Novo regramento sobre as importações de aço para o Brasil promove revisão das projeções de desempenho da siderurgia nacional e alimenta as esperanças de retomada do setor.
Henrique Patria e Marcus Frediani
Assim que foi divulgada, no dia 23 de abril deste ano, a resolução do Comitê Executivo de Gestão da Camex (Gecex), órgão da Câmara de Comércio Exterior (Camex), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) – que estabeleceu a mudança no sistema tributário no Brasil em relação ao aço importado, o Instituto Aço Brasil passou a trabalhar com a análise das possibilidades e a revisão das projeções para o setor para 2024.
Com a iniciativa, definiu-se ao menos uma forma que promete dar um regramento à entrada de aços importados no país, que vinha sendo vendido a preços e condições que configuravam “dumping explicito”, ou seja, preços abaixo do custo, em ampla violação dos preceitos básicos do comércio, o que, em várias ocasiões foi postulado pelos diretores do Instituto. Assim, no dia 18 de junho, durante a realização da última Coletiva de Imprensa antes do Congresso e Expo Aço Brasil 2024 – evento que acontecerá entre os dias 5 e 7 de agosto, no Transamérica Expo Center, na capital paulista –, Jefferson De Paula e Marco Polo de Mello Lopes, respectivamente o presidente do Conselho Diretor e o presidente executivo da entidade, apresentaram as novas projeções que identificaram o norteamento do setor para este ano.
CONCORRÊNCIA DESPROPORCIONAL
Atualmente, o Brasil possui um parque industrial siderúrgico distribuído por vários estados, composto por 31 usinas produtoras, administradas por 11 grupos empresariais, sendo que 16 delas são integradas – aquelas de processam o minério de ferro em aço liquido e, posteriormente, em produtos laminados a partir de pelo menos um Alto-Forno em funcionamento –, ou mais e 16 usinas que se utilizam do processo “Minimills”, que são aquelas que operam fornos elétricos, e fazem uso de sucata como principal matéria-prima do processo. Somadas hoje em dia, as produções dessas unidades atingem a capacidade instalada de 51 milhões de toneladas anuais.
Só que, apesar de toda essa capacidade teórica, nos últimos dois anos o setor conseguiu atingir pouco mais de 60% dela: em 2022, foram 34.089M/t, e, em 2023, somente 32.030M/t, sendo que a projeção ventilada em novembro do ano passado pelo Aço Brasil, efetivamente assustadora, era de somente 31.068M/t para o ano de 2024. Então, levando em consideração a dura realidade de que “os números não mentem”, isso indicava que estávamos regredindo, em vez de evoluirmos.
Segundo Jefferson De Paula – que além de presidente do Conselho Diretor do Aço Brasil é também presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO da ArcelorMittal Aços Longos e Mineração LATAM –, apesar de todo o esforço e investimentos da indústria siderúrgica nacional voltado ao crescimento de sua produção, existem vários fatores que contribuíram para o estado de coisas que vivemos hoje. Uma delas está relacionada ao excedente mundial, que no final do ano de 2023, segundo dados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Worldsteel, era de incríveis 556 milhões de toneladas, sendo a maior concentração delas proveniente da China.
E como é de conhecimento de todos, além da sua contínua expansão da produção de aço, houve também uma queda nos investimentos e no crescimento da construção civil naquele país asiático. E isso acabou tornando obrigatória a sua saída para as exportações da liga. O problema, é que o regime chinês injeta recursos por meio de subsídios em sua indústria do aço, bem como em outras modalidades, o que instala globalmente uma situação de concorrência desproporcional. Dessa forma, de acordo com estudos apresentados pelo Instituto às autoridades brasileiras, o aço chinês chegou a ser comercializado no país com uma margem negativa de 19,61% em relação ao preço de produção. E outro cruel componente nessa história é de que os países da América do Sul, entre os quais estamos inseridos, eram o único continente que permitia a chegada de aço chinês com pouquíssimas restrições, ou, em alguns casos, sem restrição alguma.
Assim, apesar de o Brasil estar posicionado como a 9ª maior nação produtora mundial de aço, a atual capacidade da China de exportação é de 100 milhões de toneladas anuais, o que corresponde a duas vezes a capacidade instalada brasileira, e ao triplo da produção nacional. Em outras palavras, a China, em apenas 11 dias, fabrica atualmente toda a produção de aço que nosso país fabrica em um ano.
