Ainda que confiantes nos cenários futuros, integrantes da grande cadeia do aço se ressentem da “invasão” do aço chinês, e, cautelosamente, esperam que as medidas adotadas pelo governo possam surtir efeito, devolvendo a confiança e, ao mesmo tempo, permitir a retomada do desenvolvimento do setor.
Henrique Patria
Entre os dias 5 e 7 de agosto no Centro de Convenções do Hotel Transamérica, na capital paulista, os principais stakeholders da indústria do aço nacional e internacional – juntamente com as lideranças empresariais e políticas, figuras relacionadas ao meio econômico, universidades, consultorias, entidades financeiras e Imprensa –, reuniram-se para realização do Congresso/Expo Aço Brasil 2024. Na pauta do encontro estiveram as discussões e debates centrais sobre os principais problemas enfrentados atualmente pela siderurgia brasileira, bem como as perspectivas de curto e médio prazo. E, em paralelo, retomando uma dinâmica antiga, foi promovida também a ExpoAço 2024, uma das maiores exposições de produtos, da cadeia do aço do mundo, reunindo não só as usinas patrocinadoras, como diversos coadjuvantes dela. E, como não poderia ser diferente, ambos os eventos representaram uma oportunidade única de networking para todos participantes.
A sessão solene de abertura do Congresso e da mostra foi realizada na noite do dia 5, com a participação do até então presidente do Instituto Aço Brasil, Jefferson De Paula, que também é o CEO da ArcelorMittal Aços Longos e Mineração LATAM e com a presença do Presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin.
Na ocasião, De Paula fez um balanço de seus anos à frente do Conselho Diretor do Aço Brasil, e destacou as grandes dificuldades que todo o setor passou, principalmente em 2023, quando o país se viu invadido pela chegada do aço importado – em especial, do chinês –, fato que ocasionou um colapso na indústria nacional, principalmente em função das assimetrias competitivas proporcionadas pelas condições predatórias da chegada desses produtos no mercado brasileiro, obrigando várias usinas a realizarem o remanejamento de suas metas e previsões, bem como a paralisação e até o fechamento de algumas de suas unidades produtoras.
Acerca disso, em seu pronunciamento, ele também comemorou o fato de que, após inúmeras demandas junto ao Governo Federal, foi recente e finalmente criado um mecanismo de defesa do aço nacional, denominado “Cota-Tarifa” – já adotado por outros países, como os Estados Unidos –, por meio do qual se estabeleceu uma limitação dos volumes de chegada do aço importado ao Brasil, que, embora ainda continue sendo permitida, imporá a cobrança de ex-tarifários de importação iguais aos dos demais consumidores globais da liga.
Na sequência, Jefferson De Paula ainda fez questão de destacar os grandes esforços que a siderurgia brasileira vem envidando em prol da descarbonização dos processos de fabricação do aço, por meio de vultosos investimentos, e que estão obtendo muito êxito. “Enquanto a média mundial de emissão de CO² por tonelada produzida gira em torno de 7% a 8%, no Brasil já conseguimos atingir a marca de 4%, asseverou, com orgulho. E ainda na linha dos investimentos, destacou o compromisso das empresas nacionais em injetar, até 2026, um total de R$ 100,2 bilhões em recursos para a modernização dos processos de fabricação, que deverão ser destinados principalmente aos métodos de controle ambiental.
Por sua vez, Geraldo Alckmin, que, além da vice-presidência, também acumula atualmente o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do Brasil e no momento ocupava a posição de Presidente, uma vez que o principal mandatário estava em viagem fora do país – após ser agraciado com o troféu “O Homem do Aço do Ano”, pelo seu apoio à indústria siderúrgica brasileira, e agradecer tal distinção – fez uso da palavra para enumerar os esforços que o governo vem fazendo no sentido de acelerar o desenvolvimento do país. Assim, no relato, destacou as recentes medidas já adotadas e efetivamente em vigor, tais como a “Depreciação Acelerada” das máquinas e equipamentos utilizados na produção industrial, dos programas para beneficiar o setor automotivo nacional, da Reforma Tributária, e, ainda, do desenvolvimento dos programas habitacionais, que certamente vai incentivar o consumo do aço no Brasil. E, na tribuna, assegurou também que as metas relacionadas ao “Arcabouço Fiscal” estipulado pelo governo serão totalmente cumpridas, aumentando assim a segurança jurídica para quem quer investir em nosso país.
