.
Falando especificamente dos distribuidores de aço no Brasil, há algumas manifestações de empresas e até de entidades de consumidores de aço falando como representantes desses segmentos, afirmando que, não importa muito a origem do aço, desde que ele atenda às demandas de fornecimento atuais, principalmente a preços mais baratos. Qual a sua avaliação sobre essa afirmação? De certa forma, ela não enfraquece a luta pela prevalência da utilização do aço nacional?
Esse tipo de posicionamento, no qual prevalece apenas o interesse mercantil de curto prazo, pode trazer consequências desastrosas para a economia brasileira e para a indústria nacional, pois representa estimular a concorrência desleal no momento em que o preço do aço importado está abaixo do seu custo de produção. E isso, além do fato de os produtos oriundos da China apresentar uma pegada de carbono superior à do aço brasileiro.
Acerca desse ponto, as usinas nacionais estão prometendo pesados investimentos na modernização de seu parque, principalmente no sentido de atender às exigências internacionais com respeito a processos de descarbonização de suas linhas de produção. Você acredita que as siderúrgicas terão interesse em buscar maior produtividade e, assim, conseguir baratear o preço do aço oferecido, até para fazer frente a uma nova investida de aços importados com preços mais baixos do que os nacionais?
As empresas produtoras de aço no Brasil investem, regularmente, R$1 2 bilhões por ano, o que permite que, atualmente, elas se encontrem no “Estado da Arte Tecnológico”, sendo bastante competitivas na produção de aço. Só que quando esses aços deixam as usinas, eles são fortemente taxados, e enfrentam sérios problemas relacionados a uma malha logística aquém das necessidades básicas para prover a movimentação das cargas. É uma das expressões do chamado “Custo Brasil”, que onera cruelmente as empresas, e representa cerca de R$ 1,7 trilhão/ano. Porém, independentemente disso, a estratégia de negócios das empresas produtoras de aço no Brasil é continuarem investindo maciçamente em adequações e aperfeiçoamentos nos próximos anos, intenção, aliás, que já foi anunciada pelas associadas do Instituto Aço Brasil, com investimentos de R$ 100 bilhões previstos para o período 2023 a 2028, a fim de manter atualizado e competitivo o parque industrial no país. O problema é que não é possível competir com os aços importados da China, vendidos a preços abaixo de seus custos de produção.