Embora sujeito às intempéries internacionais, o futuro do nosso comércio exterior, bem como da economia de nosso país dependem do esforço de todos e de cada um dos brasileiros.
Marcus Frediani
O comércio exterior brasileiro encerrou 2019 com números não muito animadores, aquém do potencial do país. Segundo informações divulgadas pela Imprensa, e ainda não consolidadas, no comparativo com 2018, tanto o valor das nossas exportações quanto das nossas importações recuaram no último ano. E, embora tenhamos fechado o ano com a boa notícia do “armistício” comercial entre os Estados Unidos e a China, tivemos outra não muito boa, advinda da delicada situação proporcionada pelos problemas relacionados ao Irã, criando um novo cenário de inseguranças, o que, certamente, já está inspirando uma atitude de cautela em nossa esfera governamental, no sentido de se manter longe das conturbadas relações entre os citados países.
Porém, no entendimento de João Marcos Andrade, professor do curso superior de Global Trading do Centro Universitário Internacional – instituição de ensino superior do Grupo Uninter, com sede em Curitiba/PR –, nem a combinação desses resultados adversos com as preocupações originadas pelo atual e insidioso jogo de xadrez internacional deverão arrefecer as possibilidades e oportunidades que deverão se abrir para o comércio exterior brasileiro já neste ano e além. Confira as opiniões dele, transmitidas com altas doses de otimismo no futuro, nesta entrevista exclusiva que ele gentilmente concedeu ao Anuário Brasileiro da Siderurgia 2020.
Siderurgia Brasil: Como você analisa as perspectivas de crescimento anunciadas para a economia brasileira em 2020, após um 2019 que não inspirou grandes comemorações?
João Marcos Andrade: Nãohá dúvida de que problemas vivenciados pela economia brasileira no ano passado se refletiram no resultado do nosso comércio exterior. Assim, quando elevamos a visão para o mercado externo, de fato observamos, sim, uma situação um tanto quanto diferente em relação ao nosso mercado doméstico, uma vez que a realidade da economia mundial não é das melhores, e os reflexos obviamente são de grande impacto desde o fator globalização, até as decisões autoritárias de grandes chefes de Estado, nesse ponto, sempre com maior ênfase, aquelas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Contudo, a trégua na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China proporcionou um vislumbre de horizonte favorável ao crescimento econômico global em 2020. Tanto que, mais precisamente no dia 15 de janeiro de 2020, já se instalou um novo cenário a partir de publicação de retomada das negociações entre essas duas maiores potências mundiais, num gradiente que já definiu compromissos mais extensos, principalmente por parte da China, que se comprometeu a elevar seus níveis de compras dos Estados Unidos para equalizar e, de certa forma, equilibrar a balança comercial entre as duas bandeiras, que há anos, de forma muito extensa, se encontrava favorável aos interesses asiáticos. Assim, com esse novo cenário, a economia mundial já respira ares mais tranquilos e otimistas, que já influenciam e tiveram reflexos positivos nas bolsas e nas cotações cambias para alguns, porém, ao mesmo tempo não tão positivos para outros, o que é natural num mundo no qual o acirramento da concorrência é sempre uma característica marcante.
E os recentes acontecimentos no Irã, que peso exercem no cômputo geral desse cenário?
Bem, em relação aos episódios Estados Unidos X Irã, ainda é cedo para definir uma prospecção quanto ao reflexo na economia mundial, haja vista as sanções já existentes contra o país do Oriente Médio por parte da própria Organização das Nações Unidas (ONU), e também do mercado americano, de forma que, por mais terrível que possa ser qualquer resquício de guerra, tem-se a perspectiva de que a economia mundial não sofreu ou sofrerá grandes reflexos, ao menos enquanto não há deflagração evidente ou iminente de um conflito com poder militar entre as duas nações.
OK! Mas esse problema com o Irã não pode gerar algum tipo de contrapartida negativa no que diz respeito às exportações das commodities do Oriente Médio – notadamente, o petróleo – para o mundo? Há fundamento nessa preocupação, ou, como se diz no jargão popular, “não é para tanto”?
