É crucial defender o aço da América Latina neste período crítico. E é só com a união que conseguiremos fazer isso.
Marcus Frediani
Desde o dia 1º de junho, o argentino Ezequiel Tavernelli assumiu a Direção Executiva da Associação Latino-americana do Aço, a ALACERO. Engenheiro industrial, desenvolveu sua carreira dentro do Grupo Techint, no qual assumiu diversas funções nas áreas de Planejamento e Comercial da Ternium Argentina. Além disso, é especialista no fortalecimento da cadeia de valor.
Nesta entrevista exclusiva à revista Siderurgia Brasil, ele fala, com muita clareza, sobre os atuais desafios da indústria do aço no continente, emite opiniões importantes, e conta um pouco de seus planos na direção da entidade. Acompanhe!
Siderurgia Brasil: Ezequiel, como você analisa a situação atual da indústria siderúrgica na América Latina?
Ezequiel Tavernelli: A América Latina está enfrentando um momento delicado, marcado por um aumento nas importações de aço provenientes do mercado chinês. Devido à baixa demanda interna, a China está escoando sua produção por meio das exportações. Em 2023, 36% das importações de aço na América Latina vieram da China, um aumento de 7% em relação ao ano anterior. Esse aumento tem impactado diretamente a produção de aços laminados da indústria local, que apresentou uma queda de 3,8%, totalizando 52,6 Mt em 2023. Como consequência, as empresas têm instado os governos para aplicarem medidas defensivas, como o aumento das tarifas de importação.
Após mais de 20 anos de adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), a China não cumpriu seu compromisso de se tornar uma economia de mercado. Mas há esperança de que isso venha acontecer em um período, digamos, razoável?
Esse, realmente, é um fato muito grave. Porém, mais preocupante ainda, o nosso sentimento de que estamos muito longe de uma solução. E a situação está piorando. Por exemplo, do aço e do alumínio, aos veículos elétricos e baterias, a China agora ocupa todo o espectro de fabricação por meio de subsídios, falta de transparência e incentivos às empresas estatais. Assim, dada à complexidade do assunto, o caminho é que, como região, só conquistaremos uma posição mais forte se agirmos juntos.
Nesse sentido, como você avalia a eficácia das recentes medidas protetivas editadas pelos governos da região, no sentido de adotar medidas significativas para proteger suas indústrias de aço contra a concorrência desleal chinesa?
Bem, o México elevou a taxa de importação para a maioria dos aços laminados (longos, planos e tubos sem costura) para 35%. O Chile, após um período de negociação, conseguiu aumentar a taxa de importação para 24,9% sobre barras de aço destinadas à fabricação de bolas de moagem de até dez centímetros e para 33,5% sobre as bolas de aço do mesmo tamanho. Na ALACERO, vemos com otimismo a decisão anunciada pelo Gecex. Consideramos isso um marco significativo para a indústria brasileira, que representa um esforço crucial para defender o aço local em um período crítico. E esperamos que os exemplos como o do Brasil inspirem outros países da América Latina a adotarem medidas semelhantes.
Fora a questão relacionadas às importações, quais os outros desafios que o setor siderúrgico enfrenta atualmente na região?
Sem dúvida, existem muitos desafios em nossa indústria, como a segurança, a atração e retenção de talentos e a incorporação contínua de tecnologias avançadas em nossos processos. São desafios específicos que considero que devam estar entre nossas principais prioridades e provavelmente moldarão nosso futuro como indústria. Porém, o desafio imediato para siderurgia latino-americana é o da descarbonização. Além dos aspectos econômicos e técnicos relacionados ao tema, há também questões políticas, como a necessidade de planos consistentes e de longo prazo para incentivar a transição para práticas mais sustentáveis, para garantir um futuro sustentável e competitivo para o setor siderúrgico na região. Como indústria, estamos comprometidos com os objetivos do Acordo de Paris, mas precisamos de investimento estatal em infraestruturas de transmissão e distribuição, bem como de quadros políticos e jurídicos que incentivem o investimento em investigação e desenvolvimento e nos esforços de descarbonização industrial, priorizando o consumo de produtos manufaturados regionais limpos.
Objetivamente, em relação ao tema da descarbonização da indústria do aço, qual a sua avaliação sobre o estágio que vivemos hoje em nosso continente?
Atualmente, ele mostra sinais promissores, com um aumento significativo nos investimentos realizados pelos principais players do setor. E tais recursos têm como meta não apenas reduzir as emissões de carbono, mas também promover uma produção mais sustentável e eficiente em termos energéticos. Observamos um movimento crescente em direção à modernização das instalações, à implementação de tecnologias mais limpas e à adoção de práticas que visam minimizar o impacto ambiental ao longo de toda a cadeia produtiva.
E, em relação a isso, quais são os principais diferenciais da América Latina?