Ato contínuo, as nações mais desenvolvidas do planeta, como os Estados Unidos, trazendo a reboque o México, no âmbito correlato da América do Norte, além dos 27 países que compõem a União Europeia, adotaram tarifas de 25% para as importações, enquanto que os países do continente asiático definiram várias salvaguardas em favor de suas indústrias. E, inclusive, têm-se notícia de que os Estados Unidos estão elevando de 25% para 50% as tarifas para determinados tipos de aços.
Nessa história, outro fato que está chamando a atenção é o de que, enquanto a China esta sendo alvo de inúmeros processos movidos por organismos mundiais pela prática de dumping – neste momento, são mapeados 224 deles –, ela tem direcionado investimentos em forma de participação em várias usinas de outros países asiáticos. O Comitê do Aço da OCDE estimou que até o ano de 2030 haverá um crescimento de cerca de 100 milhões de toneladas naquele continente, distribuído por investimentos chineses em usinas da Indonésia (28.3M/t), das Filipinas (18,5M/t), da Malásia (11,3M/t), do Camboja (4,1M/t), do Mianmar (4M/t), do Vietnã (0,5M/t) e de outros, completando o montante.
COMO FICAM AS NOVAS REGRAS
A decisão que estabeleceu o novo regramento relacionado às importações de aço para o Brasil, que passou a vigorar no último dia 1º de junho, foi tomada pelo conjunto de Ministros do Gecex, levando em consideração as diversas reivindicações apresentadas pelo Instituto Aço Brasil que vêm de muito tempo. A argumentação teve como documento básico a ‘Lista de Desequilíbrios Comerciais, Conjunturais e de Recuperação de Volume da Siderurgia Brasileira”.
Nos últimos meses, teve início uma recuperação do consumo aparente, que é o indicador do consumo de um grupo, representado pela parcela da produção mais importações, menos exportações, só que vinha se recuperando baseado somente na importação em detrimento da indústria nacional. E a fórmula encontrada para equacionar a questão foi a definição de cotas de importação, com a taxação dos excedentes em 25%. Uma vez implantada está medida será válida por 12 meses a partir de 1º de junho de 2024.
Na ocasião da divulgação da nova norma, o próprio MDIC informou em nota que o volume de importações dos 11 produtos de aço havia superado em 30% a média das importações entre 2020 e 2022. Ainda segundo o documento, tornado público pela Agência Brasil de Notícias, os estudos técnicos mostraram que as cotas não trarão impacto nos preços ao consumidor nem à cadeia produtiva. “Durante 12 meses, o governo vai monitorar o comportamento do mercado. […] E a expectativa […] é de que a decisão contribua para reduzir a capacidade ociosa da indústria siderúrgica nacional”, discorre o conteúdo da nota, contemplando uma antiga reinvindicação do Instituto Aço Brasil.
Inicialmente, a proposta da entidade representativa da indústria siderúrgica nacional era do estabelecimento de uma alíquota única de 25% no geral, como acontece nos Estados Unidos, no México e nos países da União Europeia. Só que essa reivindicação acabou evoluindo para a definição de cotas por meio de uma equação tomada em conjunto pelos técnicos do governo, assessorados pelos técnicos do Instituto Aço Brasil. Em função disso, existe uma proporção de “80/20”, que é 80% para quem já tem histórico de importação, e 20% para quem ainda não o tem, e deseja criá-lo a partir de agora.
Dessa forma, o cálculo da cota ficou definido com a apuração das importações realizadas entre os anos de 2020 e 2022, com o estabelecimento de uma média, somada a um Delta de 30%. Segundo Marco Polo de Mello Lopes, no ato da implantação, observou-se um problema que já foi corrigido, mas que exigirá permanente atenção e fiscalização constante dos membros do Comitê, formado pelos seus representantes em conjunto com os representantes do governo, que é o chamado “NCMs de Fuga” – Nomenclatura Comum do Mercosul.
Isso derivou do fato de que, como foram definidas as cotas para 9 NCMs, às quais, posteriormente, foram adicionadas mais quatro de um total de 273 NCMs, quem compõem todo o universo dos produtos siderúrgicos, começaram a surgir “produtos alternativos”, dependendo da adição de mais ou menos zinco, por exemplo, para fugir da legislação estabelecida. Contudo, a manobra foi prontamente identificada e revertida para que esses itens passassem a ser enquadrados na nova sistemática. “Acredito que tais tentativas deverão se repetir nos próximos meses, pois tudo é um aprendizado. Mas estamos com uma força tarefa montada exclusivamente para detectar essas práticas de fuga e fazer cumprir a regulamentação. Realizaremos reuniões mensais ou, se necessário, em intervalos até menores, para que todos os parâmetros estabelecidos sejam cumpridos, e possamos retomar o crescimento tão aguardado pela siderurgia e por toda a indústria nacional”, asseverou durante a Coletiva de Imprensa de junho.
