Embora ainda contingenciada pela questão da necessidade de investimentos mais massivos, a pesquisa científica e tecnológica avança no Brasil.

Marcus Frediani

Para homenagear as grandes descobertas da Humanidade e ainda para incentivar novas descobertas científicas, foi criado o Dia Mundial da Ciência e Tecnologia, comemorado em 16 de outubro. E a data é muito significativa, porque não só coloca em evidência os feitos do homem desde a Idade da Pedra, como também todas aquelas criadas desde então ao longo dos séculos, sempre voltadas a melhorar a qualidade de nossas vidas que chegaram sob a forma de grandes descobertas, servindo como incentivo para a continuidade do desenvolvimento das pesquisas.

Sim, a ciência e a tecnologia são, indubitavelmente, os grandes motores da transformação constante da Humanidade. Entretanto, para compreender melhor a relevância desses dois conceitos – ciência e tecnologia –, bem como a forma de se interpretar e avaliar a correta interseção entre eles no mundo de hoje, de saída, faz-se necessária uma dissecção. Isso porque, embora ambas as palavras tenham uma conexão muito forte que quase sempre sejam utilizadas como sinônimos, como se diz no jargão popular, “uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa”.

Para começar, o conceito de “ciência” refere-se ao sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico. Já “tecnologia” é o conjunto de técnicas, habilidades, métodos e processos usados na produção de objetivos, a partir das investigações científicas. Então, de modo simples, a síntese é a seguinte: “ciência” é o estudo para aquisição de conhecimentos, enquanto “tecnologia” é a aplicação material deles.

Contudo, no cenário atual, a desambiguação dos termos leva a uma constatação não muito tranquila, que contrasta com a forma de como esses conceitos deveriam caminhar juntos e de maneira ideal para gerar avanços efetivos e, por tabela, ganhos de produtividade, como explica o professor da Fundação Vanzolini e da Poli-USP, que há quase 20 anos atua na pesquisa de robôs sociáveis, computação afetiva e arquiteturas de sistemas para aplicações críticas e em tempo real, Marcos Barreto.

“Particularmente, na área da Inteligência Artificial, a tecnologia tem recebido enormes investimentos, e passou a ser vista como grande tendência para o futuro. Já em termos de ciência, as coisas acontecem para outro lado, com investimentos de outra ordem, geralmente bem menores”, explica, o que, por si só, pode explicar a lamentável situação se semipenúria em que vivem muitas instituições e centros de pesquisa oficiais no Brasil.

COOPERAR PARA AVANÇAR
Seja como for, ainda segundo o especialista, uma das vertentes que poderá facilitar esse resgate não só no Brasil, como também na esfera global, será a intensificação do esforço e dos investimentos no sentido da formação das pessoas, notadamente no que diz respeito à agregação ao processo dos princípios do que, em inglês, é definido pelo acrônimo STEM – Science Technology Engineering Mathematics –, que, como o próprio nome diz, representa um sistema de aprendizado científico que agrupa disciplinas educacionais em ciência, tecnologia, engenharia e matemática para chamar principalmente a atenção das crianças e jovens sobre esses temas, a fim de atrair, gerar o interesse e a inserção de novas pessoas para essas carreiras, como tem acontecido em vários países desenvolvidos, em especial, nos Estados Unidos.

Diante desse panorama, qual seria a melhor forma de o Brasil se inserir nesse futuro, e quais seriam, exatamente, os papéis do governo e da indústria nesse contexto? A questão, é óbvio, é bastante complexa. Mas a solução deve partir que a integração dos esforços de ambos tem que ser bem afinada, porque isso é o que constrói a bem formulada equação estratégica de desenvolvimento de qualquer país. Assim, no caso do Brasil, a pedra angular, na opinião do Prof. Barreto, tem que ser a correta exploração das fortalezas mais expressivas do país, objetivamente seu gigantesco território agrícola, sua bem resolvida indústria siderúrgica, e sua capacidade de geração e aproveitamento de energias renováveis, só para citar algumas.

Por conta disso então, talvez fosse mais interessante e produtivo concentrar a pesquisa científica e tecnológica nesses campos do que propriamente centrá-la na busca de soluções em áreas nas quais o país, digamos, não tem tanta vocação tecnológica, como é o caso de produção de semicondutores e mesmo do desenvolvimento da Inteligência Artificial, embora, é claro, a ideia de evoluir nessas áreas não precisasse ser necessária e totalmente abandonada.

“O espaço para a evolução disso tudo é enorme. Mas é preciso entender alguns aspectos, como o fato de que, hoje, em nível mundial, ele é dominado por grandes empresas que têm acesso a poderosos hardwares para fazer o treinamento de Inteligência Artificial, coisa que não acontece em nenhuma universidade do planeta. Então, principalmente na área de IA, é preciso que haja essa coordenação entre os centros de pesquisa acadêmica e essas empresas para o uso efetivo desses equipamentos de grande porte, porque sem eles não é possível avançar”, explica o docente da Fundação Vanzolini e da Poli-USP.

E ele ilustra a questão com o exemplo de uma recente apresentação da Tesla mostrando um poderosíssimo hardware para desenvolvimento de carros autônomos, que nenhuma universidade ou mesmo governo do planeta, sozinhos, poderiam, sonhar em ter, por conta do volume recursos financeiros envolvidos no projeto. Então, o caminho mais fácil para realizar avanços teria que ser, obrigatoriamente, o alinhamento e a cooperação assertiva entre os governos, os órgãos acadêmicos e, naturalmente, a indústria.

