Com segurança e competência, Sandro Marques Raposo, diretor industrial da Aço Verde do Brasil, dá as pistas estratégicas para o futuro da transição energética e da produtividade da siderurgia brasileira e mundial.
Marcus Frediani
Quando o assunto é o perfeito equilíbrio entre produtividade e sustentabilidade aplicadas à produção de aço, é impossível não colocar a Aço Verde do Brasil (AVB) no topo da lista das empresas mais bem-sucedidas do setor siderúrgico brasileiro, e, porque não dizer, mundial. E, proporcionalmente ao tempo em que ela se encontra em atividade no mercado – menos de uma década –, esse destaque é ainda mais relevante.
Nascida como player competitivo no município de Açailândia, no estado do Maranhão, a companhia traz gravada no seu DNA a filosofia e o compromisso com a ESG, antes mesmo de essa pauta ter se transformado em tendência consolidada e na “bola da vez” no discurso de dez entre dez empresas nos dias atuais.
De maneira intensamente proativa e pioneira, as estratégias que ela desenvolve – sempre voltadas à conquista de níveis cada vez mais superlativos no campos da inovação aplicada da melhoria de produtos e processos, cada vez mais livres de combustíveis fósseis, perseguindo as metas de descarbonização –, notadamente se destacam cada vez mais, e simplesmente não cansam de surpreender a concorrência nacional e internacional, razão pela qual ela representa fonte de benchmarking para elas, antecipando tendências e caminhos que a siderurgia trilhará no futuro. Assim, ficar atento aos passos que a AVB dá rumo ao porvir tem tudo para guiar a experiência do setor.
Por todas essas razões, a revista Siderurgia Brasil foi conversar com Sandro Marques Raposo, diretor industrial da siderúrgica, que, nesta entrevista exclusiva, ensina várias lições bem-sucedidas adotadas pela AVB no presente, que seguramente servem de arquétipos para serem replicadas nos novos tempos deste planeta repleto de mudanças e transformações. Confira, e tire suas próprias conclusões.
Siderurgia Brasil: Sandro, sabemos que, desde o início de suas atividades, a Aço Verde do Brasil é uma empresa que mantém um forte e contínuo compromisso com a pauta da ESG, principalmente no âmbito do “ezinho” do Environment. Quais os principais motores que turbinam essa dinâmica e promovem essa continuidade?
Sandro Marques Raposo: Desde o início das operações da AVB, vimos mantendo um monitoramento constante das emissões de gases de efeito estufa, que vêm sendo auditados por todos os órgãos e instituições, competentes, incluindo a Fundação Getúlio Vargas, que atestam que estes são muito baixos, o que é o grande diferencial da nossa usina. Pelo que a gente sabe por meio da divulgação de diversos relatórios internacionais, continuamos a ser a usina com as menores emissões desses gases no planeta, mesmo considerando as notícias vindas de novas siderúrgicas que estão sendo implementadas dizendo que estão prestes a obter metas de descarbonização maiores, mas que ainda assim ficariam acima de 300kg de CO2 por tonelada de aço produzido, ou seja, bem acima do nosso número, que gira em torno de 150kg de CO2 por tonelada de aço, o que continua a nos deixar na vanguarda nesse quesito. E é importante ressaltar que a AVB não está “quieta” com relação a essa questão: continuamos investindo e trabalhando intensamente para reduzir ainda esse número de emissões na AVB, estudando soluções para diminuir o uso de combustíveis fósseis em nossa planta, que ainda são usados apenas em algumas máquinas, tais como empilhadeiras e pás carregadeiras, que utiliza diesel como matriz energética, a fim de zerar essa pequena emissão também, por meio da substituição dele pelo gás natural, que ainda não seria uma solução definitiva, e pela eletrificação desses equipamentos móveis para o transporte interno, o que eliminaria o problema.
No campo da eficiência energética, em 2023, vocês colocaram em operação a nova Central Termoelétrica Verde da AVB, com meta de reduzir substancialmente o consumo interno de energia elétrica. Esse resultado efetivamente se materializou, ou foi superado?
Sim, hoje nossa termoelétrica já gera um terço de nosso consumo interno de energia, o que é o nível máximo da capacidade dessa planta, sendo que os outros dois terços de energia renovável a gente continua comprando de fontes externas. E, de acordo com o possível aumento da nossa produção de aço, isso também será revisto por meio de planos de expansão.
E quais são eles?
Bem, no prazo de cinco anos, pretendemos instalar uma segunda termoelétrica, coexistindo com a primeira, para conquistar nossa autossuficiência de energia renovável. Isso já está em nosso radar de investimentos no longo prazo. E a questão agora é mais de execução, pois temos que associar esse plano também a um aumento de geração maior de gás de Alto-Forno, da nossa biomassa, o que vai ser possível com a entrada em operação de nosso terceiro Alto-Forno, previsto para os próximos anos também.