Ainda segundo o presidente executivo do Aço Brasil, o forte ingresso de aço importado no país, nos primeiros meses de 2024 limitaram o crescimento da produção nacional, que se manteve quase estável em relação a igual período de 2023. “Entretanto, esperamos que as medidas anunciadas pelo governo, em resposta às preocupações do setor causem a reversão dessa tendência, considerando a expectativa de uma efetiva aplicação dos mecanismos de defesa comercial estabelecidos”, complementou.
E, uma vez implantadas as novas regras disciplinando a entrada de aços importados, o Aço Brasil acredita que persistindo, ou se mantendo a continuidade do crescimento do consumo aparente registrada no 1º Semestre de 2024, deixarão de ser importados cerca de 1 milhão de toneladas de aço, revertendo esse número para a produção nacional.
NOVAS PROJEÇÕES PARA O SETOR
Diante desse novo quadro, o Instituto Aço Brasil apresentou suas novas projeções para o ano de 2024. Assim, na produção, que havia sido estimada em novembro do ano passado em 31.068 M/t, com queda de 3%, a nova previsão é de que ela aumente em 0,7%, para 32.241M/t. Por sua vez, nas vendas para o mercado interno, nas quais era esperada uma queda de 6%, com 18.372 M/t, agora estima-se que elas crescerão 2,5%, para 20.024M/t.
Entretanto, nas exportações, em função do histórico mencionado aí atrás, estas deverão continuar com dificuldades. Na época da coletiva de imprensa, o Instituto Aço Brasil fez a projeção de que elas, em 2024 apresentassem uma redução de 1,3%, para 11.869M/t. Contudo, agora, a expectativa caiu bastante: deverão ser 4,2% menores, com 11.217M/t embarcadas para o exterior. E a estimativa das importações, cujo montante esperado no final de 2023 era de 11.217M/t – devendo, portanto, aumentarem impressionantes 20% em 2024, com a chegada de 6.030M/t de aço ao Brasil –, caiu agora para 4.672 M/t, muito em função do que já chegou ao país antes da entrada em vigor da legislação das cotas. Com isso, a previsão do consumo aparente de aço no Brasil deve permanecer com crescimento de 1% variando de 24.629 M/t para 24.225M/t até o final do presente ano, sendo que a diferença nesse número será baseada na produção nacional.
“Após as novas projeções, a indústria do aço está pronta para retomar a sua escalada de investimentos anunciada que prevê no período de 2023 a 2028, com investimentos da ordem de R$ 100 bilhões”, enfatizou Jefferson de Paula no encontro com a Imprensa de junho.
Por ocasião da coletiva, Jefferson ainda lamentou a tentativa – ou uma efetiva formação em andamento – de uma coalizão entre algumas entidades empresariais consumidoras de aço, que se mostraram contrárias ao pleito da siderurgia nacional e fizeram gestões junto ao governo, visando a não definição do ajuste agora determinado e que dará condições de continuidade à siderurgia nacional. Citou ainda que várias afiliadas já tinham definido pela paralisação de unidades ou desativação de equipamentos, além da suspensão dos investimentos previstos. Ele entende que o Brasil precisa de união de todos na busca do crescimento do desenvolvimento social. E, para isso uma indústria forte é fundamental. Citou ainda o fato de que, com a importação das 5 milhões de toneladas em 2023, o setor siderúrgico nacional teve uma perda de faturamento de R$ 30, 6 bilhões, e deixou de pagar R$ 5,13 bilhões em impostos, materializando uma perda efetiva de arrecadação do governo, o que proporcionou a virtual “exportação” de 248.225 empregos no período, que deixaram de ser ocupados por trabalhadores brasileiros.
