A chegada da Transformação Digital e de seus protagonistas – a Indústria 4.0 e a robotização – propõe muitos enigmas e dúvidas, que, no entanto, podem ter soluções muito mais simples do que se pensa.

Marcus Frediani

A notícia é bem recente: o estado de São Paulo acaba de ganhar seu Centro Afiliado da 4ª Revolução Industrial, em parceria com a iniciativa privada. O anúncio foi feito no dia 22 de janeiro, pelo governador João Dória, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, no mínimo para dar maior projeção e divulgação internacional ao fato. “Iniciativa pioneira e inovadora do governo de São Paulo e deste Fórum. A quarta revolução industrial é um passo para o futuro, que irá gerar empregos, fortalecer o empreendedorismo e colocar São Paulo na plataforma mundial”, afirmou Doria na ocasião, sem, é claro, deixar alguns articulistas da política brasileira de “orelha em pé”, porque, afinal, todo mundo sabe que Doria sonha com voos mais altos, endereçados, quem sabe, à conquista de uma cadeira de alto prestígio, num lugar muito especial, localizado no Planalto Central do Brasil. Mas isso, é outra história.

O que na verdade interessa aqui é que a inauguração do escritório do novo Centro – prevista para maio no campus do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), durante o Fórum Econômico Mundial para a América Latina, é, indiscutivelmente um fato pioneiro. Oitavo no mundo, ele insere o Brasil na rede dedicada à Governança Global de tecnologia, juntamente com China, Japão, Índia, Colômbia, Israel e Emirados Árabes. Ele foi lançado como parte do Projeto CITI (Centro Internacional de Tecnologia e Inovação), que já está em andamento, e tem como objetivo criar o “Vale do Silício” brasileiro, tornando São Paulo uma referência global em ciência, tecnologia e inovação.

Inicialmente, a unidade atuará com marcos regulatórios e políticas públicas que acelerem a implementação, no território nacional e no mundo, de algumas soluções relacionadas a políticas de dados (Big Data), Internet das Coisas (IoT), Cidades Inteligentes, Robótica, Inteligência Artificial e Blockchain, por meio de troca de informações e conhecimentos entre as equipes desses países – e de outros que se espera também venha a aderir à proposta –, com o objetivo de acelerar o processo global de adoção de tecnologia.

PREGUIÇA DISRUPTIVA
E movimentações como a descrita acima, tendem a ficar cada vez mais frequentes no Brasil, cada vez mais, também, à medida em que termos no âmbito da Transformação Digital (TD) relacionados no parágrafo anterior forem ganhando mais e mais espaço no noticiário e, na prática, na vida dos negócios. Apesar da familiaridade com as expressões e do interesse em investimentos de companhias de diferentes setores nessas frentes, a Minsait – companhia líder em consultoria de TD e Tecnologias da Informação (TI) na América Latina –, destaca, entretanto, que parte das empresas brasileiras ainda estão em busca de criar estruturação básica e madura necessárias para aportar esse tipo de tecnologia na sua forma essencial para o uso cotidiano e operacional dentro de suas fábricas. Nesse sentido, criar uma jornada realista, por meio de soluções inovadoras, com a utilização de dados qualificados de forma eficiente, segura e responsável é mandatório no processo.

Para sanar o problema e acelerar o passo rumo à TD, companhias no país têm investido em projetos iniciais de automatização de processos, chamados de RPA (da sigla em inglês “Robotic Process Automation”). “A finalidade dos projetos é variada. Ganho de eficiência operacional, aceleração do desenvolvimento de novas soluções, melhoria da experiência do usuário, redução de erros e agilidade de entrega são os principais que temos observado”, afirma Flávio Carnaval, head de Tecnologias Avançadas da Minsait no Brasil.

