Especialista brasileiro de uma das maiores tradings em Comércio Exterior do planeta fala sobre as controvérsias do tarifaço imposto pelos EUA.
Marcus Frediani
O comércio internacional, que sempre se pareceu mais com um jogo com movimentos estratégicos de xadrez, atualmente parece ter se transformado em uma partida de pôquer, repleta de truques e blefes, como insinua atestar o tarifaço de Donald Trump, considerado como um jogo de “perde-perde” por muitos operadores não só no Brasil como ao redor do mundo.

Para lançar luz sobre o assunto, a revista Siderurgia Brasil foi conversar com Daniel Cassetari, CEO da HKTC do Brasil, representante em nosso país da HKTC and Business Limited, multinacional com sede em Hong Kong, empresa especialista em Comércio Exterior e Exportação China-Brasil, que, em entrevista exclusiva, nos fez uma análise da situação atual, a partir das motivações e possíveis desdobramentos do imbróglio. Confira e tire suas próprias conclusões.
Siderurgia Brasil: Daniel, como você avalia a iniciativa do tarifaço de Trump? Ela vai realmente sustentar a proposta do “Make America Great Again”?
Daniel Cassetari: Desde o início, essa medida do Trump não se sustenta, e já era possível prever que se tratava mais de uma estratégia de chantagem política do que de uma política econômica estruturada. Ele tenta, com esse tipo de ação, reorganizar interesses internos dos Estados Unidos, mas o mercado atual é muito mais complexo do que essa visão simplista de “quem compra mais de quem”. O que Trump está tentando fazer é aplicar uma estratégia ultrapassada, antiquada mesmo, que já não faz sentido no cenário econômico atual. Isso é coisa de outra época. É surpreendente ver um país como os Estados Unidos, que sempre teve uma inteligência comercial tão sofisticada, se perder dessa forma.
Mas como essa ideia ganhou força?
Bem, ao longo das últimas décadas é que os Estados Unidos deixaram, por opção própria, de ser um polo de fabricação de diversos produtos. As próprias empresas norte-americanas optaram por não produzir mais determinados itens internamente porque não viam mais vantagem competitiva ou financeira. Elas entenderam que, especialmente na China, havia ganhos logísticos, operacionais e de custo muito maiores. Essa transição já está consolidada e faz parte de uma lógica globalizada, na qual o que importa para o empresário é o lucro e a eficiência, ou seja, não uma balança comercial nacionalista.
Enquanto os EUA abriam mão da produção de bens industriais, assumiram a dianteira em áreas como tecnologia, inovação e serviços digitais, focando em setores de maior valor agregado. Mas, fazendo isso, acabaram por abrir espaço para outros países como a China assumirem a produção industrial. Assim, o cenário atual é uma consequência da especialização global. Só que, para Trump, isso parece ser interpretado como perda de soberania ou desvantagem comercial, quando na prática é uma reconfiguração estratégica. Por isso, como já assinalei, esse embate não deve se sustentar por muito tempo. A tendência é que ele recue. No máximo, deve haver algum ajuste pontual, mas nada que reverta a estrutura comercial atual. Inclusive, o próprio mercado norte-americano já está reagindo negativamente a essas medidas, porque o que na verdade está em jogo são fatores produtividade, custo e estabilidade. Assim, o impacto mais imediato e grave vai se dar no próprio mercado americano. Trump está mirando a China, mas quem está sofrendo com isso é a economia dos Estados Unidos.
E no caso específico do aço: quais deverão ser os impactos para a siderurgia chinesa e brasileira com a manutenção do tarifaço?
Como se viu, a reação da China às tarifas impostas por Trump foi imediata. E surpreendente, com o aumento do aço chinês de cerca de US$ 700 para US$ 1.500 por tonelada. Como reflexo disso, na China já se observa escassez de aço nas distribuidoras. O impacto é global, e, claro, o Brasil também está sendo afetado, já que importa aço da China, e os preços por aqui aumentaram mais de 50% a 60%, especialmente para produtos que o Brasil importa, como vigas em T, perfis em H e bobinas de aço, que registraram elevação significativa, o que tem gerado dificuldades tanto para os importadores brasileiros quanto para o próprio mercado interno chinês. Mas acredita-se que esse movimento seja passageiro. No curto prazo, os importadores brasileiros continuarão a ser fortemente prejudicados, assim como outros países que dependem da cadeia global do aço. No entanto, no médio e longo prazos, espera-se que o mercado se reorganize e os preços se estabilizem novamente.
OK! Embora isso gere conforto para os importadores, a entrada de aço chinês no Brasil continua a causar grande preocupação entre os produtores locais. Sabemos que essa é, essencialmente, uma questão de abastecimento do mercado, mas como você avalia essa situação?
Bem, no caso do aço, é importante destacar que o Brasil também é um produtor relevante. Somos autossuficientes em alguns tipos de aço, mas em outros ainda dependemos da importação, pois a produção nacional não é suficiente para atender a toda demanda interna. E, nesse contexto, a China tem desempenhado um papel fundamental como fornecedora. Com o tarifário dificultando as relações da China com alguns países, ela tem buscado novas rotas comerciais, e o Brasil está entre os beneficiados. Um exemplo claro é a soja: a China já aumentou expressivamente suas compras de soja brasileira, com contratos já firmados e embarques efetivados. Ou seja, embora o cenário traga riscos em algumas frentes, ele também cria novas possibilidades para o Brasil, especialmente para o setor agroexportador nacional.