E finalizou dizendo: “É imprescindível que o sistema de Cota-Tarifa adotado pelo governo seja eficaz e atinja seu objetivo de bloquear as importações predatórias. A efetividade da medida é necessária para que o setor possa seguir contribuindo para o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável do Brasil, preservando investimentos e a geração de emprego e renda. A indústria do aço está à disposição para engajar-se no esforço de retomada do crescimento do nosso país, e ser a base para iniciativas que se desenvolvam nas áreas de infraestrutura, saneamento, moradia, transportes e energia. ”
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VEM AÍ O CONGRESSO E EXPO AÇO BRASIL 2024!
Entre os dias 5 e 7 de agosto de 2024, o Instituto Aço Brasil realizará a 34° edição do Congresso Aço Brasil, no Transamerica Expo Center, na capital paulista. Esse evento traz como objetivo reunir stakeholders, especialistas e lideranças do cenário econômico e empresarial da indústria do aço. E a volta da ExpoAço é a grande novidade deste ano. Vitrine para divulgação de tecnologias, produtos e tendências, a feira também é uma oportunidade única para troca de conhecimentos e estabelecimento de parcerias e negócios.
Na abertura do Congresso, será realizada a cerimônia de posse dos novos presidente e vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil. Estão previstas as presenças de autoridades do Governos Federal e Estadual. Entre elas, a do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin; e o governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
PROGRAMAÇÃO DE ALTO NÍVEL
A Conferência Magna sobre Geopolítica do aço marcará o início dos debates no Congresso, tendo como moderador Sergio Leite de Andrade, conselheiro do Instituto Aço Brasil e vice-presidente de Assuntos Estratégicos da Usiminas. O keynote speaker será Paolo Rocca, presidente do Grupo Techint.Na sequência, será realizado o primeiro painel do evento, que tratará do tema “Transição Energética e Descarbonização: Estratégias Rumo ao Aço com Baixa Emissão de GEEs”. Paulo Camilo, presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e membro da Coalizão Indústria, será o moderador. O keynote speaker será Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Os debatedores serão Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA); Thais Terzian, analista e editora do Crude Steel Market Outlook e do Metallics Market Outlook da CRU, empresa global de inteligência de negócios de commodities; e Frederico Ayres Lima, conselheiro do Instituto Aço Brasil e diretor-presidente da Aperam South America.
GEOPOLÍTICA, DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Na manhã do dia 6 de agosto, será realizada a conferência especial “Inteligência Artificial e Inovação na Indústria”, com Walter Longo, Especialista em Inovação e Transformação Digital. O debate sobre “Geopolítica e Comércio Internacional do Aço – China e sua Política de Estado” terá como moderador André Bier Gerdau Johannpeter, conselheiro do Aço Brasil e vice-presidente executivo do Conselho de Administração da Gerdau. Como keynote speaker, participará Elizabeth Braw, pesquisadora sênior do Atlantic Council e autora do premiado livro “Goodbye Globalization”. Os debatedores serão Germano de Paula, professor da Universidade Federal de Uberlândia; Jesus Flores, presidente do Comitê de Economia e Relações Institucionais e membro da ALACERO; e Anthony de Carvalho, chefe da Unidade de Aço e economista sênior da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).Já no dia 7, terceiro dia, a programação do Congresso trará a realização do painel “Os Desafio da Reindustrialização – Oportunidades e Riscos” e será moderado por Jorge Oliveira, CEO da ArcelorMittal Aços Planos América Latina e conselheiro do Instituto Aço Brasil, e terá Márcio Fernando Elias Rosa, secretário executivo do MDIC, como keynote speaker. Os debatedores serão José Ricardo Roriz Coelho, da Coalizão Indústria e presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (ABIPLAST), e Léo de Castro, Presidente do Conselho Temático de Política Industrial e Desenvolvimento Tecnológico da Confederação Nacional da Indústria (CNI). E a Conferência Especial do dia será conduzida pelo cientista político Fernando Schuler.
Finalmente, o último painel do evento, “Perspectivas para a Indústria do Aço – A Visão dos CEOs”, que será moderado pelo presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes. Os debatedores serão Jefferson De Paula, presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO da ArcelorMittal Aços Longos e Mineração LATAM; Gustavo Werneck, conselheiro do Instituto Aço Brasil e diretor-presidente e CEO da Gerdau; Marcelo Chara, conselheiro do Instituto Aço Brasil e presidente da Usiminas; e Silvia Nascimento, conselheira do Instituto Aço Brasil e presidente da Aço Verde do Brasil (AVB). E na cerimônia de encerramento do Congresso Aço Brasil 2024 está prevista a participação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
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