Quando olhamos para a nossa siderurgia, por uma série de condições bastante singulares, o Brasil está em uma posição de destaque na agenda global da ESG.

Marcus Frediani

Mais do que palavras, ações concretas marcam o compromisso e a relação da indústria siderúrgica brasileira com a pauta internacional ESG. Nesta entrevista exclusiva ao Anuário Brasileiro da Siderurgia 2023, Frederico Ayres Lima, membro do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, CEO e presidente da Aperam South América, fala de tudo isso e mais um pouco, com destaque para a relação sempre e cada vez mais amigável e positiva da siderurgia com o meio ambiente. Confira!

Frederico Ayres Lima

Anuário Brasileiro da Siderurgia 2023: Frederico, notadamente durante a pandemia da COVID-19, observamos diversos fenômenos interessantes relacionados à mudança de comportamento das empresas, muito em função também da mudança do comportamento dos clientes e consumidores, principalmente no que diz respeito à cobrança e das exigências da sociedade pela integração mais efetiva à pauta da ESG. Como você avalia a integração da siderurgia brasileira a esse processo?
Frederico Ayres Lima:
Sobre essa questão, é importante dizer que a indústria do aço está no coração da economia global e no centro da nossa sociedade moderna, mas vale registar que a contribuição dela nas emissões totais de Gases de Efeito Estufa (GEEs) é de apenas 7%. E os esforços para, senão manter, mas efetivamente baixar esse percentual no Brasil são muitas. O uso de carvão vegetal, por exemplo. A produção de aço a partir de carvão vegetal no Brasil remonta ao início da siderurgia no país, com a Aperam e a Belgo Mineira, na década de 1940. A nossa usina de Timóteo sempre utilizou esse combustível renovável, desde sua partida, em 1944. Até 2010, utilizávamos também o coque, mas, desde 2011, quando fizemos a migração do alto-forno a coque para CV, abolimos o uso desse insumo, dando início à produção do Aço Verde Aperam. Graças a essa medida, a muito investimento em inovação. Bem como às nossas florestas plantadas no Vale Jequitinhonha, nos tornamos a primeira produtora de aços planos especiais a obter o balanço carbono neutro, em 2022. Somos o maior produtor de carvão vegetal do mundo! Além de neutros em CO2, nossos produtos contribuem, ao longo de seu ciclo de vida para a economia de baixo carbono. O aço inox que produzimos em nossa fábrica é mais reciclável que o aço em geral, que, por si só, já é o material mais reciclado no mundo. É um produto que entra em aplicações inéditas, como as caçambas de aço inox, que têm vida útil até três vezes maior que as convencionais, e exigem muito menos manutenção. Temos ainda os aços elétricos, que aumentam a eficiência energética de máquinas e equipamentos. Nesse sentido, vejo outras empresas do setor se movimentando também. E pesquisas mostram que a grande maioria delas têm programas e metas na área ESG.

Ainda acerca da pergunta anterior, você conhece ou tem alguma estimativa de quanto as siderúrgicas, em termos globais, já investiram, estão investindo ou, eventualmente, ainda precisarão investir para atingir um nível ideal no que diz respeito à implantação da ESG nessas empresas?
Como o setor gera cerca de 7% dos GEEs, é preciso reduzir drasticamente as emissões e impulsionar as remoções de CO2 equivalente. E isso demanda altos investimentos. Porém, não sei dizer quanto a indústria destinará para a agenda ESG. Sabe-se que um número crescente de investidores deseja apoiar as empresas siderúrgicas que investem na gestão da transição para uma economia de baixo carbono. Desde outubro de 2018, investidores representando US$ 32 trilhões em ativos – o equivalente a 40% dos fundos geridos pelos 500 maiores gestores de investimentos do mundo – aderiram ao Climate Action 100+, uma nova iniciativa que visa a facilitar o diálogo com 161 empresas sobre a redução de emissões de acordo com as metas do Acordo de Paris. Os dados são do relatório “Investor Expectations of Steel Companies”, do relatório do Asia Investor Group on Climate Change (AIGCC), e podem ser encontrados na internet, no link https://www.aigcc.net/wp-content/uploads/2019/02/Investor-Expectations-Steel-Companies.pdf.

Tendo isso em foco, é possível traçar um comparativo entre o posicionamento da siderurgia brasileira e o resto do mundo no que tange à questão da ESG, principalmente no que diz respeito ao “E”, de Environmental?
Quando olhamos para a nossa siderurgia, por uma série de condições bastante singulares, o Brasil está em uma posição de destaque na agenda global da ESG, principalmente no “E”. O país tem uma matriz energética mais limpa do que a média mundial. Para se ter uma ideia, no ano passado a geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis foi recorde no país, e alcançou a marca de 92%, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). E a participação das usinas hidrelétricas, eólicas, solares e de biomassa no total de energia gerado pelo Sistema Interligado Nacional (SIN) foi a maior dos últimos dez anos, o que também se encontra registrado e disponível para consulta na internet, no link https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-02/brasil-bate-recorde-em-geracao-de-energia-renovavel. No caso da Aperam, mais de 90% de nossa energia elétrica são renováveis. Temos no Brasil uma “jabuticaba” chamada carvão vegetal, um biorredutor renovável com todas as condições de produção em larga escala, o que a Europa e a Ásia não têm. Portanto, o momento traz uma grande oportunidade para a siderurgia brasileira, no sentido de ajudar a conduzir o processo de descarbonização do setor globalmente.