A resposta mais prática seria essa mesma: “não é para tanto”. No que diz respeito a isso, existe mais especulação do que, realmente, fato. Claro, houve a horrenda derrubada do avião, ato que deveria ser punido com as mais severas penas internacionais, pela tristeza sem fim de mais de 170 famílias de várias partes do mundo, a maioria delas do próprio Irã. Isso foi uma demonstração de que não há preparo em nenhuma iminência de guerra, e de que o homem chegou a um tal estágio de temor e preocupação, no qual o soar de uma sirene já passa a ser suficiente para ele agir de maneira desesperada e inconsequente, com pura falta de raciocínio, razão e ponderação em várias circunstâncias. Pode, sim, de certa forma, haver algum reflexo nas exportações de commodities dos países árabes para o resto do mundo, mas não com tanta força. Até porque a Arábia Saudita, que é o maior exportador dessas riquezas, é grande parceiro comercial dos Estados Unidos. Então, com certeza não observaremos reflexos tão severos, até considerando que as sanções comerciais ao Irã já vem sofrendo há muito tempo, desde que o ex-presidente iraniano Mahmold Armadinejad mantinha firme o propósito de enriquecer urânio acima do permitido e acordado globalmente via ONU, que era de até 20%. Então, no Ocidente os impactos por aqui não serão sentidos.
Na prática, que tipo de implicações negativas – diretas e indiretas – a trégua na guerra comercial entre Estados Unidos e China trará para os exportadores brasileiros?
Tais impactos, infelizmente, são iminentes em vários aspectos de negócios, como, por exemplo, no que tange à comercialização de produtos brasileiros nos quais haviam perspectivas de alta de taxas alfandegárias (imposto de importação), americanas para entrada de produtos chineses nos Estados Unidos, ainda mais considerando que, no início de janeiro, houve de fato sinal de trégua entre os dois países na questão das altas de alíquotas. Porém, a China havia se comprometido a importar cifras de produtos brasileiros em torno de US$ 32 bilhões nos próximos dois anos, incluindo produtos agrícolas tais como a soja, sendo que o Brasil já surgia como um substituto dos Estados Unidos nas exportações dessas commodities para a China, o que revela impacto direto nos negócios que estavam na iminência de ocorrer, e que, agora, passam por revisões e, infelizmente, em alguns casos, até por pedidos de cancelamento. Contudo, há condições que permitem o seguro das exportações. Então, todos os contratos já firmados são passíveis de serem observados com mais atenção, para averiguação quanto a possíveis garantias em relação à continuidade dos negócios com o país asiático, lembrando que o Brasil possui ótima relação comercial tanto com os Estados Unidos, quanto com a China, ambos os maiores parceiros comerciais brasileiros.
Para enfrentar essa reviravolta, fatalmente os exportadores brasileiros terão que rever seu planejamento estratégico dos players brasileiros. De que forma ela deverá ser encaminhada?
A escalada dos avanços tecnológicos permite a revisão de várias características em planejamentos estratégicos de empresas, de forma que, por exemplo, paybacks em investimentos possam ser revisados considerando a necessidade de alterações dos projetos em andamento, uma vez que aqueles definidos e elaborados para longo prazo dependem de ajustes e aperfeiçoamento quase que a todo tempo. Sem dúvida, as teorias mais contundentes para revisões de planejamentos estratégicos na atualidade passam diretamente pelo acompanhamento das perspectivas financeiras para o setor onde o negócio está inserido. Por exemplo, se estivéssemos comentando uma partida de futebol profissional, caso um dos times estivesse com seu “meio de campo” sobressaindo em relação ao adversário, provavelmente comentaríamos que esse time estaria com mais da metade das chances para vencer a partida. Na revisão de planejamento há a convicção de que a analogia é válida, considerando que o “meio-campo” nos negócios é exatamente “o” planejamento estratégico. Ou seja, é por ele que passam todas as “jogadas” de efeito na tomada de decisão. E, no atual cenário global, o fato é que a partida se decide sempre no tempo normal, não há tempo extra de prorrogação ou disputa de penalidades máximas, pois, a cada ano, as tomadas de decisão são praticadas em tempo menor, e as revisões de planejamento precisam se basear nas previsões globais e nas constatações do mercado.