E o que mais chama a atenção nessa história toda é que cada vez mais companhias devem passar a fazer uso desse recurso nos próximos anos. Estimativas da Minsait mostram que mais da metade das empresas no planeta já está conduzindo ações voltadas à robotização de processos. Os projetos variam os seus custos dependendo da ferramenta escolhida, dos processos e suas complexidades, bem como os objetivos a serem atingidos. “Não há dúvidas que o ganho financeiro pode acontecer já nos primeiros meses. Cerca de 40% dos clientes esperam que o retorno aconteça entre seis a 12 meses, prazo em que frequentemente ocorre o payback”, destaca o executivo da Minsait.

Ainda de acordo com ele, os RPAs representam uma tecnologia importante e viável para criar eficiência operacional, uma vez que partir logo de início para tecnologias mais avançadas, que exigem alto grau de especialização e de Governança de Dados – um empecilho ainda a ser superado por diversas empresas no país – pode ser arriscado na hora de demonstrar os resultados em inovação para organizações que demandam retorno demasiadamente rápido. “Há uma tendência no mercado brasileiro em ser mais comedido na adoção de novas práticas e tecnologias disruptivas, até mesmo pela ansiedade em trazer retorno rápido e consistente. Muitas companhias ainda estão buscando formas de organizar os dados que possuem, tanto para protegê-los quanto para entender o potencial que apresentam. Nesse sentido, o RPA pode ajudar muito, já que é uma das disciplinas que mais tem trazido retorno e de forma ágil”, pontua Flávio.

Exemplos de tecnologias como essa deixam mais do que claro que a Governança de Dados é a chave para a Transformação Digital no Brasil. “E Capacitação é a palavra de ordem nesse momento. Líderes precisam estar cada vez mais informados a respeito das tecnologias adequadas para cada empresa e, mais do que isso, precisam reunir times multidisciplinares, capazes de analisar, reunir e segmentar informações valiosas para, então, aplicar processos de tecnologias avançadas capazes de trazer resultados cada vez melhores”, finaliza o head de Tecnologias Avançadas da Minsait no Brasil.

QUESTÃO DE CULTURA EMPRESARIAL
Com efeito, ao longo do processo de TD – e de seus “filhos” mais próximos, os adventos irrecorríveis da Indústria 4.0 e a robotização –, a questão do “medo” da disrupção é, sim, ainda um problema bastante preocupante entre os empresários brasileiros. Contudo, se novas tecnologias não param de chegar e ser incorporadas pelo mercado, por que tantos projetos de TD fracassam ou ficam aquém do desejado? Onde é que essas empresas estão errando ao ter esse receio?

“Uma pesquisa realizada com 1,4 mil executivos C-level (CEOs, CFOs, COOs, CMOs e outros cargos de alto escalão executivo de uma companhia) sinaliza que primeiro ponto para responder a essa questão passa por uma resposta simples: Transformação Digital não se faz só com aquisição de tecnologia. E a questão é que muitas empresas superestimaram determinadas tecnologias sem considerar o choque que causariam nas pessoas. Ou seja, o impacto nos colaboradores em diversos níveis”, afirma Mukund Seetharaman, vice-presidente e diretor regional da Wipro Limited na América Latina, empresa indiana de Tecnologia da Informação de atuação mundial e escritório no Brasil.

Ao mesmo tempo em que aponta a razão do problema, Mukund se apressa também em oferecer a solução, para ele, que embora pareça óbvia, não é lá colocada muito em prática pela maioria dos empresários e executivos. Qual é? Bem, é simples: os projetos de Transformação Digital que colocam as pessoas no centro das decisões têm mais chance de êxito do que aqueles que olham apenas para a adoção da tecnologia. É fato: diversas companhias optaram por trocar colaboradores que pareciam pouco adaptados ou familiarizados com as demandas de TD, em vez de se preocuparem em investir em educação, treinamento e capacitação para criar um ambiente favorável à inovação.

