Se não for discutido e solucionado para que o bom senso prevaleça, o novo tarifaço proposto por Donald Trump irá causar sérios impactos na economia global, inclusive nos Estados Unidos.
Marcus Frediani
Justificando a proposta de seu slogan de campanha – “Make America Great Again” – e, com isso, colocar os Estados Unidos no centro do universo e dar as cartas ao restante do mundo, devolvendo o país à sua “Golden Age”, o agora presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sem perder tempo se pôs a assinar vários decretos com aquela célebre caneta de ponta grossa em Washington.

Entre os múltiplos alvos de ações voltadas ao desmonte da “Era Joe Biden”, na mira de Trump estão medidas anti-imigração, de inclusão racial e de igualdade de gêneros, além de outras que causaram estupefação. Foi o caso daquelas que propõem um retrocesso no campo da preservação do meio ambiente, com o rompimento de acordos históricos para conter a ameaça do aquecimento global, a partir do anúncio de planos para reforçar o uso de combustíveis fósseis e turbinar a exploração de petróleo e gás, setores – considerados por Trump e seus aliados como “fundamentais” para restabelecer o protagonismo dos EUA no mundo –, em paralelo ao enfraquecimento dos incentivos para o uso de energia renovável e veículos elétricos.
Já na economia norte-americana, destaca-se o anúncio de cortes nos gastos federais para reduzir o tamanho da conta do governo, que já está implicando uma série de demissões no funcionalismo público, além da mais recente “cereja do bolo: a introdução de uma política de tarifaço às importações para os Estados Unidos, tendo como alvo, inclusive, aquela dos produtos siderúrgicos, como o aço e o alumínio, que deverão começar a pagar mais impostos para entrar naquele país. E, no caso do Brasil, o segundo maior exportador de aço para os EUA depois da China, o tamanho do “pedágio” a ser pago será de incríveis 25%, já valendo a partir do dia 12 de março.
Na verdade, embora o tarifaço proposto por Trump atinja à quase totalidade dos países grandes exportadores de aço, é mais do que evidente que o verdadeiro alvo da iniciativa é a China, sua maior competidora no âmbito do protagonismo global. E a principal razão é desencorajar aquela nação asiática, maior fabricante planetária da liga no mundo, drible a taxação americana imposta de 25% a ela pelos EUA desde 2018, inundando outros mercados com seus produtos, que depois acabam sendo revendidos para os Estados Unidos por essas outras nações, por meio da manobra conhecida como “transbordo”, que acontece quando outros países compram aços a preços mais baratos, para depois revendê-los.
TIRO NO PÉ, MR. TRUMP?
Não sem sentido, essa decisão apressada foi recebida com preocupação pela indústria siderúrgica brasileira, porque o novo regramento tributário deverá criar um cenário de muita dificuldade, pelo menos de forma imediata, de encontrar, novos mercados importadores para desovar sua produção. Simultaneamente, quem também anda com a “pulga atrás da orelha” com essa dinâmica são os próprios fabricantes locais norte-americanos, que dependem dos produtos brasileiros para operar.
E a conta dessa relação de interdependência é fácil de explicar. De um lado, os Estados Unidos foram destino de 47,9% das exportações do grupo de aço e ferro do Brasil em 2024, sendo que o segundo maior comprador do Brasil é a China, cujo volume de exportação respondeu por 10,7% das exportações de aço e ferro do nosso país no período. Por outro lado, o Brasil é o segundo maior fornecedor de aço e ferro dos EUA, fatia que, aliás, nunca foi tão grande na história. Em 2024, os americanos compraram US$ 4,677 bilhões (cerca de R$ 27 bilhões) em produtos brasileiros que compõem esse conjunto de matérias-primas. No mesmo ano de 2024, o volume dessas exportações equivaleu a 14,9% do total importado pelos Estados Unidos. Em outras palavras, o segundo maior volume em termos percentuais de compras externas registrado no mesmo ano por tais matérias-primas vindas do Canadá (24,2%), em um ranking completado pelo México, Coreia do Sul e Alemanha, respectivamente no terceiro (10,1%), quarto (5,9%) e quinto (4,6%) lugares.
Com isso, o buraco do imbróglio fica “mais embaixo” também para a indústria siderúrgica norte-americana, porque vai criar impactos de produtividade e competitividade também para ela. É o que mostra uma recente análise da Bloomberg Economics, que afirma que a decisão de Trump vai gerar um rombo de 15% no fluxo das importações gerais dos Estados Unidos – ou seja, incluindo outros bens de consumo –, algo que não se sabe se o país terá condições de cobrir, até porque isso naturalmente irá impor custos extras às empresas locais. E, como consequência disso, certamente haverá outros perrengues associados, como a eliminação de centenas de milhares de empregos e a elevação dos preços ao consumidor, notadamente nos setores o automotivo, o energético e o alimentício na terra do “Tio Sam“.
