Dicas e informações essenciais para integrar e aplicar com sucesso as propostas da governança ambiental, social e corporativa no setor da siderurgia.

Marcus Frediani

Decisivamente, trata-se de uma estrada sem volta. Um novo modelo de governança corporativa e de suas ferramentas tomou conta do planeta. E a tendência é de que ele continue evoluindo cada vez mais no âmbito empresarial.

Entre as múltiplas fontes que abordam o tema, é o que demonstra um recentíssimo estudo realizado e divulgado pelo Google, em parceria com a MindMiners – empresa de pesquisa, tecnologia e dados –, apontando que, em 2024, espera-se um notável crescimento na aplicação de estratégias alinhadas aos princípios da ESG, a famosa sigla que define as ações com foco voltado às questões nas áreas de Meio Ambiente, Social e de Governança Empresarial.

Segundo o mesmo estudo, esse impulso é ainda mais significativo à luz do fato de que 83% dos brasileiros consideram cruciais a atuação das empresas, bem como a valorização das marcas no sentido de minimizar impactos negativos eventualmente causados por elas no âmbito dessas áreas, com o objetivo de contribuir para a construção de um mundo mais justo e responsável.

Tal afirmação deixa mais do que claro o fato de que, no caminho da ESG, a preocupação com o meio ambiente, tem que se aliar obrigatoriamente aos demais aspectos que determinam a composição da sigla. E isso, de maneira simultânea e uniforme, sem deixar nenhum deles para trás: a visão do setor produtivo sobre o tema da ESG precisa ser holística, ou seja, sobre o “todo”.

“A preocupação com o meio ambiente não é mais uma escolha individual das empresas. Diante da crise climática, por exemplo, a sustentabilidade é uma das prioridades para a sobrevivência dos negócios e da humanidade. Contudo, na equação da ESG, manter um olhar sobre todas as áreas, e, ainda, sobre todo setor produtivo, é algo de extrema importância. Isso significa que, quanto mais uma companhia trabalha em parceria com funcionários, fornecedores e cliente diversos, mais conectada ela está com essa cultura. Com efeito, isso tem potencial para melhorar a reputação de qualquer empresa, bem como apoiar a expansão e o crescimento de negócios de todos os portes”, explica, por sua vez, Leo Cavalcanti, consultor na área de relacionamento empresarial e CEO da Linkana, startup especializada em estratégia e softwares de gestão.

NA MIRA DA GOVERNANÇA
Dessa forma, a “caixa de ferramentas” ideal das empresas para se integrar-se às práticas e políticas de valor essencial no âmbito da ESG tem que ser apetrechada com instrumentos que permitam à sociedade avaliá-las, com total transparência, quanto aos seus eventuais riscos reputacionais ou operacionais tanto em termos ambientais quanto sociais e de governança corporativa.

Assim, entre esses pontos-chave de análise positiva se encontram os licenciamentos e certificações ambientais perfeitamente atualizadas; as certificações de qualidade, como a ABNT NBR ISO 9001:2015; a posse de uma ficha limpa de autuações atinentes as transgressões de trabalho escravo e de mão de obra infantil; a existência de uma real e tangível igualdade de oportunidades, com inclusão de pessoas com deficiência e de gêneros diverso; informações sobre a existência ou não de processos falimentares ou recuperação judicial; e, ainda, a promoção de ações de combate à corrupção.

AJUSTE DE FRONTEIRAS
Nessa história, como se sabe, um dos setores mais visados e cobrados em relação ao seu compromisso com as boas práticas de ESG é, sem dúvida alguma, o siderúrgico, uma vez que os materiais e processos utilizados nas operações tradicionais de produção de aço e ferro, entre os quais a liberação de grandes quantidades de CO2, são prejudiciais ao meio ambiente e à saúde da sociedade. E por “sociedade”, entende-se toda a população, na qual os funcionários e clientes das usinas e dos distribuidores de aço – estes últimos abarcados pela premissa da responsabilidade solidária – estão naturalmente integrados.

Nesse sentido, a governança das usinas siderúrgicas – notadamente a de caráter ambiental –, vem sendo colocada à prova de diversas maneiras, inclusive com a criação de certificações e protocolos regulatórios com o objetivo de auferir o tamanho da pegada de carbono do aço produzido por elas, a fim de conferir aos clientes a certeza de que eles estão comprando produtos ambientalmente responsáveis.

Um dos mais recentes exemplos disso foi a criação do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), ou Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono, que começa a representar desafios logísticos, financeiros e de comunicação significativos para a importação de aço para os países da União Europeia. Em síntese, trata-se de um dispositivo de taxação de carbono aduaneiro para produtos exportados para o “Velho Continente”, entre elas o aço, que tem como objetivo igualar o preço do CO2 de importações provenientes de fora do bloco ao preço pago caso fossem produzidos em território europeu e, consequentemente, sujeitos ao Regime de Comércio de Licenças de Emissão, em inglês, Emissions Trading System (ETS).

