Alejandro Wagner, diretor executivo da ALACERO, dá sua esclarecedora visão sobre a discussão em torno do esforço global de descarbonização, no qual a participação das siderúrgicas da América Latina têm e, efetivamente, precisam ter voz ainda mais alta.
Marcus Frediani
No dia 1º de outubro, passaram a valer as regras na Europa da primeira fase do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), ou, traduzindo, Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono. Em síntese, trata-se de um dispositivo de taxação de carbono aduaneiro para produtos exportados para a União Europeia (UE), entre elas o aço, que tem como objetivo igualar o preço do carbono de importações provenientes de fora do bloco ao preço pago caso fossem produzidos em território europeu e, consequentemente, sujeitos ao Regime de Comércio de Licenças de Emissão, em inglês, Emissions Trading System (ETS).
O CBAM entrará em vigor a partir de 2026. No entanto, já a partir do último dia 1º de outubro, começaram a valer as regras de um período de transição, que vai durar até o dia 31 de dezembro de 2025, em que os importadores da UE terão de reportar o total de emissões de carbono embutidas nos produtos que importaram.
Como não poderia ser diferente, a decisão unilateral tomada pela Comissão Europeia – embora contenha a nobre proposta relacionada à sustentabilidade ambiental de combater as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade – vem sendo interpretada por muitos especialistas de mercado como o levantamento de mais uma barreira comercial protecionista, uma vez que, é claro, a elaboração de tais relatórios, que pode ser até entendida como um novo imposto, terá um custo para os importadores da União Europeia, o que, naturalmente, cria a perspectiva de que o aço que vem de fora da UE terá um significativo acréscimo de valor aos seus preços. E como se isso não bastasse, a aplicação do CBAM ainda é cercada de muitas dúvidas, uma vez que as informações atuais sobre o mecanismo ainda são nebulosas, confusas e incompletas no que tange à sua metodologia.
Assim, os exportadores de aço de todo o planeta vêm reagindo mal à medida. Tanto que a Associação Latino-Americana do Aço (ALACERO), como representante da indústria do aço e de sua cadeia de valor no continente, expressou sua preocupação com o processo de regulamentação e implementação do CBAM em uma Declaração Pública, emitida para todos os seus filiados, no qual relata essas inconsistências.
Para jogar luz sobre o tema, a revista Siderurgia Brasil foi conversar com Alejandro Wagner, diretor executivo da ALACERO. E dessa conversa, surgiu a entrevista exclusiva que você vai ler a partir desta e nas próximas páginas.
Siderurgia Brasil: Alejandro, como a ALACERO recebeu a notícia da criação do CBAM, e qual o objetivo da Declaração Pública relacionada à sua aplicação emitida pela entidade?
Na verdade, a criação desse mecanismo não foi uma novidade para nós. Dentro da sua política pública de crescimento verde, a Green Deal, essa é uma discussão muito antiga na União Europeia, que, após alguns atrasos, redundou, em abril deste ano, na aprovação de um pacote conhecido como “Objetivo 55” (Fit for 55), que atualiza tais políticas para garantir convergência para cumprir seu compromisso climático, ou seja, a redução de emissões líquidas de gases de efeito estufa em pelo menos 55% até 2030. E nesse pacote, o CBAM veio como um mecanismo de ajuste de preço de carbono na fronteira.
Ou seja, a ALACERO já estava preparada para recebê-la.
Sim. Nossa indústria sempre esteve totalmente empenhada nas questões relevantes relacionadas à transição energética, e àquelas relacionadas à importância da descarbonização no contexto da preservação ambiental. Entretanto, aquilo que ressaltamos em nossa Declaração Pública é a forma como o CBAM foi apresentado, porque entendemos que se trata de um processo complexo, que deve ser justo e realista, tendo em conta a situação e os recursos disponíveis de cada indústria e de cada país. Ao contrário dos países que compõem a União Europeia, os países da América Latina não dispõem de subsídios ou ajudas de fundo perdido para financiar a transição ou a adoção de tecnologias disruptivas de descarbonização. Então, a situação descrita representa um significativo aumento dos processos administrativos, com os consequentes custos econômicos, afetando de forma desigual principalmente as regiões em desenvolvimento. Com relação à decisão da UE, neste momento o primeiro problema é o tempo da fase de transição, uma vez que seus documentos de orientação, os Guidance Documents, só foram publicados entre os dias 17 e 22 de agosto de 2023, e as capacitações propostas só deverão ser anunciadas agora no mês de outubro, quando o período de transição já terá se iniciado. Além disso, as regras ainda permanecem nebulosas, confusas e incompletas, o que está gerando muitas dúvidas e insegurança entre os operadores com relação aos próximos passos. Dessa forma, fizemos questão de registrar na Declaração Pública da ALACERO um alerta manifestando tal preocupação, pedindo aos nossos filiados que opinem sobre a questão, solicitando também aos representantes da Comissão da União Europeia que analisem uma possível extensão dos prazos, bem como que acelerem e melhorem as comunicações das capacitações, como forma de garantir que o CBM não afete as regras de compliance de cada parte envolvida. Eu mesmo estive recentemente na Europa, mantendo diversas reuniões com os interessados, fazendo tais reivindicações, porque a decisão tem potencial para modificar o fluxo de comércio entre as regiões.
