A relação entre mercados de carbono e o setor empresarial está em ascensão. Por conta disso, as mudanças do clima já são parte da agenda de executivos e conselheiros da indústria, incluindo, é claro, aqueles da siderurgia mundial e brasileira.

Marcus Frediani

No dia 19 de maio, o Governo Federal publicou o Decreto Nº 11.075, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Em outras palavras, a medida cria o mais moderno e inovador mercado regulado de carbono, com foco em exportação de créditos, especialmente para países e empresas que precisam compensar emissões para cumprir com seus compromissos de neutralidade de carbono. Durante o evento, o presidente do BB (Banco do Brasil), Fausto de Andrade Ribeiro, anunciou também um fundo de investimento com aporte inicial de R$ 2 milhões para o crédito de carbono e potencial de R$ 50 milhões. O objetivo é oferecer a possibilidade de um investimento com remuneração atrelada à sustentabilidade.

O regramento, aguardado desde 2009, traz elementos inéditos, como os conceitos de crédito de carbono e crédito de metano, unidades de estoque de carbono e o sistema de registro nacional de emissões e reduções de emissões e de transações de créditos. Prevê, ainda, a possibilidade adicional de registro de pegada de carbono dos produtos, processos e atividades, carbono de vegetação nativa e o carbono no solo, contemplando os produtores rurais e os mais de 280 milhões de hectares de floresta nativa protegidos, além do “Carbono Azul”, presente nas vastas áreas marinha, costeira e fluvial relacionada (incluindo mangues) do Brasil.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Atualmente, os mercados de carbono funcionam de duas formas. A primeira delas é o Mercado Regulado, desenvolvido no âmbito da ONU. Iniciado em 1992 com a Convenção do Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), teve avanços em 1997 com o Protocolo de Quioto, mas este só entrou em vigor de fato em 2005, quando foi convencionado que apenas os chamados “países desenvolvidos” teriam metas de descarbonização.

Contudo, 2015 foi um ano chave devido à aprovação do Acordo de Paris, que entrou em vigor em 2016 e passou a exigir dos 195 países signatários, metas de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) claras no âmbito das Contribuições Nacionalmente Determinadas (da sigla em inglês “NDC”), a partir de 2020. Esse foi o maior compromisso histórico da humanidade com a área ambiental. No final de 2021, outro marco foi a aprovação do artigo 6º do Acordo de Paris, durante a COP26, realizada em Glasgow, na Escócia, que regulou o mercado de carbono internacionalmente.

E, além dos mercados regulados pela ONU, existem ainda os Mercados Regulados Nacionais ou Subnacionais. Essa categoria utiliza mecanismos para colocar um valor na externalidade do que é a emissão, número que pode ser altamente variável. É possível encontrar preços entre US$ 1 e mais de US$ 100 por quantidade de carbono emitida, por exemplo.

OPORTUNIDADES PARA O BRASIL
O crédito de carbono é um instrumento econômico que visa à diminuição dos gases de efeito estufa, que provocam o agravamento das mudanças climáticas. Esses créditos fazem parte de um mecanismo de flexibilização, que auxilia os países ou empresas que possuem metas de redução de emissão de gases de efeito estufa a alcançá-las de forma mais efetiva. A cada tonelada reduzida ou não emitida desses gases, gera-se um crédito de carbono. Assim, quando um país ou empresa consegue reduzir a emissão, a depender das metodologias envolvidas, ele recebe um crédito.

Frente a um contexto de crise climática e ambiental, que demanda soluções sustentáveis urgentes, a ICC Brasil, capítulo nacional da maior organização empresarial do mundo, em parceria com a WayCarbon – maior consultoria estratégica com foco exclusivo em sustentabilidade e mudança do clima na América Latina – desenvolveram um estudo inédito sobre as oportunidades para o Brasil em mercados de carbono.

Nele, as oportunidades de geração de crédito de carbono identificadas apontam reduções de GEEs extremamente relevantes, além de inúmeros benefícios socioeconômicos e oportunidades de alavancagem na cadeia produtiva. Segundo o levantamento, o Brasil tem potencial para suprir de 5% a 37,5% da demanda global do mercado voluntário, e de 2% a 22% da demanda global do mercado regulado no âmbito da ONU. E, até mais, considerando as políticas públicas, nos mecanismos do artigo 6º do Acordo de Paris, gerando as receitas de US$ 100 bilhões, o que equivaleria a 1 Gigaton (1bi de toneladas de CO2) até 2030.

Laura Albuquerque

“Mercados de carbono são uma solução econômica ganha-ganha. Além da redução urgente de emissões de GEE, a experiência evidencia benefícios que são fundamentais para o Brasil, como geração de emprego e renda, melhoria na qualidade das condições de trabalho, aprimoramento da qualidade e de disponibilidade hídrica e segurança energética”, avalia Laura Albuquerque, gerente de Finanças Sustentáveis da WayCarbon.

Fernanda Stefanelo

MAIS SEGURANÇA PARA OS INVESTIMENTOS
Mas não é “só” isso. Para Fernanda Stefanelo, sócia da área ambiental do Demarest Advogados, a regulamentação do mercado de crédito de carbono no Brasil vai propiciar maior segurança para os investimentos nesse ativo sustentável. “A criação do mercado de créditos de carbono coloca o Brasil em um cenário de destaque no mundo, papel esse que seria compatível com as muitas ofertas possíveis de negócios sustentáveis que podem ser gerados envolvendo setores produtivos, de prestação se serviços, instituições financeiras, entre outros. A regulamentação vai propiciar maior segurança para os investimentos nesse ativo sustentável”, diz a advogada.