“A rotatividade de colaboradores foi altíssima nos últimos anos, em diversos níveis executivos e gerenciais. Muitas empresas não levaram em conta que qualquer processo, por mais automatizado que seja, sempre envolverá pessoas, portanto elas devem ser trabalhadas como pilar fundamental da transformação digital, e não apenas substituídas, pois assim o problema seguirá sem uma solução eficaz”, aponta o executivo da Wipro.

E é por isso que Mukund faz questão de deixar claro um “detalhe” fundamental, mas que muito empresário simplesmente esquece na hora de fazer os primeiros movimentos para embarcar na nova realidade de mercado: Transformação Cultural é parte da Digital. “Especialmente em empresas tradicionais, deve ser feito um trabalho intenso de conscientização quanto às necessidades da TD, no sentido de tornar a cultura corporativa mais ágil e dinâmica. Por isso, não adianta apenas contratar funcionários arrojados e inovadores sem que a cultura da empresa se transforme como um todo. Conflitos internos causados por culturas diferentes podem levar ao fracasso muitas das iniciativas de transformação digital que no papel pareciam tão prósperas. Não há fórmula mágica, a solução tem que ser construída continuamente. E essa transformação cultural precisa ser capitaneada pelos líderes dentro das corporações. Só com o esforço e o engajamento dos líderes essa nova cultura poderá ser disseminada pela empresa até que seja incorporada naturalmente”, ensina ele. Em outras palavras, a lição que fica é que “do digital” (do inglês, “fazer digital”) é diferente de “be digital” (ser digital). “Assim, para ser digital, a empresa terá que ir além da simples adoção de novas tecnologias. O caminho é trabalhoso, mas certamente trará benefícios”, conclui o VP da Wipro Limited.

EMPREGO VERSUS ROBOTIZAÇÃO
E a nova realidade do emprego? Como fica no meio desse furacão da Indústria 4.0 e da Transformação Digital? Bem, pesquisas internacionais desenvolvidas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm apontado elevada tendência de automação que podem resultar no fim de algo em torno de 47% de todos os empregos nos Estados Unidos, em um período compreendido entre dez e 20 anos. No Brasil, análise semelhante do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA), revela que há a possibilidade de substituição de 54% dos postos de emprego por alguma tecnologia de automação, no mesmo período. De acordo com estudo, divulgado no primeiro semestre de 2019, trabalhadores pouco qualificados e atuando em funções de rotina estão mais propensos a sofrer demissões se comparados aos profissionais com maior qualificação. Já pessoas que atuam em áreas que exigem habilidades complexas, criatividade, intuição, adaptabilidade situacional e interação pessoal são menos ameaças. 

Segundo o especialista em gestão Marcelo Camorim há um pensamento equivocado, que gira em torno do senso comum, no que diz respeito à automatização e robotização das funções. “As pessoas imaginam que o emprego irá acabar ou que as máquinas irão ocupar vagas humanas. Não é essa a realidade em países em que a automação ocorreu de forma mais intensa. O desemprego não cresceu. Nos Estados Unidos, a automação e robótica foram responsáveis por crescimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Com o PIB crescendo a economia se aquece e novos postos de emprego serão gerados”, sublinha.

Marcelo pontua, levando em consideração os dados da OCDE, que a capacidade de automação de uma nação cai quando há uma elevação do nível educacional e renda dos trabalhadores. “Quem tem menos qualificação e atua em profissões que exigem menos conhecimento, são as pessoas de linha de produção ou de atividades rotineiras, como cobrador de ônibus, assessor de call center ou caixa de supermercado. Essas profissões tendem a acabar”, enfatiza.

O especialista explica que, mesmo que o Brasil esteja vivendo uma fase embrionária do processo de robotização, é preciso que o governo federal comece a pensar em políticas públicas de estímulo à educação e a pesquisa para que, em um cenário de 20 anos, a população esteja apta a nova realidade dos postos de trabalho. “Atividades rotineiras ligadas a todas as formas de profissão, inclusive analíticas, já estão sendo automatizadas. No campo jurídico, por exemplo, a inclusão de petições e o acompanhamento de processos já são feitos por meio de sistemas. Essa alteração modificou a estrutura dos escritórios”, afirma o especialista em gestão.

