Resultados do mercado do aço registrados em julho animam a esperança da retomada dos negócios entre os operadores do setor. Mas grandes desafios ainda persistem.
Marcus Frediani
No dia 14 de agosto, o Instituto Aço Brasil divulgou os dados referentes ao mês de julho de 2020. E a boa notícia é que eles confirmaram a trajetória de recuperação do mercado interno e, em consequência, do avanço da indústria brasileira do aço. No mês sete, a produção aumentou 21,2% e as vendas internas 9,1% na comparação com o mês de junho. O consumo aparente de aço cresceu 5,5% também frente ao mês anterior.
No entanto, dois fatores informados na atualização mensal da entidade não foram considerados tão positivos assim, e ainda causam preocupação. Em primeiro lugar veio a constatação de que, apesar da melhoria das condições do mercado interno, a utilização da capacidade instalada continua muito baixa, no nível de 60,5%, quando o ideal seria uma taxa superior a 80%. E, em segundo, as exportações, que poderiam ajudar a reduzir essa elevada ociosidade no setor, sofreram queda de 18,6% em relação ao mês de junho, devido às condições adversas do mercado internacional, que tem hoje, um excesso de capacidade acima dos 400 milhões de toneladas, o que leva a uma escalada protecionista.
“O incremento das exportações tão necessárias à indústria do aço e a indústria de transformação como um todo, que também tem hoje elevada ociosidade, passa pela melhoria da competitividade, passa pela recomposição imediata, emergencial do Reintegra. Este, hoje em 0,1%, precisa ser elevado para 3%, o que permitiria o ressarcimento parcial dos resíduos tributários, até que a reforma tributária, em discussão no Congresso, seja aprovada e a cumulatividade dos impostos, presente no sistema atual, seja eliminada”, pontua Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil, ao comentar tais resultados. Ainda segundo ele, o restabelecimento da alíquota do Reintegra ao patamar dos 3% possibilitará que a indústria de transformação, além de recuperar os níveis de produção anteriores ao início da pandemia, também consiga aumentar a oferta de empregos qualificados no país.
EVOLUÇÃO MÊS A MÊS
Os números registrados no mês de julho trouxeram certo alívio e esperança aos operadores da cadeia do aço, notadamente quando comparados aos do 1º semestre de 2020 divulgados pelo Aço Brasil, que desfiaram um rosário de desempenhos negativos relacionados aos impactos da pandemia da COVID-19 no Brasil e no mundo. No período, a produção brasileira de aço bruto caiu 17,9% ante o mesmo período de 2019, enquanto as vendas internas sofreram queda de 10,5% de janeiro a junho – mesmo percentual de decréscimo do consumo aparente (-10,5%) –, enquanto as exportações diminuíram 8,1% e as importações, 17%.
“O sentimento entre nós é de que o pior já passou. Estamos em uma trajetória de retomada, o que é bom para o setor, bom para o país e bom para a indústria de transformação. Mas isso não é suficiente, porque nosso grande dilema, agora, é aumentar o grau de utilização da capacidade da usinas”, sublinha o presidente do Aço Brasil, salientando como desafio iminente para que isso aconteça a reativação de quase uma dezena de altos fornos que foram abafados durante a pandemia e que ainda continuam paralisados.
Seja como for, a sensação agora é de que o cenário está melhorando. Após atingir o “fundo do poço” em abril, a indústria siderúrgica brasileira vem registrando consideráveis avanços no mês a mês. Assim, embora tomando como base deprimida os resultados dos meses anteriores, os números de junho foram melhores do que os de maio. E o mesmo aconteceu com os de julho, inaugurando a expectativa de uma recuperação tímida, mas gradual, de resultados no cômputo final do 2º semestre deste ano.
CONFIANÇA EM ALTA
Embora se saiba que problemas existem, a disposição para resolvê-los, entretanto, parece grande entre os operadores do setor. É o que atesta, por exemplo, o Índice de Confiança da Indústria do Aço (ICIA), que avançou 8,0 pontos em agosto frente ao mês anterior, chegando a 70,8 pontos. “O aumento da confiança dos CEOs do setor pelo segundo mês seguido aponta a melhora da percepção sobre a situação atual. E, com esse resultado, o ICIA ultrapassou o patamar pré-pandemia do COVID-19 (70,2 pontos em fevereiro) e atingiu o segundo maior patamar da série histórica, iniciada em abril de 2019”, destaca Lopes.
Outro “medidor” que registra o momento de otimismo do setor diz respeito às boas expectativas que rondam as discussões e a aprovação da Reforma Tributária, tema sobre o qual, na visão do presidente do Aço Brasil, enxerga-se um clima favorável entre Executivo e Legislativo. “A proposta do governo é convergente com os chassis das propostas que estão no Congresso. A Câmara dos Deputados está completamente comprometida com a questão – o Rodrigo Maia, presidente da Casa, respira Reforma Tributária. Já o Senado ainda vai ter de passar por um processo de ‘aculturamento’ e de maior conhecimento das propostas”, analisa, reforçando que ela é a mais importante dentro da agenda de reformas do governo Bolsonaro. “A prioridade absoluta está vinculada à retomada do crescimento do país. E essa retomada só pode acontecer se for feito o dever de casa”, complementa.
PROJEÇÕES E TENDÊNCIAS
Em função de tudo que está sendo visto, em termos de perspectivas, o Instituto Aço Brasil reviu mais uma vez suas projeções para o mercado de aço em 2020. Com o desempenho impactado pela pandemia, mesmo considerando a possível recuperação do mercado no 2º semestre, a estimativa é de retração: (-)13,4% em produção de aço bruto, atingindo 28.220 mi/ton, ante as 32.569 mi/ton, registradas em 2019; e (-)12,1% em vendas internas, batendo na cifra de 16.521 mi/ton, contra as 18.799 mi/ton do ano anterior. Enquanto isso, as exportações deverão cair, em volume, 14,4%, as importações 34,8%, e o consumo aparente 14,4%.
Em termos de tendências, a expectativa do setor para o mercado doméstico é de que, em 2021, o setor venha a se beneficiar com o destravamento dos projetos de infraestrutura e com a continuidade dos bons negócios na área de construção civil, fazendo com que ambos sejam os principais drivers de consumo de produtos siderúrgicos, com uma retomada mais lenta dos demais segmentos consumidores, como o automotivo. No panorama mundial, por sua vez, o grave abalo na economia dos países, ocasionado pela pandemia – que fez com que seus governantes adotassem medidas ainda mais restritivas de defesa comercial para proteção de sua indústria e dos empregos – deve perdurar, embora com força reduzida, ao longo de 2021.
“Nesse cenário, a COVID 19 expôs também a grande dependência que a maior parte dos países tem de insumos e produtos fabricados, principalmente, na China. Esta situação de vulnerabilidade gera reflexão sobre a necessidade de fortalecer as cadeias produtivas nacionais, para redução da dependência de outros países, valorizando a pesquisa e a inovação tecnológica e priorizando a geração de empregos no país”, deixa o recado Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil.