Em entrevista exclusiva, Jorge Oliveira, CEO da ArcelorMittal Aços Planos América do Sul, fala sobre a recente conquista da certificação ResponsibleSteel – inédita nas Américas e fora da Europa – pela unidade de Tubarão da empresa, e ainda sobre a crescente importância da ESG na indústria siderúrgica.
Marcus Frediani
Uma das questões que mais tem chamado atenção da siderurgia mundial é a da conquista de modelos de operação mais sustentáveis dentro da proposta da ESG, as três letrinhas mágicas que dispõe sobre tudo aquilo que, de maneira geral, poderia ser considerado o corolário do “politicamente correto” em termos da adequação à cultura industrial mirada na conquista de um futuro mais sustentável.
Com efeito – e felizmente –, a busca incessante por uma atitude ambiental, social e corporativa que compõe o sentido da sigla em inglês do Environmental, Social and Corporate Governance já rompeu a barreira da dialética meramente filosófica, para se transformarem em iniciativas e ações materiais cada vez mais integradas ao mundo real, plasmadas não só sob a forma de soluções estrategicamente endereçadas não só à preservação ambiental do planeta e das pessoas que nele vivem, como também à evolução inteligente dos modelos econômicos e empresariais vigentes. Em suma, trata-se de uma verdadeira revolução em curso, que vai além do papel das corporações para maximizar os lucros em nome de seus acionistas, cujos benefícios já se fazem sentir.
Nesse cenário, uma das empresas que mais tem sobressaído é a gigante ArcelorMittal, empresa líder mundial em produção de aço e mineração. Tanto que, globalmente, a empresa considera a questão da sustentabilidade como a base de gestão de seus negócios. E isso vem se traduzindo cada vez mais em ações concretas explicitadas pela companhia no âmbito do respeito aos preceitos da integridade e da boa governança, do uso racional dos recursos, do desenvolvimento de produtos e serviços inovadores, do controle dos impactos ambientais e do relacionamento responsável com empregados, fornecedores, comunidades, clientes e demais públicos.
E, no Brasil, o mais recente reconhecimento a esse diligente esforço foi a conquista de uma relevante e inédita distinção: a ArcelorMittal Tubarão passou a ser a primeira planta industrial nas Américas e fora da Europa a obter a certificação de sustentabilidade das suas operações pelos padrões da ResponsibleSteel, organização mundial referência para a produção de aço de maneira responsável. Para falar sobre ela, e ainda sobre outros temas ligados à proposta da ESG, a Revista Siderurgia Brasil foi conversar com Jorge Oliveira, CEO ArcelorMittal Aços Planos América do Sul. E dessa inspiradora interação, surgiu a entrevista exclusiva que você vai ler a partir de agora. Confira!
Siderurgia Brasil: Jorge, como você avalia a importância da conquista da certificação ResponsibleSteel pela ArcelorMittal Tubarão?
Jorge Oliveira: A ArcelorMittal Tubarão é a primeira planta industrial nas Américas a obter a certificação de sustentabilidade das suas operações pelos padrões da ResponsibleSteel, organização mundial referência para a produção de aço de maneira responsável. Essa conquista vem em consonância com a nossa busca constante por processos mais sustentáveis desde o fornecimento de matérias-primas até a venda das soluções para nossos clientes. Com a certificação, queremos que nossos clientes da indústria e a sociedade tenham certeza de que o nosso aço é produzido com responsabilidade em todas as suas etapas.
Que outras unidades do grupo também já receberam essa distinção?
As unidades da ArcelorMittal na Europa já possuem a certificação. Quatro plantas industriais do grupo na Bélgica (Gent, Geel, Genk e Liége), três unidades de Luxemburgo (Esch-sur-Alzette, Differdange e Rodange) e duas na Alemanha (Bremen e Bottrop) também já a conseguiram em julho de 2021. E, atualmente, nossa planta localizada em São Francisco do Sul/SC – a ArcelorMittal Veja –, está passando pelo processo de certificação.
Objetivamente, como se deu o processo de certificação da unidade de Tubarão? Quais itens ou fatores foram avaliados ao longo de seu desenvolvimento?