Como atesta a pesquisa com diversas companhias do setor siderúrgico, divulgada durante a realização da 6ª edição da ABM WEEK, em junho do ano passado, 89% das organizações ouvidas já estavam efetivamente aderindo às ações relacionadas à aplicação dos princípios ESG, e que grande parte delas já contava com uma estrutura própria para trabalhar com esse modelo. E o mesmo levantamento apontou que boa parte das empresas já havia estipulado métricas para diminuir o uso geral de água e minimizar as emissões de gases que geram efeito estufa. Mesmo assim, foi percebido na pesquisa que, entre os principais desafios que rondam a implementação da ESG na siderurgia, está exatamente na dificuldade de medir o desempenho e criar mecanismos de monitoramento eficazes. Então, como é possível eficientizar o resultado dessa equação, minimizando ou até eliminando essa dicotomia? E, objetivamente, qual seria a forma correta de medir os padrões de ESG no âmbito particular das três letrinhas que compõem a sigla?
A intensidade das emissões de CO2 da indústria siderúrgica é uma métrica-chave. É importante dizer que, pela primeira vez, a Worldsteel está relatando agora separadamente a intensidade de CO2 e energia do aço fabricado, usando a rota de alto-forno (BF-BOF), a sucata rota do forno elétrico a arco elétrico (Sucata-EAF) e, ainda, a rota de redução direta (DRI-EAF). Globalmente, a Worldsteel usa oito indicadores para medir os principais aspectos do desempenho de sustentabilidade econômica, ambiental e social da indústria siderúrgica anualmente. Em 2022, mais de 80 empresas siderúrgicas e associações em todo o mundo forneceram voluntariamente dados para um ou mais indicadores, e 33 empresas forneceram dados para os oito indicadores utilizados. Porém, em artigo publicado em dezembro no blog da WorldSteel, a presidente do Grupo de Especialistas em Relatórios de Sustentabilidade (SREG) da associação, Cláudia Kornner, fala sobre o desafio de aprimorar a coleta de dados na área. Assim, o grupo liderado por ela identificou até 14 potenciais indicadores que abrangem informações mais detalhadas sobre temas ambientais, sociais e de governança, que estão em discussão para adoção e possível implementação na Worldsteel. Como disse Kornner, isso completará adequadamente o alinhamento entre os princípios de sustentabilidade do setor recentemente atualizados e seus indicadores.

Em outras palavras, já existe um esforço em andamento para aperfeiçoar essas medições?
Sim. E, de acordo com a associação, existe um interesse e solicitações crescentes em relatar KPIs (do inglês Key Performance Indicators – Indicadores-Chave de Desempenho) de sustentabilidade de todos os espectros das partes interessadas dos setores, como também a necessidade de expandir o escopo de tópicos de relatórios de sustentabilidade para preencher lacunas atuais. A associação também aposta no benchmarking de desempenho entre os pares do setor. Cada empresa participante recebe um relatório personalizado individual, por meio do qual compara anonimamente seu desempenho com todas as empresas participantes, a média global e os 15 melhores desempenhos. Essa pode ser uma informação bastante útil para as siderúrgicas entenderem como estão na questão dos KPIs e também para identificarem seu escopo de melhoria.

Outra questão bastante interessante atinente ao tema, recai sobre a questão de como, exatamente, aplicar a ESG nas empresas siderúrgicas. Alguns especialistas costumam dividir o plano de aplicação em etapas, como, por exemplo, a de criar conselhos internos de ESG, para se criar uma “comunidade” para manter as estratégias da empresa, e aprimorar valores como transparência e equidade; a de definir claramente estratégias relacionadas a essas práticas, envolvendo colaboradores e clientes; e, ainda, a de usar a tecnologia (p.ex., Big Data e automação) a seu favor para fundamentar a análise de dados e gerar insights relevantes para ampla difusão das normas estipuladas e das metas a serem alcançadas. Como você analisa esse planograma? Ele é o “ideal”, ou falta alguma coisa?
Bem posso falar mais sobre como funciona a agenda ESG da Aperam. É importante pontuar que, apesar de essa ser uma sigla nova para ações e atividades, tais ações já são praticadas pela nossa empresa há muito tempo. O processo de meio ambiente, por exemplo, tem seus objetivos plenamente definidos, e é acompanhado em fóruns específicos focados em meio ambiente. E o mesmo acontece na área social. Mantemos fóruns específicos e processos bem robustos, que vão desde as ações da nossa Fundação Aperam Acesita, até iniciativas promovidas em nossa área de Recursos Humanos, com os programas de inclusão e diversidade, entre outros. E podemos dizer que a mesma coisa acontece no que tange à nossa governança corporativa, que é muito rígida em diversos aspectos, seguindo rigorosamente a legislação tanto na questão do uso de dados da LGPD quanto na de ética e compliance.