A PREOCUPAÇÃO NÃO É O CAMINHO
Compartilhando a mesma opinião, Marcos Campos, co-founder e sócio-presidente do Conselho do Gyntec, condomínio tecnológico localizado em Goiânia, explica que o cenário é de mudança. “Além de uma atualização nas profissões antigas, estão surgindo novas oportunidades de trabalho”, sinaliza. Para atestar o assunto, ele cita uma pesquisa desenvolvida pelo Conselho Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), realizada em 2019, que apontou que a robotização, a automação e a chegada de novas tecnologias levarão setores tradicionais da indústria a criar vagas de nível médio e superior em ao menos 30 novas profissões.

Tais transformações, aliás, já começaram a ocorrer e podem ser vistas em setores como o Automotivo e o de Petróleo & Gás, integrando o mundo físico e o virtual por meio de tecnologias digitais e Inteligência Artificial. Segundo Marcos, o cenário futuro vai exigir que os profissionais mantenham um processo contínuo de atualização e aprendizado ao longo da vida, com permanentes requalificações. “As competências socioemocionais, chamadas de ‘soft skills’, que incluem a capacidade de trabalhar bem em equipe e a criatividade, serão de suma importância na Indústria 4.0. As estruturas empresariais tendem a ser menos verticalizadas e a exigir uma rotina mais colaborativa para aumentar a produtividade”, contextualiza.

Nesse ponto, parece oportuno lembrar ainda que o fim de diversas profissões por conta do avanço da tecnologia não é novidade alguma na história humana. Para Klaus Schwab, presidente do World Economic Forum, a humanidade já demonstrou por três vezes sua capacidade de criar profissões e vagas de trabalho em volume superior ao perdido para a tecnologia. A mais memorável delas talvez seja a Revolução Industrial, conjunto de mudanças que aconteceram na Europa nos séculos 18 e 19. “Mas o que preocupa é que esta nova revolução em curso parece destruir empregos numa velocidade muito maior do que a sociedade está sendo capaz de criar novos postos”, observa Élcio Brito, diretor Tecnologia da SPI Integração de Sistemas, empresa de São Caetano do Sul, município da Grande São Paulo, composta por engenheiros e técnicos empenhados, como ela mesmo define, em “ajudar seus clientes por meio da tecnologia a excederem seus limites.

Uma vez pacificado que o fim dos empregos decorrente da automação não será uma fatalidade restrita às profissões do chão de fábrica é razoável questionar: em qual ambiente surgirão as oportunidades para a criação de novas profissões? A resposta é dada por João Seixas, outro diretor da SPI: “Segundo George Westerman, cientista líder do MIT em Economia Digital, e seus colegas, possivelmente as empresas hoje com melhores chances de serem relevantes no futuro são as que estão à frente dos seus pares nas transformações de suas operações. Em outras palavras, aquelas capazes de usar a tecnologia para transformar suas operações em algo totalmente novo. E, como o próprio Westerman disse, “os gestores não devem ficar presos a propostas de uso da tecnologia como meio para produzir uma lagarta mais veloz. Devem, sim, usar a tecnologia para com o objetivo de produzir uma borboleta.”

Então, no que tange à questão do emprego nos tempos de Transformação Digital, o conselho da dupla de diretores da SPI dá aos empresários é: “Não se preocupe com os empregos. Preocupe-se em inovar em produtos e serviços para antever as necessidades de um cliente cada vez mais exigente.” Parece lógico, porque, afinal de contas, é o cliente quem paga a conta e, com isso, em última análise, é também quem garante o emprego de quem está na ponta da linha de produção de qualquer empresa, não é mesmo?