A unidade de Tubarão, maior produtora de aço das Américas, situada no município de Serra/ES, passou por um rigoroso procedimento de auditoria. O ResponsibleSteel criou um padrão de sustentabilidade que conta com 12 princípios ambientais, sociais e de governança. Tais princípios estabelecem metas de sustentabilidade com relação à disponibilidade de recursos hídricos, saúde e segurança, demandas de stakeholders, direitos humanos e trabalhistas e redução de emissões de gases de efeito estufa, possibilitando que altos padrões de sustentabilidade na produção e consumo sejam atendidos. Realizado pela consultoria independente DNV Brasil, o processo de auditoria consistiu no levantamento de informações aprofundadas sobre as práticas sustentáveis e trabalho de campo para recolher evidências com visita à planta industrial e entrevistas com stakeholders. A consultoria conversou com empregados e terceirizados, fornecedores, representantes de órgãos públicos, sindicatos e moradores do entorno da planta industrial.
E qual foi a abrangência desses levantamentos?
Foi bastante extensa. Apenas para dar um exemplo, 50 colaboradores da empresa e prestadores de serviço foram entrevistados diretamente pelos auditores. Uma lista com mais de 5 mil nomes foi disponibilizada pela empresa ao auditor responsável, que selecionou os empregados aleatoriamente. As questões focaram no ambiente de trabalho e relacionamento com colegas e gestores, saúde e segurança do trabalho, horário de trabalho e pagamento de salários e benefícios, plano de desenvolvimento de carreira, liberdade de filiação aos sindicatos, dentre outros assuntos.
Atualmente, quais são os principais compromissos no âmbito da Agenda ESG da ArcelorMittal mundo e no Brasil?
O Grupo ArcelorMittal lançou metas de reduzir suas emissões de CO₂ em 25% até 2030, e de se tornar carbono neutro até 2050. Globalmente, a companhia também já se comprometeu com investimentos de cerca de R$ 1,9 bilhão para o desenvolvimento de tecnologias de carbono neutro pelos Centros de Pesquisa & Desenvolvimento do Grupo ArcelorMittal. No Brasil, no âmbito ambiental, além da planta de dessalinização que entrou em operação em setembro do ano passado na ArcelorMittal Tubarão, a unidade firmou, no final de 2021, um convênio inédito no setor industrial capixaba: um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) pioneiro oficializado com a Cesan, concessionária dos serviços públicos de saneamento básico do Espírito Santo. O acordo prevê a compra mensal, pela produtora de aço, de 540 m³/h (150 l/s) e água de reúso de esgoto sanitário para fins industriais. E, para elevar cada vez mais seu patamar de gestão ambiental e ainda garantir a execução das metas e diretrizes previstas em termo de compromisso (TCA) firmado com o Poder Público, a unidade de Tubarão criou um programa, chamado “Evoluir”. Ele consiste em um conjunto de iniciativas próprias e que vão além do compromisso assumido e totalizam um total de R$ 1,8 bilhão em investimentos até 2023.
Na prática, o que tais iniciativas e investimentos irão contemplar?
Bem, no âmbito ambiental já estão em execução projetos que incluem a instalação de wind fences (barreiras para controlar a velocidade do vento e a poeira industrial) nos pátios de Carvão, Minério e Coprodutos, e o despoeiramento do Alto-Forno 1, Sinterização, Aciaria e pátio de Beneficiamento de Coprodutos. Também foi finalizada a instalação de uma quarta bateria na Coqueria. Além disso, uma série de ações e melhorias identificadas proativamente serão realizadas até 2023. Todos esses investimentos estão em aderência às melhores práticas mundiais em tecnologias disponíveis. Para dar transparência a esse conjunto de ações, foi desenvolvido um aplicativo de celular, o Evoluir ArcelorMittal, há dois anos, que permite à sociedade conhecer, de forma ágil, interativa e transparente, as ações empreendidas pela empresa em sua gestão ambiental e no cumprimento do TCA.
E de que forma essa dinâmica deverá se manifestar no âmbito social?
