É preciso ter cuidado, porque mudanças e retrocesso têm o potencial de afastar ainda mais a possibilidade de que o Brasil venha a se desenvolver na área industrial.

Marcus Frediani

No dia 18 de abril, o novo arcabouço fiscal, que substituirá o teto de gastos, foi entregue ao Congresso Nacional. O projeto de lei complementar traz ajustes que esclarecem pontos não divulgados no fim de março. Caso o novo arcabouço seja aprovado e implementado, o governo pretende zerar o déficit público da União no próximo ano, atingir um superávit de 0,5% do PIB em 2025 e um superávit de 1% do PIB em 2026 e, ainda, estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula.

Contudo, a análise do tema está deixando em campos oposto vários economistas e especialistas sobre a qualidade da nova regra de controle das contas públicas. Para alguns, o ajuste proposto para o médio prazo, no sentido de aumentar o resultado primário, permitirá um bom equilíbrio. Já para outros, a proposta está baseada em parâmetros inconsistentes, e que a equação do novo arcabouço só fecha com aumento brutal de carga tributária. E há também o grupo dos cautelosos, que aguardam a linha fina dos detalhes do texto, torcendo para que ele não se transforme em uma guerra de posições, que apenas resulte na aceleração do processo inflacionário e em estagnação.

Para jogar luz sobre o projeto do arcabouço fiscal e seus eventuais impactos sobre a Reforma Tributária, a revista Siderurgia Brasil foi conversar com o economista e presidente-executivo da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (ABIMEI), Paulo Castelo Branco. E dessa produtiva interação, surgiu essa entrevista que você vai ler agora.

Siderurgia Brasil: Paulo, quais são suas impressões sobre o projeto do arcabouço fiscal recentemente entregue ao Congresso pelo governo?
Paulo Castelo Branco:
Pessoalmente, acho que somente são medidas para tentar aumentar os gastos do governo, sem ter que enfrentar a possibilidade de ter que arcar com as medidas legais de estouro do teto limitado pela lei, que foi criada no governo do presidente Temer, e que foi válida por todo o período do governo passado.

Ele tem envergadura suficiente para equilibrar as contas públicas?
Creio que não, pois quando se teve limites claros de gastos como, por exemplo, houve a necessidade de essa regra ser quebrada em função da pandemia, sendo feita uma extrapolação de limite de gastos para uma finalidade específica como o Auxílio Emergencial, que foi pago para a população mais carente, isso também foi enviado ao Congresso Nacional para análise e aprovação, sendo essa uma forma mais correta. Mas quando isso é feito sob a forma de regras que já, de saída, permitem que os limites sejam extrapolados, na minha opinião, não vejo como isso possa funcionar. Dessa forma, a rigidez de cumprimento das metas fica muito flexível, e com um governo com tendências mais socialistas e não tendente a cumprir regras fiscais, será difícil que aconteça.

Embora o arcabouço fiscal tenha como objetivo louvável simplificar o sistema tributário brasileiro, qual é o risco de que ela venha a ser apenas uma manobra para aumentar a arrecadação, alinhada ao escopo da Reforma Tributária?
Analisando tecnicamente, essa reforma teria que ter alíquotas diferenciadas de tributação para poder atender às necessidades específicas de algumas formas de operação de mercado como, por exemplo, nas operações de venda de varejo na ponta da cadeia. Nesse caso, seria necessário ter-se uma alíquota que reduzisse realmente a carga tributária, sendo que esta não poderia passar de 15% ou 16%, contra os mais de 35% aplicados hoje. Por isso, acho difícil que seja aprovada uma reforma que tenha essas alíquotas, porque o governo teria que ter um maior controle de gastos e um plano simultâneo de redução destes, para não somente conter a evolução, mas cortar gastos desnecessários existentes para poder permitir a sobrevivência da máquina pública com menos arrecadação, e dessa maneira, poder cobrar menos valor do povo brasileiro. Ou seja, para tentar cobrar uma alíquota menor, a fim de tentar fazer com que a distribuição de renda fosse mais qualitativa e, assim, fazer a arrecadação aumentar gradativamente, com um maior volume de arrecadação por parte de todos, e não somente de uma parcela da sociedade brasileira. Mas, sinceramente, como estão falando em uma alíquota de 25%, não vejo um ganho imediato com essa mudança, que ainda vai trazer um problema grande em centralizar a arrecadação no Governo Federal. Portanto, o risco de que essa seja tão somente uma manobra que vai manter uma carga tributária alta já existente é alto, o que ainda poderá piorar ainda mais, com o aumento para diversos setores.

Qual o impacto que ela poderá trazer à indústria em geral e, particularmente, ao do setor de importação de máquinas e equipamentos industriais?
Para a indústria pode vir a ser um fator de oneração na nacionalização de produtos, pois existem impostos, como o ICMS, que é estadual e, em alguns casos, concedem benefícios ou incentivos que, com a reforma, devem ser suspensos, o que fará com que eles venham a ter de ser repassados aos preços finais dos produtos.

