Acredito que enfrentaremos um processo extremamente complicado. O nosso Código Tributário, discutido durante 15 anos e que vigorou até agora, tem, 218 artigos, enquanto apenas uma das leis complementares que visam simplificar o sistema tem 499 artigos.
Ives Gandra da Silva Martins*
Recentemente, participei do XXXVII Congresso de Direito Tributário, promovido pelo Instituto Geraldo Ataliba – IDEPE, em que analisei, ao lado dos melhores tributaristas do Brasil, a reforma tributária em curso.
Quero trazer aos leitores parte da preocupação que externei em minha palestra. Tenho a impressão, pela forma como reagiu o auditório, que os presentes também demonstram a mesma apreensão.
Todas as notícias propaladas pelos veículos de Comunicação são no sentido de que teremos uma simplificação do sistema tributário advinda da reforma.
Simplificação significa que, do sistema extensivo atual, deveremos ter um sistema muito mais simples, mais compreensível.
Contudo, o que ocorre? A Emenda 132, da Constituição Federal, criou três vezes mais dispositivos do que o sistema atual. Acho muito difícil algo simplificar aumentando o número de dispositivos a serem interpretados.
Revelei a minha grande preocupação, quando o projeto foi aprovado, no ano passado, no Congresso, pois não é possível falar em simplificação se, em nível constitucional, há um aumento considerável de três vezes mais disposições do que se tinha no sistema anterior.
De qualquer forma, ficamos dependentes das disposições dos novos projetos que estão sendo encaminhados.
O primeiro assusta. Para regular 1/3 do novo sistema e substituir em parte o CTN (Código Tributário Nacional) – que possui 218 artigos para disciplinar todos os tributos –, temos um projeto de 360 páginas e 499 artigos!!!
O que vale destacar é que o nosso Código Tributário, discutido durante 15 anos e que vigorou até agora, tem, repito, 218 artigos, enquanto apenas uma das leis complementares que visam simplificar o sistema tem 499 artigos. E não é a única, teremos outras.
Importante também salientar que, para que se avalie se o sistema vai dar certo ou não, até 2032, quando entrará em vigor, primeiro o CBS em 2026 e depois o IBS, em 2029, teremos dois sistemas vigorando: o atual complexo e caótico, e o novo que terá que ser estudado com três vezes mais disposições constitucionais e com o primeiro dos projetos regulamentadores com 360 páginas e 499 artigos.
Acredito que enfrentaremos um processo extremamente complicado.
As empresas necessitarão manter seu atual sistema de controle ao lado de um novo regime. Somente para aplicar o novo sistema com tantos artigos e tantas disposições haverá, certamente, que acrescentar uma nova equipe especializada.
Assim, para simplificar e manter-se até 2032, os dois sistemas juntos, a vida será mais difícil para as empresas. Estou falando do mandato do atual presidente, daquele que vai substituí-lo de 2027 a 2030, e do outro que presidirá o Brasil a partir de 2030. Durante todo esse tempo teremos os dois sistemas juntos. Alerto, pois, para a insegurança jurídica que tudo isso trará.
Quero trazer um último aspecto neste artigo, dentre os outros que abordei em minha palestra: todos os Estados e Municípios médios e grandes que são chamados exportadores líquidos de bens e serviços, pois passam para os outros Estados mais mercadorias e mais serviços do que recebem, como a incidência será no destino e não mais grande parte na origem, uma parte menor no destino, perderão receita.
Os que vão ganhar ficarão muito satisfeitos, os que vão perder serão compensados pela União, na medida das suas perdas. A União deverá destinar, teoricamente, todo ano R$ 60 bilhões tanto para cuidar das suas perdas quanto para financiar outras finalidades. Terá, portanto, que destinar todo esse enorme montante para compensar quem vai perder. Será suficiente? Não se sabe.
Se uns ganham, outros não perdem, e a União precisa repassar R$ 60 bilhões, de quem é que ela retirará o recurso? Ou do aumento de tributação ou de endividamento público.
Então, apesar de querer aceitar a reforma, cada vez mais chego à conclusão de que nós corremos o risco de entrar em um caos tributário e, creio que por essa razão, eles estabeleceram o ano de 2032 para ver se tudo vai correr bem. Esta é a ideia que levou a manter o atual sistema com o novo sistema e à medida que se reduzirem as alíquotas do antigo, aumentar-se-ão as do novo.
Em outras palavras, a sensação que tenho é que corremos o risco, em 2032, – evidentemente, com 89 anos, eu não estarei aqui para ver, mas todos os leitores poderão constatar –, de continuação do velho sistema, porque o novo não deu certo.
Me sinto como naquela piada, pedindo perdão ao meu anjo da guarda por brincar com aquele que é meu protetor e cada um de nós tem um seu anjo da guarda.
É a história daquele cidadão que vem em alta velocidade em um carro, há um sinal amarelo e ele pergunta ao anjo da guarda, vou ou não vou? E ouve do anjo: “vai que dá”. E quando ele está no meio do caminho, vem uma jamanta e as últimas palavras que ele ouviu ainda vivo foi do anjo da guarda, que dizia: “não deu, não”.
Tenho receio que chegaremos em 2032 e concluiremos que “não deu não” e vamos continuar com o velho sistema.
É bem possível que às minhas objeções os sábios da reforma respondam, como Hegel a um discípulo, quando confrontado entre suas ideias e os fatos, “Pior para os fatos”.
* Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio – SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).