Mesmo com as sinalizações otimistas relacionadas ao PIB e à retomada dos negócios no pós-pandemia, a indústria ainda tem sérios desafios a serem vencidos no contexto empresarial e da economia brasileira.

Marcus Frediani

Em entrevista exclusiva à revista Siderurgia Brasil, Ricardo Martins, presidente do Sindicato Nacional das Indústrias de Trefilação e Laminação de Metais Ferrosos, e da Associação Brasileira da Indústria Processadora de Aço (SICETEL/ABIMETAL) fala sobre o momento delicado vivido pelos setores que representa no Brasil, bem como da sua visão esclarecedora sobre a atualidade da indústria e da economia nacional. Confira!

Siderurgia Brasil: Nas últimas semanas, o Boletim Focus vem trazendo projeções cada vez mais otimistas de aumento do PIB brasileiro, mescladas, entretanto, com a previsão já esperada de elevação da taxa Selic até o final do ano e da escalada da inflação. Em síntese, o cenário de confiança prevalece. Isso passa uma sensação de confiança para você?
Ricardo Martins:
Estou muito preocupado. A gente tem um déficit fiscal muito grande, e há outros indicadores que talvez não nos permitam ter tanta confiança assim. A gente sabe que essa história do Boletim Focus e tudo mais tem muito a ver com a opinião dos bancos. E eles não tiveram ou estão tendo reflexos da pandemia, assim como os planos de saúde e os hospitais. Eles nunca perdem, todos performaram muito bem. Então, a história é “vamos vender otimismo, porque assim as pessoas consomem mais e a economia vai em frente”.

Bem, mas no capitalismo existe certa lógica nisso, não é mesmo?
Sem dúvida. Economia não é ciência. Assim, teoricamente até quem sabe valha a pena seguir por esse caminho. No entanto, as bases que temos não muito sólidas, o que nos leva a crer que essa é uma trajetória difícil. Chegar a um final de ano com crescimento de 3 “vírgula alguma coisa” vai ser um tanto quanto complicado em função de todos os problemas que o governo não enfrenta cara a cara. As reformas não devem sair, acredito que seria muito difícil isso acontecer. Por exemplo, a administrativa não conta com o aval do presidente. Ele é corporativista, sempre foi contra tirar alguma coisa dos funcionários públicos, então, tem uma possibilidade muito pequena de sair. Já a tributária a gente já vê o Paulo Guedes fatiando em três etapas, e com previsão ainda de uma quarta, que é aquela de criação de imposto sobre transações financeiras, ou seja, a volta da CPMF. Tudo isso é claro, acaba atrapalhando o otimismo com crescimento do PIB. Na verdade, estaremos só empatando com a inflação, e o crescimento vai ser corroído por ela, o que abre espaço, se nada for feito, mais uma vez abrirá espaço para a perspectiva do estigma de mais uma década perdida.

Falando agora em desempenhos setoriais, o mercado siderúrgico brasileiro teve um 1º quadrimestre bastante movimentado, de um lado alimentando queixas sobre desabastecimento interno e, de outro, boas perspectivas para os próximos meses. Como você avalia essa performance e o que se pode esperar daqui até o final deste ano?
Creio que podemos considerar que vivemos as benesses do crescimento dos preços na China. Enquanto os preços estiverem crescendo, as usinas aqui no Brasil vão continuar fazendo resultados, até porque elas têm interesses comerciais no mercado chinês e têm por lá os sócios que aportam capital nessas empresas para poder ter lucro. Sinto que o problema de desabastecimento ainda existe, porque ainda não temos um fornecimento pleno, o que continua dando motivos para reclamações. É óbvio que as usinas costumam olhar normalmente para o macro. Então, quando elas conseguem atingir 80% de atendimento da demanda, teoricamente pode-se dizer que está tudo resolvido. Porém, é inegável que ainda existem reflexos das horas paradas na pandemia que não foram equacionados pelos fornecedores de aço. Assim, alguma desorganização a gente ainda vai sentir por um curto espaço de tempo. Várias iniciativas como o religamento de fornos e reativação de unidades são sinais consistentes de que o pessoal está vendo com bons olhos a recuperação desse mercado.

