A assinatura do decreto que criou a CSN – Cia. Siderúrgica Nacional, em 9 de abril de 1941, deu origem ao Dia Nacional do Aço. Mas com todos os acontecimentos recentes do setor, não há muito que comemorar.
HENRIQUE PATRIA
Atualmente, o Brasil ocupa a nona posição mundial na produção de aço bruto, é o maior parque siderúrgico da América do Sul e, no ano passado, produziu 31,9 milhões de toneladas em suas 33 usinas distribuídas por todo o território nacional.
O volume produzido, entretanto, representa um número muito inferior à capacidade instalada no país, que é de 50 milhões de toneladas, segundo o Instituto Aço Brasil. E o resultado da produção de 2023 – 6,5% inferior ao registrado em 2022 – joga sombras preocupantes quanto ao futuro desse setor tão importante da indústria e da economia nacionais, circunstância essa agravada pelo fato de que, no ano passado, o Brasil viu crescer incríveis 50% a importação de aços, sendo a maior parte deles originária da China.
Fechando esse inquietante parêntese, e voltando ao início do texto, a data de 9 de abril foi escolhida para comemorar o Dia Nacional do Aço, quando Getúlio Vargas, o então Presidente da República do Brasil, firmou o Decreto-Lei nº 3.002, de 30 de janeiro de 1941, para oficializar a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN, que seria a primeira usina brasileira a produzir aço.
A assinatura do normativo foi fruto de várias negociações diplomáticas, até que se chegasse a um termo oficial que recebeu o nome de “Acordo de Washington”, estabelecido entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, pelo qual este último se comprometeu a apoiar e a ajudar no financiamento e no fornecimento de soluções de natureza técnica para a implantação da gigantesca empreitada, que, como se sabe, se tornou um marco na história da industrialização do país após a 2ª Guerra Mundial, e que surgiu para preencher as lacunas de uma economia até então predominantemente agrícola, dentro de um programa de substituição de importações.
Mas, claro, além disso, a criação da CSN também carregou as intenções políticas do Estado Novo, presidido por Vargas, que era o de afirmar as políticas trabalhistas e ajustar positivamente as relações entre capital e trabalho, que ganharam impulso com a implantação definitiva da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, que passou a vigorar com todos os seus capítulos em 1943.
Ato contínuo, a cidade de Volta Redonda foi escolhida para sediar a nova usina. A razão da localização, segundo se explicou à época, foi pautada em diversos fatores específicos, como a presença de um terreno plano, grandes reservas de água, uma linha férrea e sua localização geográfica, concretizando sua importância logística, considerando-se, ainda, a questão relacionada à segurança nacional para a construção de uma edificação tão estratégica e importante. E, segundo registrou a socióloga Regina Morel, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em seu famoso estudo “A ferro e a fogo: construção da família siderúrgica”, outros motivos também pesaram na decisão: “A CSN foi pensada como modelo, uma empresa exemplar para o resto do país: além de toneladas de aço, ela deveria produzir um novo tipo de trabalhador, saudável, capaz e disciplinado”, analisou ela na obra, o que condiz com as citadas intenções do Estado Novo, e que ainda, de certa forma, explica porque até hoje aquele município do Sul Fluminense, é conhecido como “Uma cidade de suor e aço”, ou, simplesmente, “A cidade do aço”.
Finalizadas as obras, a CSN foi inaugurada oficialmente e passou a operar em 1946, durante a gestão do Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra. E permaneceu uma empresa estatal até o presidente Fernando Collor de Melo assumir o governo em 1990, ocasião em que, ele adepto do receituário neoliberal preconizado pelo “Consenso de Washington”, deu início ao processo de privatização de várias estatais, entre as quais a CSN. Isso, entretanto, só viria a acontecer após o processo de afastamento de Collor do cargo, quando, em 1993, a privatização da CSN se concretizou na gestão do presidente Itamar Franco. E assim como a CSN, todas as demais usinas produtoras – que na sua maioria eram estatais – foram sendo privatizadas nos governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, passando às mãos de grandes grupos nacionais ou internacionais que hoje comandam o setor.
TEMPESTADE PERFEITA
Voltando à realidade presente, apesar de ter um parque industrial com capacidade de produção de 50 milhões de toneladas ano, as empresas nacionais estão operando em torno de 65% de sua capacidade, principalmente em função do fato de que, no mercado interno, o setor não consegue crescer com suas próprias forças, bem como a partir da constatação de que, no âmbito das exportações, ele enfrenta o feroz desafio de competir principalmente com a colocação dos aços fabricados pelos países asiáticos e, ainda pelo titânico excedente da produção mundial. E, para piorar as coisas, o Brasil sofre um ataque frontal com a importação de aço da China, que em muitas vezes chega aqui com preços menores do que os praticados pelas empresas nacionais.
Segundo o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, há uma nítida distorção na formação de preços dos importados, pois os países asiáticos – notadamente a China –, subsidiam a produção de aço local, o que proporciona a possibilidade de venderem aço por um preço abaixo do custo de produção, em um claro movimento de dumping. Há vários processos mundiais em andamento, porém nenhum deles consegue reverter essa situação alarmante.
