Embora enfrentando desafios bastante conhecidos, o setor de máquinas agrícolas aposta na recuperação.
Marcus Frediani
Bastante impactadas pela escassez de financiamentos, as vendas do setor de máquinas e equipamentos agrícolas patinou no Brasil ao longo do 1º Semestre deste ano. Contudo, agora, ele deposita grandes esperanças na fase de operacionalização dos recentemente anunciados Planos Safra do MAPA e do MDA para 2023/2024, que trazem boas notícias no que diz respeito à abertura de novas linhas de financiamento.
É o que nos conta, entre muitas outras coisas, Ana Helena de Andrade, vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) e diretora de Assuntos Governamentais da AGCO Soluções Agrícolas, nesta entrevista exclusiva à revista Siderurgia Brasil. Acompanhe e embarque nessa boa vibração!
Siderurgia Brasil: Temos acompanhado as notícias do mercado de máquinas agrícolas, cujos indicativos apontam quedas nas vendas internas desses equipamentos desde o começo de 2023. Quais são os motivos dessa retração? E como andam os estoques?
Ana Helena Andrade: Um fator muito importante que influenciou esse resultado foi a ausência dos financiamentos do Plano Safra, cujos recursos se esgotaram em diferentes momentos do ano. Até tivemos momentos de suplementação de verba no período, mas não uma estabilidade de financiamentos para máquinas e implementos agrícolas no 1º Semestre. Quando temos uma taxa de juros mais baixa, o agricultor até consegue negociar outras linhas com taxa variável. Mas, no patamar de juros atual, isso é bastante complicado, principalmente para os pequenos e médios agricultores trabalharem com outros financiamentos que não os do Plano Safra. Continuamos a viver essa realidade, ainda agravada pela falta de alguns microcomponentes eletrônicos, embora o fornecimento deles vem se regularizando mês a mês. Quanto aos estoques, a gente está trabalhando dentro do nosso patamar normal.
De que forma o Plano Safra 2023/2024, recentemente anunciado, poderá melhorar esse cenário?
Bem, agora temos dois Planos Safra, um do MAPA, e outro do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, que também foi divulgado no final de junho, juntamente com o primeiro, e hoje já temos as deliberações do Conselho Monetário Nacional para tornar esse segundo plano operacional, entre elas a ampliação dos limites de financiamentos da linha do Pronaf Industrialização de Agroindústria Familiar, permitindo que esses recursos voltem a ser disponibilizados pelos bancos comerciais, o que será muito bom para os pequenos e médios agricultores, e que, certamente, deverá abrir um cenário de novas possibilidades para a indústria do setor de máquinas e equipamentos agrícolas.
Mas a manutenção dos juros em patamares muito altos não pode atrapalhar esse processo?
Bem, o plano do MAPA traz algumas inovações importantes, como, por exemplo, taxa do Moderfrota, que é 12,5% ao ano, que não pode obviamente ser comparada à taxa do financiamento baseada na taxa básica de juros, porque qualquer financiamento baseado na Selic vai incluir outros custos, sendo o principal deles o risco e a intermediação financeira. Já o Plano Safra do MDA tem um fator bastante interessante, que é a possibilidade de se ter redutores nos juros, em função de participação de ele estar inserido no Cadastro Ambiental Rural, além de um segundo redutor associado à prática da agricultura conservacionista, o que poderá fazer com que a taxa atual possa vir a ser reduzida. Outro aspecto positivo do Plano Safra do MDA é que ele retomou a linha de crédito do Moderfrota Pronanp, destinada aos pequenos e médios agricultores. Agora, o Pronanp vai ser uma linha muito importante para o agricultor médio, porque vai financiar 100% do valor com taxa de 10,5%. Além disso, outra frente para a recuperação das áreas produtivas é a linha de armazenagem, que teve um belo reforço. E ela é muito importante, porque ela garante o fluxo de venda, sem que o agricultor corra o risco de perder sua produção por falta de armazéns, ajudando-o a honrar seus compromissos de financiamento de máquinas agrícolas.
Ainda existe a tradição de que a renovação das máquinas do agro se dá a cada quatro anos?
No Brasil, temos um número muito grande de tratores antigos ainda em uso. E isso acontece porque quando alguém compra um trator novo e vende o usado, essa máquina acaba indo para uma atividade menos intensa, ou para uma propriedade menor. Então, o processo de renovação de nossa frota de tratores ainda tem, sim, um gap extremamente grande, mas não dá para afirmar categoricamente que nossa frota não é renovada a cada quatro anos. Talvez o que aconteça é que se vende uma soma relevante do percentual da frota ao longo desse período, mas não é que, com isso, o Brasil passe a ter uma frota moderna e atualizada.