EMPACOTAMENTE ENERGÉTICO
Sem dúvida alguma também, essa proposta de cooperação tem que ser acelerada ao máximo para a conquista de objetivos tangíveis nas áreas de Robótica e a Inteligência Artificial, que, cada vez mais, andam juntas. No campo do trabalho na indústria, a mencionada apresentação da Tesla também trouxe uma visão relevante do futuro dos trabalhadores nas fábricas da companhia, trazendo a questão relevante de repensar as linhas de produção robotizadas, para entender como será a relação entre humanos daqui para a frente.

Nesse cenário, uma das questões cruciais em que a pesquisa vem avançando rapidamente é a do empacotamento de energia, algo que poderia ser explicado, de maneira simples, como a criação de baterias e/ou fontes de abastecimento energético para que o funcionamento dos robôs tivessem mais durabilidade e autonomia, tendência que, aliás, vem sendo muito turbinada pelos estudos de desenvolvimento dos carros elétricos.

“E, à medida que essa tecnologia avança por meio de novas descobertas, isso traz um grande efeito na possibilidade de termos robôs autônomos, porque termos essa fonte de energia disponível para carregá-los por mais horas nos permitirá a produção de robôs com novos materiais cada vez mais leves – por exemplo, o robô da Tesla pesa pouco mais de 50 quilos –, somados ainda a motores elétricos mais potentes, pensando ainda em automóveis, mas com efeitos em toda a indústria, com capacidade maior de deslocamento de carga, produzidos com imãs de minerais raros”, exemplifica o Prof. Barreto.

FOCO NAS PRIORIDADES
Segundo o especialista, isso tudo novamente deixa muito claro que o desenvolvimento científico, olhado com ciência básica, precisa ser entendido, principalmente no Brasil, de uma forma um pouco mais amplificada, a fim de que se possa construir grandes modelos de cooperação para a geração de níveis de avanço cada vez mais superlativos, por meio de esforços centrados na pesquisa de soluções contemplando não só a utilização das já citadas “fortalezas brasileiras” – como é o caso da agricultura e do uso das energias renováveis –, como também naquela direcionada a encontrar caminhos para resolver problemas, digamos, mais urgentes para o país. E, entre estes, Barreto alinha a oferta de habitações de baixo custo e de melhores condições de saneamento básico, ambos muito relevantes, principalmente quando se leva em conta a questão da saúde em um país cuja população sem condições financeiras vem se adensando em muitas cidades e regiões.

“Mas, com isso não quero dizer que a gente tenha que desistir da pesquisa em outras áreas, como na produção de microchips, por exemplo. Mas, dentro da nossa vocação científica, é fundamental que nos concentremos e intensifiquemos a pesquisa tecnológica para darmos solução a essas nossas necessidades prioritárias, em um processo que, provavelmente, na ordem de tempo e duração, ainda vai levar uns 100 anos para ser equacionado”, destaca o especialista.

UMA QUESTÃO DE MERCADO
Porém, questão crucial que produz sombra sobre o futuro da pesquisa científica e tecnológica no país continua a ser, como já foi falado aí atrás, a constante, consistente e prejudicial ausência de investimentos no setor. E aí vem a pergunta: “diante da permanente falta de recursos, qual seria um modelo minimamente ideal para acelerarmos o desenvolvimento de produtos de alta tecnologia, para que possamos nos inserir à escala mundial?”

Baseado em sua larga experiência, o Prof. Marcos Barreto afirma que essa trilha começa pela análise efetiva da questão essencial da existência de um mercado para esses itens. E o problema é que ainda não temos um mercado potencial grande no Brasil, principalmente porque nossa renda per capita ainda é relativamente baixa na comparação com outros países mais desenvolvidos, Então, isso leva à conclusão de que precisamos ter produtos adequados a ela ou, ainda – o que seria o ideal – a gente conseguisse aumentá-la.

“Quando comparamos economias, até vemos o PIB brasileiro em uma posição interessante. Mas quando analisamos o que realmente uma pessoa consegue consumir, normalmente observamos que, no geral, os recursos da população têm sido mais direcionados à subsistência, como é o caso da cesta básica, o que, na prática, acaba quase sempre deixando em segundo plano a priorização de outros fatores, como, por exemplo, a engenharia pessoal. Assim, essa proposta não se trata exatamente de criar incentivos para o desenvolvimento de produtos, mas recai justamente sobre a necessidade de trabalharmos mais intensamente para a conquista de um aumento na renda per capita”, sinaliza a solução.

E, embora Barreto admita que o Brasil venha tendo uma recuperação importante nesse cenário ao longo das últimas décadas – notadamente no que tange à melhoria da qualidade de vida da população – e venha caminhando positivamente nessa trilha, ainda assim o país continua muito longe do Top Five das nações que estão no topo da escala planetária de desenvolvimento. “Então, só quando atingirmos um patamar mais elevado nela é que vamos conseguir reverter essa situação, e nos posicionarmos em outro nível na escala do mercado. Ou seja, ainda há muito a se fazer nessa área, para que a gente possa pensar no desenvolvimento de produtos mais sofisticados”, finaliza o Prof. Marcos Barreto, no mês em que se comemora o Dia Mundial da Ciência e Tecnologia.