Tendo tudo isso como pano de fundo, na prática, o que vai mudar com a iminente entrada do Brasil na OCDE?
Essa organização, criada no pós-Segunda Guerra, que agrupa nações com fortes apelos quanto à transparência nos negócios, à promoção do bem-estar entre seus cidadãos, ao combate à corrupção, à facilidade para geração de novos negócios. Tudo isso, que o Brasil passou a viver recentemente, tem potencial para gerar boas mudanças. E a vontade e a atenção que o governo está dando a esse fato comprova isso. Por exemplo, que em 17 de janeiro de 2020, o governo federal anunciou a criação de uma Secretaria Especial voltada exatamente para explorar a entrada na OCDE, enfatizando a relevância da presença do Brasil nessa organização, na qual, aliás, é tão difícil entrar, tanto que na América Latina apenas dois membros, Chile e México, conseguiram ser admitidos. A participação e a presença na OCDE abre portas para facilitação de acordos bilaterais ao mesmo tempo em que situa o país no “Clube dos Bons Negócios”. E como geração de negócios é baseada em primeiro lugar em confiança, esse grupo é seguramente uma ótima oportunidade para o Brasil apresentar suas reformas como a da Previdência e a Tributária, que está em início de debate, com promessas de políticos “graduados” no Congresso assumindo o compromisso de apresentá-la ainda no primeiro semestre de 2020. A perfeita observância de todas essas ocorrências permitirão ao Brasil um lugar ao sol nos negócios internacionais. Mas não apenas isso, pois a participação de nosso país na OCDE também despertará confiança no mercado interno, estimulará o comércio e fortalecerá a indústria, fatos que, quando ocorrem em consonância com os projetos de longo prazo do governo, tenderão a apontar crescimento econômico e sustentável.
Alguns players do mercado com quem conversamos acreditam que o fato de estarmos “baratos” aos olhos do mundo não será necessariamente argumento suficiente para turbinar nosso crescimento econômico, servindo apenas como argumento paliativo para inspirar novos e famosos “voos de galinha”. Na outra ponta, muitas atitudes da equipe econômica de Bolsonaro têm trazido certo grau de preocupação entre os exportadores. Então, como tais aparentes contradições podem ser positivas para o nosso desenvolvimento como nação?
Sempre que se fala de tributação a ideia que surge é de que o Brasil possui as mais altas tarifas do mundo, o que não é verdade. Vejamos, por exemplo, o que ocorre na importação de bens de capital, que permite às empresas brasileiras terem o direito de requerer um incentivo fiscal, que reduz a alíquota do Imposto de Importação para 2% ou até 0%, tanto em bens de capital, quanto em produtos de informática. Ou seja, incentivos fiscais para o incremento e desenvolvimento de novas tecnologias no país. Contudo, é necessário ponderar que para usufruir desses benefícios e incentivos fiscais, o importador precisa cumprir requisitos básicos, como, por exemplo estar ciente de que o bem a ser importado não pode ter produção similar nacional, exatamente para não prejudicar a indústria brasileira. Então, é necessário haver uma base sólida para expor contestações contrárias a visível retomada do crescimento da economia no Brasil. Basta partir de um horizonte que plasma a constatação que tínhamos, até muito pouco tempo, um crescimento negativo. Em outras palavras, estagnação total. Mas isso também já apresenta sinais de mudança, com crescimento estimado do PIB em quase 2% para 2020.
Pois é. Mas isso ainda não é pouco?