Mas, de qualquer forma, tem muita gente comprando essas máquinas, não é?
Sim. Temos um mercado que, obviamente, está cada vez comprando tratores maiores, mais tecnificados e com uma conectividade embarcada muito maior. Mas ainda temos um espaço grande para a mecanização, porque temos um número expressivo de pequenos agricultores que não têm sequer um trator, embora muitos deles sejam filiados à cooperativas, das quais podem alugar máquinas, ou fazer uso daquelas que lhes são emprestadas pelas prefeituras de algumas cidades
Por falar nisso, como anda a questão da conectividade no campo, que você mencionou, hoje no Brasil? Chegamos ao estágio ideal, ou ainda estamos distantes disso?
Bem, Brasil ainda tem um déficit absurdamente grande nessa área. Hoje, temos por volta de 12% da área de produção agrícola com cobertura de internet 4G. E esses 12% estão muito concentrados nos grandes agricultores. Assim, nós só conseguiremos atingir plenamente o potencial de crescimento de produtividade e da produção agrícola quando dotarmos o campo com a mesma infraestrutura de produção que a gente tem nas cidades, aumentando o desempenho das máquinas agrícolas. Estamos trabalhamos muito para que isso seja uma realidade, porque as máquinas agrícolas de hoje têm alta tecnologia digital embarcada. Só que isso, infelizmente, não se converte em produção e produtividade.
E o mesmo pode ser dito da capacitação da mão de obra para operar essas modernas máquinas?
Sem dúvida. Não adianta um trator de última geração que tem um piloto automático ou um mapa de plantio muito bom se o operador dessa máquina não consegue seguir esse mapa quando se afasta da sede da fazenda. Então, o operador tem que ser capacitado para tomar a decisão correta no campo.
Falta treinamento adequado?
Veja bem, atualmente um trator é uma máquina completamente diferente daquelas máquinas de antigamente. Hoje, todas as empresas que vendem máquinas autopropulsadas geralmente fornecem esse treinamento. Além disso, temos, por exemplo, o Sistema Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), oferecido pelo SENAC, com um enorme rol de opções por capacitação. Mas é preciso fazer mais. E na medida em que a digitalização aumenta e você começa a ter mais dados, é preciso que o operador tenha maior conhecimento e integração à chamada Internet das Coisas para comandar essas máquinas. Assim, a indústria que as produz sempre vai ter espaço para oferecer e aperfeiçoar o treinamento dos operadores e preparar a mão de obra. Na medida em que a tecnologia vai se tornando disponível, ela tem que fazer isso.
E a entrada de máquinas importadas: tem incomodado?
Obviamente, enfrentamos a concorrência delas. Porém, esses equipamentos são bens de capital, utilizados para produzir outros bens. E, com o ciclo produtivo ficando cada vez menor, quem compra um bem de capital não pode admitir que uma máquina agrícola pare, porque se isso acontecer, é prejuízo na certa. Então, os fabricantes nacionais têm a seu favor o pós-venda, ou seja, o atendimento ágil do agricultor que, venha a ter algum problema com uma de suas máquinas. Esse é o grande diferencial a favor das máquinas produzidas no país, sobre o qual o agricultor brasileiro olha com muita atenção. Temos fabricantes aqui há mais de 60 anos, com redes muito bem estabelecidas, mas a gente vê chegarem equipamentos importados muitas vezes, e lamentavelmente, por meio de licitações que o Poder Público acaba tendo de efetuar a compra por causa do preço menor.
Vocês têm registrado algum problema relacionado ao fornecimento ou de preços do aço para a fabricação?
Não. Tivemos alguns problemas em um passado recente, mas, agora, a situação é de normalidade. E o mesmo acontece com os preços, que oscilam conforme as regras do mercado.
Finalmente, quais são as perspectivas da ANFAVEA para este 2º Semestre?
A operacionalização dos Planos Safra do MAPA e do MDA nos dá uma boa perspectiva para o período. Assim, acreditamos que até o final de 2023, com o acesso aos financiamentos, os agricultores nos trarão novos contratos. Para isso também continuarão contribuindo todas as notícias sobre a evolução positiva do agronegócio brasileiro, que tem quebrado sucessivos recordes, trazendo renda para o país e a geração de novos empregos. E os bons resultados das exportações também aportam uma expectativa de superávit no âmbito da balança comercial.