Geração de emprego e reforma tributária devem ser prioridades governamentais para estimular a economia e os negócios em 2020, de acordo com empresas que participaram do estudo “Agenda 2020” da Deloitte. E se o cenário realmente melhorar, há disposição para investimentos de maior impacto, como inovação tecnológica, contratações de profissionais e ampliação de unidades de produção e venda.

Marcus Frediani

Confiança no futuro dos negócios no Brasil e na recuperação de nossa economia é a grande boa nova trazida pela recém-divulgada pesquisa “Agenda 2020” da Deloitte. Em sua quarta edição, o estudo anual da gigante planetária na prestação de serviços de auditoria, consultoria empresarial, assessoria financeira, gestão de riscos e consultoria tributária para clientes públicos e privados dos mais diversos setores identificou as percepções e perspectivas de representantes de 1.377 empresas no Brasil, cuja soma das receitas corresponde a 50% do PIB nacional, totalizando R$ 3,5 trilhões em receita em 2019, considerando o valor deste de R$ 7 trilhões, com base no acumulado de 12 meses até o 2º trimestre de 2019.

Já a distribuição geográfica da amostra dividiu-se da seguinte forma, considerando a sede das empresas: 57% em São Paulo, 16% nos demais estados da Região Sudeste, 15% na Região Sul, 9% no Nordeste, 3% no Centro-Oeste e 1% no Norte do país. Do total dos respondentes, 62% estão em cargos de Conselho, Presidência e Diretoria. Adicionalmente, 39% dos participantes enquadraram-se na qualificação de empresas de bens de consumo, 24% de serviços, 14% de TI e Telecomunicações, 14% de Infraestrutura e Construção, 9% de Atividade financeira e 8% de Bens de capital.

TRANSFORMAÇÕES DISRUPTIVAS
O levantamento abordou as iniciativas que os empresários pretendem conduzir em diferentes cenários da economia e levantou sua visão sobre os pilares da política econômica do governo no ano passado e as prioridades a endereçar em 2020, visando à construção de um ambiente de negócios mais saudável. E a tônica principal é que, independentemente do cenário aparentemente ainda indefinido que vai se materializar ao longo do ano que se inicia, os empresários deverão continuar investindo em novas tecnologias, treinamento e formação de funcionários – com eventual aumento do número de profissionais contratados –, lançamento de novos produtos ou serviços e pesquisa e desenvolvimento. Em caso de melhora do cenário em relação ao atual, o investimento deverá ser ainda mais robusto.

De forma geral, o otimismo prevalece entre o empresariado brasileiro. Sete em cada dez entrevistados esperam que 2020 seja um ano positivo para os negócios. Segundo o levantamento, os líderes de negócios pretendem continuar investindo em iniciativas como novas tecnologias (item indicado por 74% dos entrevistados), treinamento e formação de funcionários (73%), lançamento de novos produtos ou serviços (67%) e pesquisa e desenvolvimento (58%). E, em caso de melhora do cenário em relação ao atual, o investimento em novas tecnologias sobre para 94% do total de entrevistados e a formação de funcionários receberá investimentos por parte de 93% das empresas.

“O resultado da ‘Agenda 2020’ sinaliza a preocupação emergente das organizações com as transformações disruptivas do mercado, que interferem hoje na capacidade de competir na era digital. Investir consistentemente em novas tecnologias e no aprimoramento do capital humano se torna então uma questão-chave, especialmente quando a economia se estabiliza e as empresas podem se voltar com mais força às suas estratégias de crescimento no médio e longo prazos”, explica o viés Altair Rossato, CEO da Deloitte.

CAPTAÇÃO DE RECURSOS
Embora as opções como emissão de títulos de dívida e abertura de capital (IPO) sejam ainda desconhecidas por cerca de metade das empresas participantes da pesquisa, o percentual e o número absoluto das empresas da amostra que sinalizaram tal interesse – 34, ou 3% da amostra total – representa um recorde na série histórica da pesquisa realizada há quatro anos pela consultoria.

“Após um ano positivo para o mercado de capitais no Brasil, as IPOs despontam como uma perspectiva real em 2020 para um número razoável de empresas. Por outro lado, as formas tradicionais de captação de recursos ainda tendem a predominar, em um contexto hoje diferente do histórico de altas taxas de juros que vivenciamos até aqui. Por isso, a governança e a adoção de boas práticas continuam sendo essenciais para organizações que buscam ampliar suas fontes de recursos”, analisa Renata Muramoto, sócia da área de Consultoria e líder do CFO Program da Deloitte.

Ainda no âmbito da captação de recursos, alguns desafios históricos apontados pela pesquisa em edições anteriores, entretanto, se mantiveram nesta edição, deixando clara a visão da maior parte dos entrevistados de que questões como o excesso de burocracia no caso dos bancos de fomento e do alto custo, em relação aos bancos de varejo, ainda continuam sendo problemas preocupantes.