BUSCA PELO DIÁLOGO
Diante de tudo isso, no caso do Brasil, uma solução simples seria abrir oportunidades de consumo no mercado interno brasileiro. Contudo, para isso seria necessário o Brasil adotar medidas antidumping mais vigorosas contra a contínua invasão de aços chineses no país, endurecimento esse que, fatalmente, acabaria por criar animosidades profundas na relação comercial entre os dois países, como é o caso, por exemplo, nas exportações do agronegócio e da mineração, hoje operações que proporcionam um grande superávit para o Brasil. Então, na visão do governo brasileiro, isso, além de virtualmente inviável, é praticamente impossível.
Por conta disso, ao receber a notícia, o governo brasileiro se apressou em considerar que o tarifaço de Donald Trump faz parte de um blefe, que visa a forçar melhores condições comerciais para o setor siderúrgico norte-americano, ou mesmo para outros atrelados a ele. Mesmo assim, Lula e sua equipe optaram por manter uma posição de cautela, considerando que a questão deve mais ser encarada como uma estratégia para a abertura de uma mesa de negociação, abrindo espaço para a retomada das condições anteriores no comércio bilateral entre Brasil e EUA.
Assim, a seu turno, embora manifestando surpresa com a decisão do governo dos Estados Unidos, que derruba o acordo firmado para importação do aço brasileiro no primeiro mandato de Trump, o Instituto Aço Brasil emitiu uma nota sobre o tema, com um texto com uma mescla de estranhamento, cautela e certo nível de boas expectativas. Só para relembrar, na ocasião da assinatura, em 2018, os governos dos Estados Unidos e Brasil negociaram o estabelecimento de cotas de exportação para o mercado norte-americano de 3,5 milhões de toneladas de semiacabados/placas, e de 687 mil toneladas de laminados, em medida que flexibilizou a decisão anterior de Trump, que estabelecia o mesmo percentual de 25% da atual alíquota de importação de aço agora novamente estipulado.
De saída, o documento divulgado pela entidade ressalta a importância do fato de que a negociação ocorrida em 2018 atendeu não só o interesse do Brasil em preservar acesso ao seu principal mercado externo de aço, mas também o interesse da indústria de aço norte-americana, demandante de placas brasileiras. E reforça tais circunstâncias com a apresentação de dados recentes, e a constatação de que o compromisso da parte brasileira do acordo foi descumprindo: “Os Estados Unidos importaram, em 2024, 5,6 milhões de toneladas de placas por não dispor de oferta suficiente para a demanda do produto em seu mercado interno, das quais 3,4 milhões de toneladas vieram do Brasil. E as exportações brasileiras de produtos de aço para os Estados Unidos cumpriram integralmente as condições estabelecidas no regime de ‘hard quota’, não ultrapassando, em momento algum, os volumes estabelecidos tanto para semiacabados como para produtos laminados.”
Adicionalmente, a nota enfatiza ainda uma circunstância que vem gerando enorme preocupação entre os operadores do mercado siderúrgico nacional, que é o contínuo avanço da entrada de aço importado no país, notadamente vindo da China, em inequívoco movimento de prática de concorrência predatória. E essa, como também se sabe, foi a principal razão que levou o Aço Brasil a solicitar ao governo brasileiro a implementação do regime de “cota-tarifa” para 9 NCMs de produtos de aço. “Assim, ao contrário do alegado na proclamação do governo norte-americano, inexiste qualquer possibilidade de ocorrer, no Brasil, circunvenção para os Estados Unidos de produtos de aço oriundos de terceiros países”, sublinha o texto.

Por fim, no comunicado, o Aço Brasil ainda ressalta o fato de que Brasil e Estados Unidos detêm uma parceria comercial de longa data, que vem sendo, historicamente, favorável ao país do Hemisfério Norte. Como prova, menciona que nos últimos cinco anos, os EUA tiveram superávit comercial médio de US$ 6 bilhões nessa relação. “Considerando, especificamente, o comércio dos principais itens da cadeia do aço – carvão, aço e máquinas e equipamentos – Estados Unidos e Brasil detêm uma corrente de comércio de US$ 7,6 bilhões, sendo os Estados Unidos superavitários em US$ 3 bilhões”, pontua.