Claro que é pouquíssimo se compararmos o Brasil com a China, que em anos anteriores cresceria mais que 9%, mesmo se não exportasse sequer um container. Mas há diferenças colossais entre as duas nações, a começar pela população. Também é possível fazer essa comparação com outras nações não tão expressivas, diferentemente da China, para perceber que o Brasil não está em um voo solo do baixo crescimento. Muitas nações europeias estão, a duras penas, tentando se equilibrar nesse cenário completamente novo, no qual os mercados financeiros dormem com viés de alta, e acordam defasados, motivados por uma simples mensagem no Twitter, exposta de forma imprópria ou mal orientada por algum importante político global. Assim, é possível crer e perceber que o Brasil tem um cenário positivo pela frente, não apenas baseado nas ideias do novo governo. Pelo contrário: o mercado internacional já percebeu que é possível gerar negócios com segurança no país – segurança jurídica, fiscal e política no longo prazo. Esses ingredientes fazem certamente a diferença no “bolo” a ser preparado em 2020 no escopo básico de qualquer negócio.
Para finalizar, considerando tudo que já foi dito, como você enxerga o quadro de possibilidades para 2020 no que tange ao comércio internacional (exportações e importações) no âmbito específico do setor de aço e metais?
O Brasil ainda é – e continuará sendo por muito, muito tempo –, um dos principais mercados dessas commodities, obvia e principalmente pelas condições naturais abençoadas e prósperas, as quais, quando exploradas com responsabilidade, geram riquezas e segurança para estabelecimento de contratos no longo prazo. A exploração das minas de minério de ferro, por exemplo, mesmo com as tragédias de Brumadinho e Mariana, já demonstrou que elas são as principais riquezas do Brasil. E provam isso nos resultados da Balança Comercial, embora considerando o fato de que 2019 tenha demonstrado uma frágil recuperação. Aliás, até com queda na ordem de quase 7% em relação a 2018, deve-se considerar que tal fato é motivado também pela tímida e minúscula demonstração de crescimento da economia mundial. Porém, é interessante pensar, por exemplo, que o setor da construção civil já sinaliza melhora, já apresenta previsões otimistas, gerando, assim possibilidades de mais negócios para o setor de aço e metais. Some-se a isso também a agenda de obras para infraestrutura no país, que, sem dúvida, aquece o setor de aço, de metais, de minério de ferro, além daqueles da construção e da engenharia civil, bem como o de serviços especializados, tais como as consultorias para grandes investimentos.
E dá para acreditar nisso de verdade, tendo como base o que até agora foi demonstrado e conquistado pelo governo Bolsonaro e pela sua equipe econômica?
Veja bem, o primeiro semestre de 2019 foi pífio: governo novo ainda organizando a “casa”. Os famosos “100 dias” de qualquer novo governo são uma incógnita geral, e isso causa impactos negativos imediatos, pois a economia não permite incertezas e desconfortos. E foi esse o cenário encontrado pelo atual governo quando assumiu o Palácio do Planalto. Não estamos falando aqui de uma receita que, ao não ser apreciada, é simplesmente substituída e o problema está resolvido, pois a “receita” para o crescimento econômico tem vários ingredientes, entre os quais a confiança na política fiscal, a transparência nos negócios, um Poder Judiciário independente e “justo”, que é a sua maior atribuição. Então, é possível, sim, acreditar na subida da economia brasileira. Mas acreditar não basta: é preciso arregaçarmos as mangas e, cada um de nós, contribuirmos com o nosso “melhor” em nossas áreas de atuação, visando o crescimento do país, e não reprovar atitudes do Congresso Nacional e do Poder Executivo apenas por questões ideológicas políticas de oposição. É necessário a gente se sentar à mesa para agregar, com propostas de recuperação e ideias de geração de oportunidades e apresentação de disponibilidades para, efetivamente, produzirmos em prol do crescimento da nação, algo que será bom para qualquer partido político, bem como para todos os cidadãos do Brasil. Afinal, não somos apenas futebol e Carnaval: somos, sim, uma nação digna e capaz de figurar entre as maiores potências mundiais. Basta consolidarmos projetos e trabalharmos, porque o futuro, com certeza, é vigoroso.