ATIVIDADE ECONÔMICA
Quando perguntadas sobre quais seriam as ações prioritárias para que o Brasil tenha um ambiente econômico mais próspero, no qual as empresas possam retomar os investimentos e as contratações, 79% indicaram o estímulo à geração de empregos, item seguido por investimentos em infraestrutura (ferrovias, rodovias, hidrovias e portos, com 57%), ampliação da participação da economia brasileira no comércio exterior (54%) e aumento do número de concessões e leilões (52%).

“É natural a preocupação dos decisores empresariais com a melhoria da infraestrutura do País e da própria participação privada nessa área, por meio de concessões e leilões. Afinal, esses investimentos podem ser especialmente importantes para que o Brasil possa destravar gargalos históricos para as nossas cadeias de produção e distribuição, por exemplo. Dessa maneira, a inserção da economia brasileira no comércio exterior, outra prioridade identificada entre os empresários entrevistados, pode ser facilitada, em um círculo virtuoso no qual investimentos geram crescimento dos negócios e mais riqueza para o País” avalia Renata Muramoto.

Já no que diz respeito à gestão pública, o empresariado, de modo geral, deu aval de aprovação no estudo da Deloitte aos pilares centrais da política econômica conduzida em 2019, como os que levaram à redução dos juros básicos e à reforma da previdência, itens citados pela maciça maioria dos entrevistados. Fato digno de nota nos resultados do estudo, é que a Reforma da Previdência ainda é tema controverso numa avaliação geral dos empresários: 60% dos participantes consideraram que ela ainda favorece alguns grupos.

ABERTURA DE MERCADO
Por outro lado, a “Agenda 2020” apontou que há uma expectativa do empresariado de avanços maiores do Brasil em relação ao ajuste fiscal, à redução da burocracia, ao combate à corrupção e a ações de impacto social, como saúde, educação, meio ambiente e segurança pública −, estas figurando entre os itens que registraram as maiores taxas de insatisfação. Segundo os entrevistados insatisfeitos com os ajustes fiscais especificamente, o que foi realizado até o momento não se mostrou suficiente para trazer o equilíbrio necessário às contas públicas.

A pesquisa registrou também a existência de uma demanda do empresariado por mais abertura aos mercados internacionais, que na visão deles, deve se dar tanto para mercados tradicionais – como China, Europa, Estados Unidos e Mercosul –, quanto para novos parceiros que tenham grande potencial de investimento no Brasil.

REFORMAR É PRECISO
No contexto de discussões sobre reformas modernizantes para o País, a Reforma Tributária – vetusta demanda do empresariado brasileiro – conforme 95% dos entrevistados deverá ser o grande norte e prioridade em 2020, a fim de estimular a instalação de um ambiente de negócios mais dinâmico e competitivo. Quando solicitada uma avaliação sobre este item, os respondentes não discutem propriamente a importância e necessidade de pagar impostos, mas sim o peso e a complexidade desses tributos. De acordo com 49%, o peso dos impostos e das taxas sobre as vendas e resultados das operações são o maior desafio na área tributária.

Ainda no âmbito das reformas vistas como necessárias, em segundo lugar, aparecem a Reforma Política, com 86% das respostas. Do total de respondentes, 71% indicaram como prioritária a Reforma Administrativa, seguida da necessidade do combate à corrupção (65%), bem como da desburocratização e das novas privatizações (ambas com 54%).

INVESTIMENTOS SOCIAIS
Em um mundo cada vez mais digital e conectado, a preocupação com a formação de profissionais qualificados para lidar com robótica, análise de dados, Internet das Coisas (IoT) e Inteligência Artificial (IA) demonstrou-se mais latente no levantamento da Deloitte. Assim, a educação permanece como principal preocupação dos empregadores nacionais entre os investimentos governamentais de impacto social. Na pesquisa, 91% dos participantes indicaram que os investimentos do governo em educação precisam aumentar, traduzindo uma preocupação maior com o tema em relação à edição anterior do estudo, que foi de 84%. Em segundo lugar, com 75%, os respondentes apontaram investimentos em saúde, item seguido por segurança pública (69%) e saneamento básico (55%).

“A ‘Agenda 2020’ indica claramente que os líderes empresariais estão acompanhando de perto uma série de temas da agenda pública, especialmente no campo social, e entendem que as respostas a essas pautas são capazes de influenciar a promoção da competitividade e da confiança para a realização de investimentos”, pontua ante a esses resultados Altair Rossato.