Eles são muito evidentes, uma vez que muitas empresas do setor estão se destacando por sua abordagem proativa em relação à essa questão. Esse compromisso com a sustentabilidade pode se converter em uma vantagem competitiva significativa, à medida que consumidores e investidores valorizam cada vez mais produtos e processos sustentáveis. Em 2023, a ALACERO identificou mais de 15 projetos de energias renováveis em andamento desenvolvidos por nossas empresas membros, com investimentos superiores a 1,6 bilhões de dólares. No entanto, é fundamental que continuemos a fomentar esses investimentos e a promover a colaboração entre os diferentes atores da indústria, a fim de avançar ainda mais em direção a uma indústria do aço sustentável e ambientalmente responsável.
Ampliando o espectro da pergunta anterior, qual a sua análise sobre a adesão às práticas relacionadas, dentro dos preceitos da ESG, à responsabilidade social e de governança corporativa da indústria siderúrgica em nossa região?
O compromisso da siderurgia da América Latina com questões ambientais, sociais e de governança está em constante evolução, refletindo o crescente engajamento do setor com a sustentabilidade. Sobre o aspecto ambiental, já falei sobre os esforços direcionados à descarbonização e transição energética. Porém, a indústria também está comprometida em reduzir seu impacto ambiental cuidando o uso dos recursos naturais como água, energia e trabalhando com foco na economia circular para a reutilização dos seus resíduos por outras indústrias como para a construção de vias e produção de cimento, entre outras aplicações. No que tange ao social, o compromisso com as regiões onde atuamos é fundamental para o desenvolvimento da indústria local. O setor evidencia iniciativas que promovem a inclusão social, melhoram as condições de trabalho e fortalecem as comunidades locais por meio de projetos educacionais e de saúde. E, finalmente, em relação à governança, boa parte das empresas da região realiza informes ESG e segue indicadores internacionais. É o que demonstra o segundo informe de Sustentabilidade que ALACERO apresentou este ano, com KPIs que medem a gestão da indústria em termos ESG. Dessa maneira, a gestão ESG da indústria do aço regional destaca-se em contraste com a indústria do aço chinesa, que apresenta falta de transparência em governança e práticas desleais, como subsídios as empresas estatais e privadas, controle sobre a taxa de câmbio e imposição de barreiras comerciais. Enquanto essas práticas beneficiam somente os chineses, a indústria latino-americana adota práticas de ESG que promovem a sustentabilidade ambiental, a responsabilidade social e a transparência, beneficiando diretamente as populações locais, incluindo tecnologias de produção mais limpas, respeito aos direitos trabalhistas e engajamento comunitário, contribuindo para o desenvolvimento económico e social. Assim, trabalhar por uma gestão ESG robusta na América Latina não só melhora a competitividade a longo prazo, mas também assegura que os benefícios econômicos sejam amplamente compartilhados, promovendo a justiça social e a mobilidade econômica.
Nesse sentido, como você pretende conduzir a sua gestão na Direção Executiva da ALACERO?
Assumir esse desafio é uma honra imensa. Estou comprometido em fortalecer nossa posição e enfrentar os desafios futuros com determinação. Passei os últimos dez anos atuando muito próximo a pequenas e médias empresas, entendendo como funcionam e trabalhando todos os dias para promovê-las e apoiá-las, o que, com certeza, me ajudará a trabalhar nessa indústria, tendo em vista que a cadeia de valor é um componente essencial para o crescimento e a competitividade da nossa indústria. Cada elo dela contribui para o desenvolvimento econômico e social das comunidades nas quais atuamos. Por isso, é crucial trabalharmos em conjunto com os governos para melhorar a competitividade dos nossos países e incentivar os grandes investimentos que necessitamos para transformar a matriz industrial da América Latina. E tenho a convicção de que promover o aço local em todas as instâncias é essencial para esse processo. A tarefa à nossa frente é ambiciosa, mas estou confiante de que, trabalhando juntos, podemos superar obstáculos e aproveitar as oportunidades que se apresentam.
Finalmente, quais são suas expectativas para a realização do ALACERO SUMMIT 2024, que será realizado em Buenos Aires, nos dias 29 e 30 de outubro?
Estamos trabalhando a todo vapor para esse encontro, para o qual, esperamos receber 800 participantes do setor e da cadeia de valor. O evento abordará temas como mercados e geopolítica, competitividade e sustentabilidade. E a novidade é a realização do Fórum de Descarbonização que apresentará os desafios tecnológicos e ambientais para a indústria do futuro. Contamos com a participação massiva do setor siderúrgico brasileiro neste Summit. Assim, peço a todos que acessem nosso site, no endereço https://summit.alacero.org/, no qual é possível acessar a agenda completa, adquirir ingressos e conhecer todas as novidades.