No que diz respeito às pessoas, a ArcelorMittal Brasil anunciou a meta de ter ao menos 30% de mulheres entre seus empregados até 2030. O desafio é para todas as unidades, incluindo Tubarão, e em todas as áreas, incluindo as atividades operacionais, administrativas e cargos de liderança. Atualmente, dos cerca de 16 mil empregados da ArcelorMittal Brasil, 17% são mulheres. Na área operacional, 7% são mulheres, e em cargos de liderança, 20%. Ainda em relação à gestão de pessoas, a ArcelorMittal adotou e mantém uma Política de Diversidade & Inclusão, que reforça o compromisso de pavimentar um caminho de mais respeito dentro da empresa. Dentre as ações previstas no Programa está o Comitê de D&I que atua em quatro grupos de afinidades (equidade de gênero, diversidade racial, pessoas com deficiência e LGBTQIA+) e é responsável pela definição da estratégia, métricas e indicadores, além da revisão das políticas e planejamento de ações a serem implementadas em curto, médio e longo prazos. Todo empregado pode se inscrever em qualquer um desses quatro grupos e contribuir para a construção de um ambiente mais diverso e inclusivo.
Algo como um “Programa de Sugestões”?
Sim. Os grupos vêm se reunindo mensalmente para trabalhar a partir de pilares estratégicos de atuação, e são responsáveis por sugerir iniciativas e projetos a serem submetidos ao Comitê Nacional de Diversidade & Inclusão. Atualmente, 1,3 mil empregados atuam ativamente como voluntários e aliados, que com os líderes dos grupos de afinidade e promovem iniciativas que contribuam para a transformação cultural que a empresa vem buscando.
Sem dúvida, um conjunto de ações bastante produtivo, que pode inspirar muita gente a seguir o exemplo da empresa. Mas, de maneira geral, como você avalia a qualidade, o nível de adesão e de comprometimento da indústria siderúrgica no Brasil com relação aos esforços endereçados à conquista de melhores e mais consistentes resultados no campo da governança ambiental, social e corporativa?
Acredito que exista um consenso generalizado na indústria de aço brasileiro de que, se desejamos realmente contribuir para atingir as metas ambientais estabelecidas pelo Acordo de Paris, é preciso mais do que avanços em termos de eficiência nos processos produtivos para se produzir um aço limpo. O setor já entendeu que é necessário pensar proativamente e buscar tecnologias e soluções sustentáveis para isso. E não faltam bons exemplos de pesquisas e iniciativas nesse sentido por todo o país. Acho que isso demonstra o nível de envolvimento e engajamento das empresas nesse sentido e, certamente, logo vamos ver os bons resultados dessa mobilização.
Para finalizar, qual é a análise que você faz do texto da nova Carta de Sustentabilidade, divulgada pela Worldsteel no último dia 3 de março, cujo conteúdo, revisado e ampliado, está organizado em nove princípios com 20 critérios associados, que abrangem aspectos ambientais, sociais, de governança e econômicos da sustentabilidade?
Sem dúvida alguma, a Worldsteel Association é uma das maiores e mais dinâmicas associações industriais do mundo. A ArcelorMittal é signatária da Carta de Desenvolvimento Sustentável da Instituição e foi fundadora do grupo de trabalho em Sustentabilidade do WorldSteel em 2003. Além disso, a unidade de Tubarão sediou o encontro internacional do grupo, em 2005, no qual foram discutidos os indicadores mundiais de sustentabilidade do setor de produção de aço. Entendo a nova carta da Worldsteel como atual e oportuna, especialmente nesse momento mundial, mais focado na sustentabilidade. Seu conteúdo está totalmente alinhado ao que pensamos e desejamos para a nossa companhia. A ArcelorMittal é uma empresa empenhada no compromisso com o mundo em que vivemos, com toda a nossa cadeia de valor. E isso inclui a segurança e o bem-estar dos empregados e das comunidades as quais fazemos parte. Nosso propósito é produzir aços inteligentes para as pessoas e o planeta, uma abordagem de longo prazo e que representa a filosofia do nosso negócio. Por isso, vemos como natural a inserção desses princípios e critérios na nova Carta da Worldsteel.