Acerca da necessidade urgentíssima de que isso aconteça, em seu comentário estampado no Anuário Brasileiro da Siderurgia 2024(¹), Marco Polo contextualizou: “A tendência de entrada de aço estrangeiro no país se mantém em alta, e, por esse motivo, a indústria do aço segue defendendo a elevação temporária e emergencial da tarifa de importação de 9,6% em vigor para a maioria dos produtos, para 25%, em 18 NCMs (Nomenclatura Comum do Mercosul), de um total de 273 NCMs, uma vez que outros mercados relevantes, como Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e México, seguem com suas defesas comerciais nesse patamar. Enquanto essa assimetria não for corrigida, o aço produzido em países que subsidiam suas indústrias para vender a preço de custo ou abaixo dele continuará inundando preferencialmente o mercado brasileiro”, deixa o alerta.
Além disso, como já mencionado, continuamos com um problema mundial relacionado ao excesso de produção, uma vez que, no final de 2023, haviam excedentes de 564 milhões de toneladas, gerados principalmente após a pandemia da COVID-19, que reduziu o consumo de aço na União Europeia, Estados Unidos e, mais recentemente, com a retração da indústria da construção civil na China.
Entretanto mesmo diante dos apelos da diretoria do Instituto Aço Brasil e das usinas produtoras nacionais, no sentido de que sejam reparadas as diferenças de assimetrias, nada nos faz prever que haverá alguma mudança na construção de barreiras alfandegárias pelo governo, até porque não se tem notícia alguma de ação em tal direção. E um dos motivos disso é que “do outro lado” existem pressões internas de vários grupos de consumidores de aço, alegando que uma medida protetiva dessa natureza prejudicaria o desenvolvimento de grande parte da indústria nacional cliente da liga, pois encareceria seus produtos finais. Isso, é claro, que também temos de considerar que a China é hoje o maior comprador mundial de vários produtos nacionais, principalmente aqueles do agronegócio, e qualquer medida que desagrade nossos parceiros de lá pode significar uma ameaça a continuidade das boas relações comerciais existentes entre os dois países.
RAZÕES PARA COMEMORAR?
Por tudo isso, neste ano de 2024, o Dia Nacional do Aço se tem muito pouco a ser comemorado. O momento das siderúrgicas brasileiras tem sido marcado por desativação de equipamentos, fechamento de unidades, dispensa de funcionários, e suspensão de vários investimentos que haviam sido previstos. Acerca desse último aspecto, aliás, as usinas nacionais haviam programado – e, inclusive, divulgaram em materiais distribuídos pelo Instituto Aço Brasil, em novembro de 2023(²) –, a realização de investimentos da ordem de R$ 52,5 bilhões entre 2022 e 2026, principalmente nos processos de descarbonização do aço, que são exigência mundial neste momento. Evidentemente, em face às circunstâncias atuais, todo este planejamento está comprometido. E não há como se imaginar uma companhia mundial realizando investimentos desse montante com toda a insegurança que nos ronda.
Ao divulgar as estatísticas deste mês de março, o Instituto Aço Brasil nos diz que infelizmente estão sendo confirmadas as suas expectativas da chegada de aços importados – principalmente aqueles vindos da China –, continuarão a acontecer com mais intensidade em 2024. Sim, no 1º Trimestre deste ano, a produção nacional de aço bruto aumentou 6,2%, para 8,3 milhões de toneladas, no comparativo com o 1º Trimestre do ano passado. Mas, em igual período, mas as importações cresceram em 25,4%, para 1,3 milhão toneladas, na comparação com 2023. Ainda nesse mesmo período, as vendas internas ficaram estáveis, com variação de 0,3%, para 4,9 milhões de toneladas, e as exportações caíram 17,9%, para 2,6 milhões de toneladas. O consumo aparente subiu 3,3%, para 6 milhões de toneladas, porém muito mais em função da chegada dos importados do que com o crescimento da indústria nacional.
Comparando-se exclusivamente o mês de março em relação a fevereiro, nota-se que houve estabilidade, uma vez que a produção cresceu somente 0,3%, para 2,8 milhões de toneladas, enquanto as importações avançaram 8,9%, tendo fechado em 486 mil toneladas, que é uma quantidade superior à média mensal de 2023, de 419 mil toneladas, quando a China respondeu por 60% das importações. Fechando os números, as vendas internas cresceram 8,2%, para 1,7 milhão de toneladas, e as exportações subiram 36,6%, para 942 mil toneladas, enquanto o consumo aparente, impulsionado pelas importações, atingiu 2,1 milhões de toneladas com variação de 9,8%.
E o que fazer para mudar esse quadro continua a ser a grande incógnita do setor. Operar com um percentual abaixo de 75% da capacidade, ainda segundo as mesmas fontes do Instituto Aço Brasil é “realizar prejuízos”, algo que no chavão da Bolsa de Valores configura uma premissa ainda mais assustadora: “é pedir para fechar a atividade”. Por conta disso, e sem querer sermos dramáticos ao extremo, é hora de procurar uma alternativa e rápido, para podermos comemorar o Dia Nacional do Aço, com mais propriedade no ano que vem.
REFERÊNCIAS:
(¹) Anuário Brasileiro da Siderurgia – nº 25 – 2024 – página 14
(²) Revista Siderurgia Brasil – nº 172 – novembro 2023 – página 28
HENRIQUE PATRIA – publisher do Portal e da revista Siderurgia Brasil