Em que pesem todos esses esforços envidados na esfera interna das siderúrgicas, parece evidente que elas, sozinhas, não conseguirão endereçar ou cobrir todas as demandas relacionadas à ESG sem a colaboração – ou, digamos, da “parte que cabe” ao governo brasileiro realizar, no sentido de gerar mudanças e se empenhar no equacionamento de diversas e antigas questões, que, entre outras coisas, têm a ver com a realização das reformas estruturais, ações de reforço no âmbito da segurança jurídica e da desburocratização de marcos regulatórios, entre outras iniciativas, a fim de criar um ambiente mais sadio, produtivo e de competitividade para que as indústrias consigam, efetivamente, planejar e se tornar mais sustentáveis nessa pauta. Assim, embora ainda seja muito cedo para falar, como você avalia a disposição do novo governo Lula de implementar tais mudanças em prol do desenvolvimento do Brasil?
Na Aperam seguimos acreditando na solidez das instituições e no potencial do país. Estamos com investimentos importantes em andamento justamente porque apostamos na capacidade da indústria nacional de suportar um crescimento sustentado da economia. Sem dúvida, nossa nação tem vários deveres de casa a fazer, tais como reduzir o chamado “Custo Brasil”, e proteger sua indústria de práticas desleais, entre tantos outros. Sim, são problemas estruturais e difíceis de resolver, mas o potencial de crescimento do país é gigantesco se conseguirmos soltar essas amarras. E o consumo per capita de aço inox, um indicador muito ligado ao desenvolvimento, é um exemplo disso. Há mais de uma década esse índice se mantém abaixo de 2kg por habitante. Nos países da Europa, a média passa de 10kg por habitante/ano e, em alguns países asiáticos, como Coreia do Sul e Taiwan, ele é de 25kg por habitante/ano.

Frederico, por favor, fale um pouco sobre a companhia que você dirige. Quais são os seus principais produtos e quais os esforços que vem sendo desenvolvidos para cumprir toda a pauta que você citou nesta entrevista?
A Aperam South America – antiga Acesita, criada como resultado do desmembramento do setor inox da ArcelorMittal Brasil – é uma siderúrgica brasileira com escritórios em Belo Horizonte e sua usina está localizada em Timóteo, no interior do estado de Minas Gerais. Somos fabricantes de aços planos inoxidáveis, elétricos e especiais de carbono Entre os inúmeros diferenciais de sua missão empresarial, ela traz incutido no seu DNA um profundo compromisso com a governança e a sustentabilidade, seguindo o objetivo de oferecer ao mercado produtos infinitamente recicláveis e sempre de forma responsável. E suas marcas de excelência nesse sentido espelham-se em diversas iniciativas e ações concretas, tais como a abolição, em 2010, do uso do coque, combustível fóssil, em seu processo produtivo, adotando carvão vegetal em 100% de sua operação. A medida abriu caminho para uma jornada de sustentabilidade que resultou na produção do Aço Verde Aperam, que, em 2022, lhe garantiu a conquista do balanço carbono neutro, o que significa que a empresa remove todos os gases de efeito de estufa que gera em seu processo industrial com o uso da madeira das florestas plantadas pela Aperam BioEnergia, feito inédito no mundo no segmento de aços planos especiais. Sempre competente e proativa em suas ações, essa mesma unidade da Aperam lançou no final do ano passado o Bio-óleo, um biocombustível de origem vegetal e 100% renovável, que tem grande potencial para substituir o uso de combustíveis fósseis em processos industriais, contribuindo para impulsionar a transição das indústrias para uma matriz energética renovável e de baixo carbono.

Como vocês chegaram ao desenvolvimento desse novo produto, e que tipo de benefícios e vantagens sua utilização irá trazer para as indústrias siderúrgicas e de mineração brasileiras a partir de agora?
Nossa unidade Aperam BioEnergia vem sempre implementando uma série de inovações nos últimos anos. Assim, a partir da expertise e das tecnologias que a empresa já dispõe, foi possível aproveitar o alcatrão, um resíduo da queima da madeira, e transformá-lo em combustível. Como é gerado a partir de um processo que já existe – que é a produção do carvão vegetal –, o Bio-óleo é mais barato que o diesel e outros combustíveis fósseis. Embora o volume de Bio-óleo necessário para alcançar o mesmo desempenho seja maior, trata-se de uma opção totalmente sustentável que tem uma grande viabilidade econômica. E o mais importante, o Bio-óleo é um produto biogênico, com emissão zero de carbono. Como ele é um combustível orgânico e vegetal, o carbono emitido na atmosfera na queima da madeira reflorestada é totalmente neutralizado, porque a floresta de eucalipto já tirou esse CO2 da atmosfera há sete anos, quando ela foi plantada.