A aprovação do Congresso deixou claro que o Governo Federal busca impulsionar o papel do Brasil não só em âmbito nacional, mas internacional. “Isso principalmente ao destacar as diversas possibilidades de negócios envolvendo créditos de carbono, trazendo stakeholders de diferentes setores econômicos, como agências de fomento, instituições financeiras, CEOs e empreendedores”, destaca a especialista do Demarest.

POTENCIAL DE MITIGAÇÃO
Em termos mais amplos, a indústria nacional representa 20,4% do PIB brasileiro e responde por 5% das emissões brutas nacionais, com uma queda de 2% em relação ao total emitido no ano anterior (2018) (CNI, 2021; SEEG, 2020). Entretanto é indicado tanto pelo setor empresarial (CEBDS, 2018), quanto pela academia por Santos (2018) e pelo Projeto PMR Brasil (2021) como chave para um ETS nacional. Portanto, para a identificação de oportunidades serão considerados neste trabalho os mesmos setores dos trabalhos mencionados: cimento, ferro-gusa e aço (siderurgia), alumínio, cal e vidro, papel e celulose e químico, todos parte da indústria de transformação e com recorte para as oportunidades de mitigação em seus processos.

Bruna Dias

“A partir dos potenciais de abatimento identificados nos subsetores selecionados, estima-se um potencial de mitigação de emissões acumulado de 261 MtCO2 ligados as medidas descritas na primeira NDC brasileira. Vale pontuar que a NDC para o setor industrial possui caráter bastante genérico, não especificando tecnologias, e sim medidas de cunho geral. E é importante ressaltar ainda que o aumento dos custos de energia estimula medidas de eficiência energética que são especialmente adotadas no setor de cimento e produtos químicos e, em menor medida, na indústria siderúrgica e em outros setores”, salienta Bruna Dias, gerente de Mitigação da WayCarbon.

MECANISMOS DE PRECIFICAÇÃO
Nesse contexto, os mecanismos de precificação de carbono são fundamentais para direcionar ações de descarbonização. A partir do momento que a emissão de carbono possui um preço, as empresas devem considerar esse valor no cálculo do Valor Presente Líquido (VPL) dos seus projetos. Assim, ações de descarbonização passam a ser mais atrativas, pois geram uma redução de custo para a empresa. Na Europa, o setor siderúrgico já é precificado. Por isso, indústrias europeias têm avançado na implementação de projetos focados na redução de suas emissões de GEE.

Felipe Bittencourt

“Em termos gerais, de acordo com o Banco Mundial, a precificação de carbono pode ser feita de três maneiras. A primeira é a tributação, que determina a aplicação de uma alíquota a cada unidade de GEE, de modo que o nível agregado de redução de emissões previamente estipulado seja atingido. A segunda é o mecanismo do Sistema de Comércio de Emissões/Permissões, no qual é definido um limite às emissões agregadas da economia. E, a terceira, é o Sistema Baseline/Crédito, por meio do qual são emitidos créditos de carbono a partir da implementação de uma tecnologia, sendo seu cálculo realizado a partir da diferença entre os cenários baseline e de projeto”, explica Felipe Bittencourt, CEO da WayCarbon.

Assim, o cap, ou a meta, é distribuído entre os agentes regulados, permitindo-se, posteriormente, que haja transações (trade) entre organismos, utilizando as licenças de permissões. Finalmente, há o Sistema Baseline/Crédito, por meio do qual são emitidos créditos de carbono a partir da implementação de uma tecnologia, sendo seu cálculo realizado a partir da diferença entre os cenários baseline e de projeto.

O IMPORTANTE PAPEL DA SIDERURGIA
Nesse cenário, a descarbonização do setor siderúrgico é essencial para que seja possível limitar o aquecimento global em 1,5°C. Ações como utilização de energias renováveis, como o carvão vegetal, e uso de sucata para produção de aço contribuem muito para redução da pegada de carbono desse produto, e devem ser amplamente adotadas pelo setor.

“Embora já existam tecnologias disponíveis e custo-efetivas para redução de emissões, para as usinas existentes com tecnologias mais carbono intensivas, o investimento necessário para implementar as ações de descarbonização é muito alto. Então, entende-se que o setor siderúrgico se encontra diante de um grande desafio. Além disso, para alcançar uma trajetória de emissões líquidas zero até 2050, o setor deverá investir em pesquisa e desenvolvimento para que outras tecnologias possam ser viabilizadas em grande escala, como a captura de carbono e uso de hidrogênio verde”, analisa Bruna. E ela fala com muita propriedade sobre o tema, uma vez que a WayCarbon é uma consultoria que atua apoiando os maiores players da siderurgia nacional – tais como a Arcellor Mittal, a Gerdau, a Usiminas, a CSN e a Belgo –, com gerenciamento de seus inventários a partir do uso de seu software CLIMAS, que desenha estratégias de redução de emissões e implementação de precificação interna de carbono.

No Brasil, as maiores empresas do setor têm adotado ações de eficiência energética, uso de carvão vegetal e uso de sucata, que equivale, aproximadamente, a 21,6% do volume de aço bruto produzido. A matriz elétrica brasileira, que possui níveis de emissões por MWh produzido abaixo da média global, também contribui para reduzir a pegada de carbono do aço produzido no país.

“Em um contexto de precificação de carbono, as indústrias com menor pegada de carbono são beneficiadas com possibilidade de receitas ou redução de custos. E a geração de receitas para empresas do setor siderúrgico brasileiro com menor intensidade de emissão depende de como se dará o desenho desse mercado. De qualquer forma, em um mercado voluntário, espera-se que a indústria siderúrgica seja consumidora de créditos de carbono”, finaliza Bruna Dias, a gerente de Mitigação da WayCarbon.