LIÇÃO DE CASA PARA O GOVERNO
No que diz respeito às prioridades para estimular a atividade empreendedora no Brasil, melhorar e ampliar as Parcerias Público-Privadas (PPPs) surgiu em primeiro lugar na pesquisa, com 56% das respostas. E esse resultado se confirmou quando se pediu aos respondentes uma avaliação da gestão pública, já que 70% afirmam estar insatisfeitos com o atual curso de concessões, leilões e privatizações porque, na visão deles iniciativas aconteceram em quantidade bastante reduzida. “A pesquisa evidencia que o empreendedor brasileiro está disposto a apoiar o Estado nas transformações de que o Brasil precisa. Para isso, no entanto, espera a consolidação dos marcos regulatórios que estimulem o investimento privado”, avalia Renata Muramoto.

Em segundo lugar, para estimular a atividade empreendedora, os entrevistados apontaram a necessidade de incentivos para que suas organizações se adaptem aos conceitos da Indústria 4.0 e da transformação digital, assim como a melhora nos processos de abertura e fechamento de empresas (ambos os itens com 55% das indicações). Na sequência, eles apontaram a necessidade de ampliar a oferta de crédito às empresas, com 50%. “O empreendedor está ciente da necessidade de se posicionar diante das disrupturas externas e, por isso, requer acesso facilitado ao capital e menos burocracia”, complementa Renata.

Finalmente, no que diz respeito às expectativas quanto ao governo Bolsonaro e suas diversas equipes, cerca de dois terços (ou 64%) dos entrevistados acreditam que ele irá endereçar apenas parcialmente todo esse conjunto de prioridades indicadas por eles próprios. As respostas otimistas, daqueles que acreditam que o governo será capaz de endereçar as prioridades apontadas, empataram com as mais pessimistas, de que ele não terá capacidade de endereçá-las (ambas com 17%).

NA PAUTA DO PLANETA
Tendências governamentais inovadoras para 2020 expressam as perspectivas de transformações para governos do mundo todo, e explicam como eles deverão se adaptar às mudanças sem precedentes que estão remodelando o cenário atual. E a chave para isso é trazer mais integração na relação público-privada.

Com as constantes transições, os governos precisarão ser mais intuitivos, reconhecer e responder às novas oportunidades trazidas pela tecnologia, além de identificar os desafios sociais e as necessidades dos cidadãos que surgem conforme o passar do tempo.

Conectar e otimizar fluxos de dados e processos são etapas essenciais para encontrar novas soluções. É necessário também aprimorar a segurança e criar experiências cidadãs personalizadas e abrangentes. A transformação exige o afastamento de sistemas e práticas obsoletos, com a substituição por novos modelos adequados à era da Inteligência Artificial.

A pesquisa global da Deloitte “Tendências governamentais 2020”, recentemente divulgada, apresenta nove perspectivas transformadoras para os governos atuais e os potenciais tópicos que podem ajudar líderes a encarar e acompanhar as inovações.

CONFIRA ALGUNS DOS PRINCIPAIS DESTAQUES DO ESTUDO:
Governo e a Inteligência Artificial –
A maneira como os governos adotam tecnologias cognitivas, tanto como regulador quanto como usuário, moldará costumes da sociedade e até da geopolítica nos próximos anos. Os setores público e privado estão se habituando ao novo panorama.
Cidadãos digitais – O aprimoramento da prestação de serviços públicos por meio de uma identidade digital exclusiva permite dados integrados e uma experiência cidadã mais eficiente.
Ciência comportamental e governo – Á medida que a compreensão sobre o campo da economia comportamental avança e como as pessoas fazem suas escolhas, saber como guiá-las gera melhores resultados e respeito pela autonomia humana.
Ascensão dos dados e a ética – Os governos desempenharão um papel importante em questões que giram em torno da ética dos dados, não apenas como o “proprietário” de grandes quantidades de informações, mas também como um regulador do uso de dados corporativos.
Governo antecipatório – A análise de dados, cenários e simulações permite direcionar prováveis problemas antes que eles surjam, desde detectar fraudes até combater doenças.
Cloud como fator de inovação – A tecnologia oferece uma oportunidade de desenvolvimento para países ao viabilizar mecanismos de conexão entre desenvolvedores e usuários, além de ter como base a inovação que se torna um ponto essencial.
Aceleradores da inovação – Aceleradores, incubadoras e “laboratórios” governamentais fazem parte de uma tendência emergente. Mapeamentos regulatórios permitem inovações privadas com uma maior flexibilidade em um espaço limitado.
Cidades inteligentes e serviços públicos – Como nas cidades inteligentes, governos integrados, conectados e sustentáveis implementarão tecnologia para atender aos cidadãos de forma colaborativa e abrangente, visando a melhora da mobilidade, cuidados com a saúde e o meio ambiente.
Experiência do cidadão – As ferramentas de experiência do consumidor podem ser efetivamente usadas para atender não apenas aos clientes do governo, mas também a profissionais do setor, entidades regulamentadas e negócios.