Objetivamente, que tipos de impactos o novo mecanismo poderá exercer sobre as exportações de aço da América Latina?
Como eu disse, em face à complexidade do processo, isso ainda é difícil de saber. Se olharmos os volumes atuais das exportações diretas da América Latina para a Europa, veremos que elas são poucas, não chegam a 1%, percentual que, naturalmente, esperamos que se amplie no futuro. Contudo, há sempre o risco de desvios de comércio, porque se os países que exportam seu aço de maneira mais robusta para os países da UE – como é o caso da China e outros da Ásia, além dos Estados Unidos – enfrentarem dificuldades para entrar na Europa, não sabemos o que pode acontecer. Aliás, alguns deles podem até se recusar a aderir ao CBAM, por não quererem assumir custos adicionais em suas exportações. Por exemplo, diante de algo que considera uma dificuldade burocrática, a China pode tentar, e, eventualmente conseguir, desviar facilmente seu fluxo de exportação da Espanha para o Brasil, ou para outro país qualquer da América Latina, a preços competitivo, o que causaria problemas enormes para nossas siderúrgicas locais. Então, isso suscita as perguntas: “E aí, o que eles vão fazer? E o que nós, aqui na América Latina podemos fazer ante a essa nova realidade?
Certo. Mas diante de essa possibilidade se instalar, isso não poderia eventualmente ser benéfico para nós aqui da AL virmos a suprir pelo menos uma parte das exportações de aço que esses gigantes mundiais fazem para os países da Europa?
De fato, as empresas siderúrgicas daqui da América Latina estão fazendo atualmente investimentos milionários em prol da descarbonização, o que, aliás, nos fez conquistar uma pegada de carbono menor e melhor do que a média mundial. Mesmo assim, estamos falando de investimentos gigantescos, que precisam ser feitos de maneira contínua. E se tivermos que incluir nessa equação mais custos, mais impostos e mais burocracia, aí a coisa pode ficar difícil, porque não sabemos ao certo se podemos acompanhar e fazer isso com a mesma velocidade que nossos concorrentes da China, por exemplo, que produz 54% do aço do mundo e dispõe de gigantescos recursos para processar a descarbonização mais rapidamente.
Dois cenários diferentes.
Exatamente. China, Estados Unidos e os países da Europa são desenvolvidos, enquanto os da América Latina não. Então, quando se fala em transição justa e equitativa dentro das regras do CBAM, os trâmites não podem ocorrer na mesma velocidade. Isso somente seria possível se todos os envolvidos tivessem o mesmo nível de desenvolvimento e dispusessem de recursos no mínimo semelhantes para fazê-los. Só que o mecanismo colocado pela União Europeia não contempla essa questão no âmbito dos países mais pobres e com mais deficiências sociais. Assim, a situação deixa de ser justa porque, se de um lado você resolve o problema do meio ambiente, por outro cria um problema igualmente grave, ou até maior, que é o social. Ou seja, parece que ainda não existe uma proposta capaz de dar solução a ambos os problemas simultaneamente.
Lembro que, salvo engano, há umas três Convenções-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COPs) atrás, se falou muito sobre a criação de um fundo de investimento de países desenvolvidos para fornecer fundos para os países em desenvolvimento, da ordem de US$ 1 bilhão. O que aconteceu com essa proposta?
Pois é, ela nunca se materializou. No caso atual do CBAM, isso seria muito positivo, pois transferiria um pouco da riqueza deles para acelerar a fase de transição do mecanismo nos países em desenvolvimento. E as nações da América Latina certamente não vão conseguir fazer isso sozinhas. Independentemente do enorme volume de investimentos que estão sendo feitos na América Latina pela siderurgia da região no esforço da descarbonização, seria inviável para atingir a velocidade necessária para imprimir velocidade ao processo. Claro, ninguém aqui é contra a descarbonização, mas para acelerá-la na AL aos moldes do que está sendo feito no mundo pelos países desenvolvidos, a gente precisa de dinheiro. E não adianta pedi-lo ao Poder Público, porque este têm outras urgências relacionadas à esfera social. Então, trata-se de uma questão muito complexa, que necessita ser urgentemente discutida em conjunto no âmbito global. Se não for assim, de nada vai adiantar a Europa continuar tomando medidas sozinha, que até podem ser interessantes na teoria, mas que, na prática, acabam gerando mais discussões no comércio e nos âmbitos social e de negócios, uma vez que se acaba atingindo apenas uma parte da meta de descarbonização da atividade industrial do planeta.