Dando continuidade à programação, foi realizada a posse dos novos dirigentes do Instituto Aço Brasil que passam a ser Sergio Leite de Andrade – que, agora, além de ser o vice-presidente de Assuntos Estratégicos da Usiminas, passou a ser também o presidente do Instituto Aço Brasil – e André Bier Gerdau Johannpeter, que além de vice-presidente executivo do Conselho de Administração da Gerdau, passou a ocupar o cargo de vice-presidente do Instituto Aço Brasil. E, ao final da solenidade de abertura do Congresso, os novos membros da direção do Instituto convidaram Alckmin e as demais autoridades a fazer a abertura oficial da ExpoAço 2024.
CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO
O segundo dia do Congresso teve início com a Conferência Magna, ministrada pelo presidente do Grupo Techint, Paolo Rocca, um dos principais protagonistas do cenário siderúrgico mundial, versando sobre a “Geopolítica do Aço”, e a relação dela com o avanço da Inteligência Artificial. A sessão foi comandada pelo novo presidente do Aço Brasil, Sergio Leite. Em sua exposição, Rocca fez um expressivo alerta à indústria na América Latina: “Ela deve acelerar de forma mais agressiva o seu processo de desenvolvimento, buscando aprimorar a questão de produtividade e seu caminho para o desenvolvimento”, enfatizou.
Citou ainda, como fato marcante, a demora em se estabelecer mecanismos de proteção à indústria na latino américa como a implantação da “Cota-Tarifa”, com capacidade de frear a participação da China no mercado global a partir das exportações desenfreadas oriundas daquele país, que só fez o Brasil perder competividade com a situação. “A China ganhou e o Brasil perdeu”, sublinhou.
Nesse sentido, o executivo ainda destacou práticas como o dumping, por meio das quais os produtos são vendidos a preços baixos para ganhar mercado, muitas vezes com mão de obra duvidosa e altos níveis de poluição. “O cenário é extremo, e precisamos urgentemente reforçar as necessidades e cadeias de valor. O impacto ambiental de fazer isso e descarbonizar é uma responsabilidade nossa, e devemos aproveitar os recursos naturais abundantes do Brasil para implantar e difundir o conceito da energia limpa em nossa produção, por meio do desenvolvimento de alternativas plausíveis, como é o caso da utilização do gás natural renovável”, asseverou, complementando que o que vem acontecendo com a indústria do aço na América Latina é alarmante, sendo que o que ela precisa urgentemente é gerar impacto de forma significativa atrair a atenção dos recursos humanos, financeiros e tecnológicos à sua disposição.
Rocca ainda chamou atenção e convocou todos a se unirem em torno de uma cadeia de valor, a fim de que seja formada uma “massa crítica” mais consistente, e com maior poder de negociação. “E em vez de unir forças apenas dentro do nosso setor, precisamos buscar uma transformação que aporte ao desenvolvimento industrial integrados. Não há futuro de expansão sem adotar interesses comuns da cadeia produtiva para o crescimento de todos”, concluiu.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA INDÚSTRIA
Outro ponto alto do segundo dia do Congresso foi também a Conferência Especial, comandada pelo especialista em Inovação e Transformação Digital, Walter Longo, sobre o tema “Inteligência Artificial e Inovação na Indústria”. Sua palestra levou os congressistas a refletirem sobre o futuro de suas organizações diante das mudanças que estão acontecendo no mundo com impressionante rapidez. Com precisão assertiva, Longo apresentou várias ferramentas que podem ajudar o empresário no desenvolvimento de seu processo produtivo que tem um incrível potencial de aumentar as possibilidades na realização de controles mais apurados tornando a empresa muito mais competitiva no cenário em que atua.