REPERCUSSÃO NA AMÉRICA LATINA
Quem também recebeu com surpresa a notícia da decisão do governo dos Estados Unidos de estabelecer alíquota de importação do aço de 25%, independentemente da origem e cancelando, inclusive, os acordos bilaterais entre os países, tarifas para a siderurgia foi a Associação Latino-americana do Aço (Alacero).

E à surpresa, chegou também a preocupação, uma vez que a América Latina também vem sendo assolada pelo aumento expressivo de importações de países que praticam concorrência desleal, especialmente a China, razão pela qual a busca pela implementação de medidas de defesa comercial como hard quota são importantes para reduzir a penetração crescente de aço nestes países. “A presente medida anunciada pelos EUA se baseia no problema subjacente que a indústria siderúrgica latino-americana vem alertando há mais de 15 anos, mas que tem visto uma séria aceleração nos últimos anos: o comércio desleal da China, que adotou uma política estatal de monopolizar a manufatura global por meio de empresas estatais e subsídios”, contextualiza o presidente da entidade, o argentino Ezequiel Tavernelli.
Além disso, associada a essa questão, o executivo bate em outra tecla já diversas acionada pela Alacero, que em síntese assevera a importância do bloco no panorama internacional, que apresenta a oportunidade histórica de estabelecer uma cadeia de suprimentos regional, na qual a indústria do aço da América Latina pode desempenhar um papel de liderança com base em sua capacidade de produção com uma das menores pegadas de carbono do mundo, por meio da inovação e do talento de sua gente. “A regionalização parece ser a melhor ação de defesa contra o comércio desleal da China e dos países do Sudeste Asiático, por meio da coordenação de medidas tarifárias que permitam enfrentar as ameaças reais existentes”, sublinha o dirigente.
Assim, para Tavernelli a expectativa é de que a análise racional e lógica prevaleça, e de que a aliança estratégica que os Estados Unidos formaram no passado com os países latino-americanos possa ser efetivamente reconstruída. “Na Alacero estamos à disposição de nossos parceiros, governos e comunidades para promover essa agenda de diálogo e alcançar um futuro melhor para a indústria da região, defendendo o emprego e o desenvolvimento local”, finaliza.
A PALAVRA DA INDÚSTRIA
Em linha com esse pensamento, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) também se manifestou a respeito, indicando que a adoção de alternativas consensuais que contemplem os interesses das duas nações deverá ser a melhor ferramenta para reverter a decisão dos Estados Unidos.
“Essa medida é prejudicial tanto para a indústria brasileira quanto para a norte-americana. Lamentamos a decisão e vamos atuar em busca do diálogo para mostrar que há caminhos para que seja revertida. Temos todo o interesse em manter a melhor relação comercial com os EUA, que hoje são o principal destino dos produtos manufaturados do Brasil, mas precisamos conciliar os interesses dos setores produtivos dos dois países”, registra em nota o presidente da entidade, Ricardo Alban.
No mesmo comunicado, o dirigente destacou ainda que a parceria econômica entre Brasil e Estados Unidos é estratégica para a indústria brasileira. “Temos fluxos comerciais e de investimentos altamente diversificados. A CNI trabalha para aprofundar essa relação por meio de uma agenda voltada ao fortalecimento do relacionamento bilateral e da integração internacional”, completa, registrando a necessidade absoluta de se preservar a bom termo essa relação comercial histórica.

Seguindo nessa toada conciliatória, quem também se manifestou a respeito foi a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil). No entendimento da entidade, a indústria siderúrgica brasileira possui significativo grau de integração com os Estados Unidos. Prova disso é que, em 2024, as empresas brasileiras importaram US$ 1,4 bilhão em carvão siderúrgico americano para a produção local de aço, e, simultaneamente, importa um volume relevante de bens fabricados com aço dos Estados Unidos para abastecimento de vários setores, incluindo os de máquinas e equipamentos, peças para aeronaves, motores automotivos e de outros bens para a indústria de transformação nacional. “Mas, com as sobretaxas, há o risco de redução das importações brasileiras desses produtos de origem norte-americana”, contextualiza o documento a Amcham.
Dessa forma, a Câmara Americana grafa no comunicado que espera que os governos do Brasil e dos Estados Unidos busquem uma solução negociada para preservar o comércio bilateral, que tem registrado recordes nos últimos anos, com ganhos para ambas as economias e expressivo superávit para o lado americano. Aliás, é o que comprovam as últimas estatísticas americanas divulgadas no relatório Import Export Data by Country (US ITC), que mostram que os Estados Unidos registraram superávit de US$ 7,3 bilhões com o Brasil em 2024, um aumento de 31,9% ante 2023. E esse valor representa o sétimo maior saldo dos EUA com um parceiro individual em um ano.