E isso tudo, naturalmente, também tem a ver com o recente anúncio que vocês fizeram do projeto de expansão da produção de mudas clonais, para abastecimento de carvão vegetal à produção do aço da AVB, contemplando a ampliação do viveiro já existente. Qual será o ganho dele no âmbito do aumento da eficiência energética da companhia?
Essa é uma ambição de vários anos, que está virando realidade agora, porque a AVB sempre comprou mudas de terceiros. E quando se faz isso, nem sempre a gente tem o clone adequado para a nossa realidade operacional. Temos feito muita pesquisa genética com clones de eucalipto buscando a melhor tecnologia possível visando à produção do biocarbono dentro de características como tamanho e espessura das árvores, que consigam atingir a maturidade no período de seis anos, mais cedo do que o considerado normal, e adaptável à nossa condição no Maranhão e no Piauí, onde se encontram os nossos maiores maciços florestais. Então, o projeto do nosso viveiro veio ao encontro dessa necessidade específica em termos de quantidade, objetivando uma melhor performance de produtividade, abastecimento e utilização da nossa floresta, notadamente também em função do aumento da demanda de celulose no Brasil. E ele já está em plena operação no sul do Maranhão e, o que também é muito importante, utilizando a mão de obra local, principalmente das mulheres, que demonstram uma habilidade especial no cultivo dessas mudas, o que demonstra, mais uma vez, a preocupação com a proposta de igualdade de gênero da empresa.
E qual o incremento que o novo viveiro trará para a produção atual?
A proposta é de produzir algo em torno de dez milhões de novas mudas por ano, cuja meta é de representar um aumento aproximado de 10% ao ano daquilo que já produzimos hoje em termos de maciço florestal. E vale lembrar que, hoje, já somos autossuficientes na produção de biocarbono para as nossas necessidades atuais de produção, com mais de 150 mil hectares de área de terras próprias cultivadas, ou seja, como se estivéssemos plantando 5 mil hectares adicionais ano a ano, dentro dos moldes específicos das nossas necessidades.
No âmbito da inovação aplicada à geração de energia renovável interna, como vêm avançando outras iniciativas da AVB relacionadas aos projetos de tecnologia voltados ao programa de “Resíduo Zero” de vocês, como é o caso da planta de briquetes extrudados destinados à operação dos Altos-Fornos?
Esses são projetos aos quais estamos destinando a maior parte do nosso tempo, bem como de nossos investimentos. No ano passado, adquirimos uma máquina para simulação de processos em uma planta específica, para desenvolver briquetes reais em escala piloto, porque o segredo é a “receita” do que vai dentro deles, um pouquinho de escória de Alto-Forno, um pouquinho de lama de aciaria, de pó de desempoeiramento, ou seja, qual o percentual adequado de cada um deles, aquecê-los, resfria-los e fazer uma série de ensaios metalúrgicos, mecânicos e de granulometria em laboratório. E hoje já temos a receita com mais de 80% de segurança para o efetivo início da implantação da totalidade dessa planta em escala industrial para a produção do aço.
E quanto ao emprego de sucata?
Bem, no que tange ao emprego de carga sólida, hoje somos a empresa que maior percentual de sucata carrega no Convertedor LD, disparado no Brasil e no mundo. Graças a um projeto próprio de pré-aquecimento dela que desenvolvemos internamente, uma patente nossa, conseguimos carregar 30% de sucata no convertedor. Assim, ela entra nele a 600ºC, o que permite o uso de menos energia para fundi-la caso ela entrasse fria, bem como a colocação de uma maior quantidade de sucata. E outra vantagem é que esse aquecedor usa gás de Alto-Forno, totalmente renovável, de baixíssima emissão sem combustível fóssil na jogada.
Finalmente, em que estágio se encontram os estudos em curso na empresa para o aproveitamento de outras fontes energéticas alternativas, tais como, eventualmente, a solar?
Nosso foco hoje é a produção de energia própria, principalmente buscando a nossa autossuficiência de energia elétrica, em função da existência de muito gás disponível em nossa usina, um tipo de energia barata e verde. Mas estamos estudando, sim, a utilização dessas outras fontes alternativas. Porém, tais estudos estão se dando mais em termos econômicos. Dessa forma, estamos avançando em um projeto de instalação de uma planta solar adjacente à AVB mais como um requinte adicional para a nossa operação no futuro, até porque a área em que a nossa companhia está instalada é bastante ensolarada. Mas, como eu disse, esse não é um projeto prioritário no momento.