“A integração do homem com a máquina é absolutamente fundamental. E é triste constatar que muitos ainda estão subestimando as ferramentas que já existem, sem ter ideia do tempo que estão perdendo em não avançar na utilização delas. E que ninguém se iluda: a Inteligência Artificial é um ‘verdadeiro tsunami’. E quem não se prevenir estará fadado a perder competividade, e até a ser expelido do mercado”, pontuou.
POLÍTICA DE ESTADO CHINESA
Encerrando a programação do segundo dia do Congresso, o novo vice-presidente do Aço Brasil, André Bier Gerdau Johannpeter, coordenou um painel no qual se escancarou a “Política de Estado da China”, tendo como principal debatedora e keynote speaker pesquisadora sênior do Atlantic Council e autora do premiado livro “Goodbye Globalization”, Elizabeth Braw. Além dela, foram convidados a participar da ação o professor da Universidade Federal de Uberlândia, Germano de Paula; o presidente do Comitê de Economia e Relações Institucionais e membro da Alacero, Jesús Flores; e o chefe da Unidade de Aço e economista sênior na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Anthony de Carvalho.
Na ocasião, Braw foi muito incisiva ao descrever a atual política da China no setor siderúrgico. “A China deixa de seguir as regras estabelecidas para uma boa convivência mundial”, o que vem gerando insatisfação global. Por isso acabou por provocar as medidas protetivas da indústria, inicialmente nos Estados Unidos, posteriormente pela União Europeia, e posteriormente por outros países com o objetivo de frear a entrada de produtos chineses. “E tais práticas, naturalmente, estão se espalhando e se difundindo cada vez mais pelo planeta”, afirmou.
Por sua vez, Germano de Paula apresentou inúmeros estudos que levam a conclusão de que a China não é, efetivamente, uma economia de mercado. “E a sua investida em outros mercados tem muito a ver com a retração de sua economia local”, ponderou.
No final, a preocupante constatação que se tirou de todas as manifestações desse painel é de que a capacidade excessiva de produção chinesa tende a se agravar, pois estão previstas novas adições ao já gigantesco excedente mundial proporcionado pelas operações da China, o que deve dificultar ainda mais as condições de competitividade do setor siderúrgico em âmbito global. E essa conclusão levou o representante da Alacero, Jesús Flores, a levantar uma importante bandeira: “É preciso que sejam criados urgentemente novos regulamentos que possam inibir a investida chinesa na América Latina”, enfatizou.
INEFICIÊNCIAS DO “CUSTO BRASIL”
Já o último dia do Congresso Aço Brasil 2024 foi dedicado às reflexões sobre o futuro do setor e do próprio desenvolvimento brasileiro. Assim, o primeiro painel da programação versou sobre os “Desafios da Reindustrialização”, tendo como principal convidado o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Márcio Fernando Elias Rosa, também reconhecido como um dos mais importantes coordenadores da pasta na defesa e na busca de soluções para o desenvolvimento sustentado da indústria no Brasil.
Na ocasião, ele falou de vários programas que estão sendo implantados e dos recursos disponibilizados pelo governo brasileiro nesse sentido. Um dos mais emblemáticos dele é o “Nova Industria Brasil” (NIB), no qual os órgãos governamentais e a inciativa privada estão se unindo para a montagem de um grande plano de desenvolvimento industrial para o nosso país. E os demais debatedores do painel seguiram a mesma linha, manifestando a imperativa necessidade de que haja mais coordenação e coerência nas políticas públicas, para que o Brasil embarque em uma nova fase de desenvolvimento.
Também participando dessa importante atividade do Congresso, José Ricardo Roriz Coelho, que faz parte da Coalização Brasil, reforçou a urgência já apontada pelo conferencista Paolo Rocca no segundo dia do Congresso, de que se estabeleça uma maior união entre as cadeias produtivas, para que os avanços e a conquista de resultados se deem de maneira mais rápida. “O Custo Brasil faz com que produzir em nosso país seja muito mais caro do que fazer isso em qualquer outra parte do mundo. Espero que, quando estiver definitivamente implantada, a Reforma Tributária venha corrigir tais distorções”, acrescentou.