E quais setores atendidos pela siderurgia nacional estão mais animados com esse processo de retomada?
Diria que o da Construção Civil é um deles. As expectativas desse setor para este ano vêm sendo muito favoráveis. Apesar de estarem reclamando de aumento de preços, os operadores que atuam nele venderam muito bem, e estão conseguindo cobrar esse aumento dos compradores que começaram a pagar pelo imóvel na construção. Por outro lado, o que a gente vê é que alguns setores do mercado de aço estão começando a sentir problemas de falta de demanda, principalmente localizada em produtos de consumo que vão para a classe B para baixo, porque muita gente que está nessa faixa perdeu o emprego ou convivem com a incerteza de perdê-lo. E o Auxílio Emergencial do governo, na média de R$ 150 a R$ 250, não está ajudando muito, porque esse dinheiro está indo todo para comprar comida. Então, não existe expectativa de boom de consumo, como houve no ano passado com aqueles R$ 600 que conseguiram aquecer o mercado, em um processo que repercutiu apenas até fevereiro, março de 2021. Além disso, começamos a sentir uma queda generalizada de abastecimento na indústria, como é o caso do setor Automobilístico, que vem sofrendo com a falta de insumos e até com uma “troca” de preferência dos consumidores, que, sem dinheiro no bolso, estão deixando de comprar carros para comprar motos, por exemplo, porque não estão conseguindo recuperar seu poder de compra. Então, enquanto não houver emprego para que isso aconteça, não adianta ficar dando Auxílio Alimentação para o resto da vida, porque, sem trazer novos compradores para o mercado, a coisa não vai melhorar.

Sem dúvida, vivemos um momento delicado, no qual o trabalho, a força e a união das entidades representativas de todos os setores da economia se revestem de grande importância. Tendo isso em tela, em quais projetos o SICETEL/ABIMETAL vem concentrando sua atuação nos dias de hoje?
Sem dúvida, um passo decisivo nesse sentido foi dado no final de 2018, quando criamos a ABIMETAL, em um momento em que o SICETEL – sindicato fundado em setembro de 1934 – buscava uma nova forma de atuação para, por meio de um modelo moderno de defesa dos interesses de seus associados, desenvolver e fortalecer o setor, ampliando o espectro de representação para outras empresas beneficiadoras de metais ferrosos, que antes não se enquadravam no escopo do Sindicato. Hoje, as duas entidades reúnem empresas de pequeno, médio e grande portes. São cerca de 100 associados, de capital nacional e estrangeiro, que representam o primeiro elo da cadeia produtiva à jusante da siderurgia. Atualmente, um tema sobre o qual vimos nos debruçando muito é o desenvolvimento de estratégias para que nossas empresas não saiam prejudicadas com os arroubos de redução tributária sobre produtos importados que o governo está tentando praticar, que é injusta e danosa para a competitividade da indústria brasileira, principalmente nesse momento em que enfrentamos a pandemia e o Brasil bate recordes no número de desempregados. Assim, estamos trabalhando muito pela PL 537, de autoria do deputado federal Marcelo Ramos, com o objetivo de tentar colocar um freio nessa ânsia de redução de tarifa de importação do governo brasileiro.

Enquanto isso, pautas mais importantes, infelizmente, continuam engavetadas no Congresso…
Pois é, enquanto a gente fica falando de isonomia de tratamento, você não vê o governo tomando nenhuma atitude com relação à redução de Custo Brasil, por exemplo. O que falta realmente é reorganizar a cadeia produtiva brasileira, para que a gente possa tirar proveito da globalização. Para reorganizar tudo isso, a gente precisa das reformas, que estão travadas no Congresso. Agora, reduzir a alíquota de importação não depende de ninguém: basta uma canetada.

Em face a esse cenário, infelizmente também, a atuação da Fiesp parece patinar. Muita coisa tem sido dita, mas, sem resultados positivos aparentes. E o fato de a Justiça ter barrado a chapa de oposição nas eleições para a Presidência da entidade, a serem realizadas no próximo dia 5 de julho, e que, para muitos, representava uma injeção de oxigênio na luta por novas conquistas junto ao governo, meio que jogou uma pá de cal nas expectativas desses por mudanças.
Isso, basicamente, aconteceu em função de uma artimanha do atual presidente da Fiesp, puxando a execução do estatuto da entidade, lançou a chapa da Federação em sigilo, em novembro do ano passado, não dando tempo à oposição, da qual eu e o Ricardo Roriz fazíamos parte, de organizar nossa chapa. Como resultado disso, restou apenas uma chapa na disputa pela Presidência da Fiesp, e o candidato único, que conta com o apoio decisivo do atual presidente, deverá assumir o cargo em 1º de janeiro de 2022, dando continuidade, de forma ineficaz, a tudo aquilo que vemos hoje. Em função dessa impossibilidade, nós, da oposição, montamos uma chapa para concorrer à Presidência do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, o CIESP, que, entendemos, é o legítimo representante das indústrias do nosso estado, com 7.000 indústrias associadas, que tem um número muito maior de representantes do que as 90 pessoas que irão votar na eleição da Fiesp, cujo vencedor, como se sabe, já está definido. A eleição do CIESP também vai acontecer no dia 5 de julho, e nós temos grandes chances de ganhar, até porque a gente fala daquilo que é a ambição dos industriais paulistas, que é retomar o protagonismo da indústria de nosso estado e no cenário nacional.