E com relação aos investimentos em máquinas e equipamentos industriais?
Esse é outro ponto importante, tanto no caso dos relacionados aos importados quanto nos nacionais, uma vez que as máquinas e equipamentos industriais, que são bens de capital, e quando adquiridos pelas indústrias, têm a finalidade de serem bens de produção, que geram empregos por meio da necessidade de serem contratados operadores e outras pessoas, como abastecedores e pessoal de logística, programadores etc. Assim, como meios de produção, essas máquinas produzem itens que serão vendidos com emissão de notas fiscais emitidas, que terão a cobrança dos impostos correspondentes, sendo, portanto, um gerador de arrecadação e de riqueza para as cidades, estados e para o Brasil.

O que poderia, então, ser mais adequado?
Julgo que é mais justo e defendo, já há algum tempo com o pessoal da ABIMEI, e mesmo junto aos fabricantes nacionais, é que esses investimentos em máquinas e equipamentos fossem totalmente isentos de pagamento de impostos, visto que esse capital será empregado para gerar receitas para o país, tem um custo financeiro para o seu investidor e também uma depreciação ao longo do uso dessas máquinas e equipamentos, tanto de valor quanto tecnológico, que, em alguma data futura, terão que ser repostas com cada vez mais investimento. Portanto, nada mais justo do que valorizar quem investe em produção no nosso Brasil, ajudando a diminuir custos de aquisição de máquinas e equipamentos, dando um incentivo a quem queira produzir no nosso país.

Qual o vínculo e o impacto que a aprovação do arcabouço fiscal no Congresso poderá trazer aos trâmites do tão esperado e engessado processo da Reforma Tributária?
Bem, precisamos aguardar para verificar quais serão as novas regras e alíquotas desta tão falada Reforma Tributária para podermos avaliar melhor se ela trará algum benefício, ou se, na realidade, teremos mais uma reforma que, em vez de trazer benefícios e novidades boas ao empresariado e para a população, vai ser mais uma reforma que somente vai enganar, e que foi feita apenas para trazer mais arrecadação para o governo e nenhum benefício real para as empresas e para o consumidor.

Na sua opinião, o viés ideológico e o foco, de certa forma, antiempresarial, que vem sendo aparentemente apresentado pelo atual governo poderá vir a contaminar a qualidade da Reforma Tributária e gerar dar “marcha à ré” em reformas já realizadas a duras penas, entre elas a Trabalhista, o que tem sido motivo de grande preocupação de vários setores da indústria? E como isso, particularmente, tem potencial para gerar impactos negativos no processo de importação de máquinas e equipamentos industriais?
Sim, sem dúvida existe uma grande preocupação com a questão desse posicionamento ideológico, pois, no Brasil, já existe atualmente uma insegurança jurídica muito grande para o ambiente de negócios das empresas. E isso é um fator muito negativo, tanto para as empresas nacionais estabelecidas aqui quanto para os grupos multinacionais globais, que, eventualmente, possam ter a intenção de investir em uma planta fabril em nosso país. Essas dúvidas, e o consequente passivo, como o citado trabalhista, pode ser piorado a partir da situação atual, que já é uma das piores do mundo em termos de incertezas jurídicas. Assim, com mais mudanças de retrocesso, isso tem potencial de afastar ainda mais a possibilidade de que o Brasil venha a se desenvolver na área industrial, criando entraves para que ele venha a ocupar o que, em tese, poderia ser possível em função da capacidade existente de desenvolvimento de tecnologia e da nossa comprovada capacidade intelectual, além da abundante existência de matérias-primas disponíveis, da nossa necessidade de consumo e, ainda, da capacidade da nossa população em reter de riqueza.

Ainda acerca da pergunta anterior, não há o risco de sair uma Reforma Tributária extremamente protecionista, o que eventualmente poderia piorar a situação da importação de tais itens?
Bem, é difícil avaliar o que podemos ter como resultado dessa reforma, visto que os fatores políticos que deveriam não ter tanta influência quanto possuem no Brasil, podem atrapalhar em muito os resultados. No caso das importações, falando especificamente no setor de máquinas e equipamentos, existe já há algum tempo um fator que impede que ocorra o mesmo nível protecionista que já ocorreu no passado no Brasil, que é a muito difundida competitividade global, conhecida por meio de informações que, hoje, podem ser facilmente pesquisadas e recebidas em tempo real pelas redes globais de comunicação. Em outras palavras, atualmente é muito fácil ter acesso a informações e, por conta disso, conhecer o que existe de melhor em termos de qualidade e produtividade em qualquer parte do mundo. E dificilmente será viável uma indústria conseguir sobreviver sem ter uma forma de produzir com o mesmo nível de maquinário, tecnologia, treinamento de pessoal adequado e com paridade a outros países do planeta. Então, para que isso aconteça, não há como não depender da importação de máquinas e equipamentos com tecnologia atualizada e com a paridade de produtividade em parâmetros globais.

Finalmente, pelo andar da carruagem, você acredita que existe alguma possibilidade de que a Reforma Tributária possa sair ainda este ano, ou esse processo deverá ser novamente travado e postergado pelo governo e/ou pelo Congresso? O que faz você pensar assim?
Se eu fosse capaz de poder adivinhar essa resposta, venderia essa informação por um valor bem alto. (Risos) Mas, deixando de lado o poder da adivinhação, o que posso dizer é que torço para que tenhamos definições de rumos a seguir o mais brevemente possível, em especial no que tange e depende da parte de decisões políticas – que é o que sempre nos atrapalha na questão de tempo –, a fim de que possamos avançar com a nossa economia, que tanto necessita desse impulso.