POLÍTICAS PÚBLICAS MAIS EFICAZES
Dando continuidade aos trabalhos do último dia do Congresso Aço Brasil 2024, foi convidado a fazer a sua apresentação o cientista político Fernando Schuler, que afirmou com todas as letras que o sistema tributário brasileiro penaliza quem trabalha. “A Reforma Tributária que ainda está por ser regulamentada pode contribuir para que as empesas tenham maior condição de competitividade no mercado global. Mas ainda convivemos com um problema muito sério, que é a polarização política, que diminui a velocidade das mudanças que precisamos. E isso, infelizmente, tem desviado o foco de se cuidar do que realmente interessa, e tem potencial de mudar os destinos da nação”.
Ainda segundo ele, o Brasil deveria focar na realização de políticas públicas que, efetivamente, pudessem contribuir para o desenvolvimento da infraestrutura, da educação e do crescimento real de nossa economia. “Então, devemos nos unir para exigir e pressionar as autoridades governamentais para que mudanças administrativas sejam feitas, com a diminuição do Estado em favor daquilo que é mais urgente”, observou, citando como exemplo a falta de mecanismos com o poder de incentivar o empreendedor nacional, tais como medidas fiscais e administrativas em favor do seu crescimento de suas atividades.
Schuler finalizou sua apresentação dizendo que independentemente de ideologias políticas, o que o brasileiro não pode aceitar é que a simples expressão de uma opinião contrária seja suficiente para banir autoridades e jornalistas que se viram obrigados a “fugir” do Brasil, por discordar com membros de um dos Poderes da República, exibindo no telão do Congresso um quadro no qual figuravam fotos de algumas “vítimas” de tais excessos, como Marcos Cintra, Deltan Dallagnol, Filipe Martins e jornalistas como Ricardo Fiuza, Luís Ernesto Lacombe, Rodrigo Constantino, entre outros.
É PRECISO VER A EXECUÇÃO PARA CRER
Como já se tornou tradição, o último painel do Congresso foi realizado com a presença de alguns dos presidentes e CEOs de usinas produtoras de aço, que usualmente sinalizam como enxergam o atual cenário, e discorrem como suas empresas estão se preparando para o futuro. O painel foi moderado por Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Aço Brasil, que iniciou expondo alguns dos números do setor, e montando um panorama de como se encontra a indústria siderúrgica brasileira no momento atual.
Na apresentação, os debatedores concordaram que 2024 deverá ser um ano com muito pouco a ser comemorado pelos produtores nacionais, devido ao fato de que os primeiros cinco meses do ano, foram marcados pela grande entrada do aço importado, em especial o chinês, e isso também em face do novo regramento da “Cota-Tarifa” ter sido adotada somente a partir do dia 1º de junho.
Convidado a participar do painel, em seus comentários Marcelo Chara, atual presidente da Usiminas, destacou que o “Efeito China” na siderúrgica nacional eliminou entre 25 e 30 mil empregos diretos e indiretos no setor. “Mas tenho confiança de que a eficiência do nosso trabalhador irá ajudar na retomada do crescimento”.
Mudando um pouco a temática, Silvia Nascimento, CEO da Aço Verde do Brasil (AVB), por sua vez afirmou que o Brasil tem fatores positivos na ajuda para o avanço no processo de descarbonização. “Nosso país que está mais perto de atingir o aço verde”, já que os fatores naturais são favoráveis a nosso desenvolvimento. Já Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, disse em seu pronunciamento que é preciso apoiar o programa “Nova Industria Brasil”. “Acredito que a união de governo e iniciativa privada é o caminho para a retomada de desenvolvimento”. Contudo, embora respeitando todas essas manifestações positivas, Jefferson De Paula, da ArcelorMittal, que se despediu da presidência do Conselho do Aço Brasil, não se mostrou tão otimista. Após mencionar as dificuldades deste ano de 2023 e agora em 2024, ele fuzilou: “Foram muitas promessas e muitos programas. Onde estão os investimentos do novo PAC? Eu prefiro ver a execução primeiro para poder comemorar”.