A fase inicial do mecanismo encontra-se em vigor desde o dia 1o de outubro do ano passado, e tem caráter transitório até 31 de dezembro de 2025. Nesse período, será exigida dos exportadores a comunicação trimestral das emissões diretas de gases de efeito estufa para todo o aço produzido por eles para chegar à Europa. E, a partir do primeiro dia de 2026, além dessa comunicação contínua, o CBAM também exigirá que os importadores de produtos abrangidos comprem “Certificados CBAM”, para cobrir as emissões incorporadas excedentárias dos produtos, a preços equivalentes aos fixados para as licenças do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE (RCLE-UE), a fim de garantir um comércio justo na UE e de se alinhar com a política da UE de redução das alterações climáticas. Também a partir do primeiro dia de 2026, a comunicação das emissões exigirá a comprovação por um organismo acreditado, e ainda declarações anuais que especifiquem o total de emissões incorporadas, além dos certificados CBAM que atestam a compensação dessas emissões no ano anterior.

INDICADORES DE DESEMPENHO
No entanto, essa não é a única preocupação. As siderurgias pretendem defender as reformas estruturais, reforçar a segurança jurídica, desburocratizar marcos regulatórios e criar planejamentos de indústrias mais sustentáveis, entre outras iniciativas para o fortalecimento da sua governança. E a boa notícia é que, segundo os dados da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM), mais de 90% das indústrias do setor já aderem às ações relacionadas à aplicação dos princípios ESG

Em que pese essa cifra alvissareira, entre os principais desafios de implementar o ESG na siderurgia, ainda persiste a dificuldade de medir o desempenho e criar mecanismos de monitoramento eficazes para que a proposta alcance velocidade de cruzeiro. E é aí que precisam entrar em cena os “Indicadores de ESG”, que são exatamente as métricas utilizadas para mensurar os resultados que as ações adotadas e realizadas por uma empresa obtiveram, no que se refere à execução de boas práticas voltadas para os três pilares que formam essa sigla, considerando os seguintes aspectos:

  • Environmental (Ambiente), que analisa as ações da empresa em relação às questões ambientais e de qualidade da empresa;
  • Social, que avalia os direitos humanos, passando pelo cuidado com os colaboradores e a comunidade do entorno; e
  • Governance (Governança Empresarial), que pondera as políticas adotadas pela empresa, como também os direitos dos acionistas, ética, transparência e combate à corrupção.

Assim, os passos mais relevantes nesse processo de estruturação passam, inicialmente, pela criação de conselhos internos voltados ao tema, que são uma espécie de comunidade, que não só ajudam a manter o alinhamento das estratégias de ESG na empresa, como também a aprimorar dentro delas valores como transparência e equidade. Na sequência, tendo as ações de governança bem definidas, é preciso comunicar os colaboradores da companhia sobre suas práticas e políticas de governança, porque de nada adianta construir um planejamento sustentável se não houver conhecimento sobre as normas estipuladas. E, finalmente, é necessário criar uma base de análise de dados para se criar insights relevantes, etapa em que investimentos em tecnologia, Big Data e automação de processamento digital tornam-se fundamentais.

SUSTENTABILIDADE EM FOCO
Daí vem a pergunta: “Como colocar indicadores ESG em prática na indústria siderúrgica? Bem, existem várias formas possíveis, atreladas a cada uma das letrinhas da sigla.

Na esfera ambiental, conforme explica novamente Leo Cavalcanti, o CEO da Linkana, no início da pandemia da COVID-19, o mundo parou, gerando várias e rápidas mudanças no pensar das pessoas, e até mesmo uma diminuição global recorde de 7% nas emissões de CO2. E isso deixou claro duas coisas: a primeira é que a luta pela sustentabilidade é possível. E, a segunda, que a siderurgia também foi responsável por isso, evidenciando o fato de que elas têm que olhar para dentro delas mesmas para contribuir com essa luta. Por esse motivo, a emissão de CO2 não só virou assunto, mas também tendência do setor para o futuro.

E as alternativas para que isso efetivamente aconteça são muitas, a começar pela definição de uma área de floresta para conservação. “O plantio de árvores nativas para compensar as emissões feitas pela empresa e a adoção de um Sistema de Gestão de Transportes para otimizar as entregas e reduzir o impacto ambiental, são apenas alguns exemplos do que pode ser feito”, destaca o especialista, corroborando a iniciativa de vários fabricantes de aço no Brasil, que já integraram imensas áreas verdes aos seus parques industriais.

Complementarmente, ainda segundo Leo, dois outros temas que fazem parte desse indicador, podem ser implantados e ainda vir a ser mais bem disseminados na estruturação dessas empresas no que tange à preservação ambiental. O primeiro é o gerenciamento dos resíduos sólidos e líquidos, uma vez que esta, quando feita adequadamente, permite um melhor e mais extenso controle dos impactos ambientais, prevenindo a poluição do solo, do ar e/ou da água. E o segundo é a redução do consumo de recursos naturais, prática cuja adoção pode ser feita a partir da formatação de programas ambientais que buscam diminuir o consumo de tais insumos, por meio da otimização e modernização de processos produtivos – tais como o maior reaproveitamento dos gases e a transição da fontes de energia no processo industrial do aço –, contribuem significativamente para a boa manutenção de um eficiente “escudo ecológico” local.

COMPROMISSO SOCIAL
Já na esfera social, urge também as usinas passarem a agir mais positiva e proativamente em face ao espaço e ao interesse cada vez maior que os temas ligados a ela vêm despertando entre os consumidores, clientes, investidores e profissionais do setor siderúrgico, englobando as já citadas e cada vez mais presentes discussões sobre temas como diversidade e inclusão, promoção da sustentabilidade na cadeia de suprimentos e relações de trabalho mais dignas e saudáveis.

Por conta disso, a participação mais expressiva de minorias nos ambientes de trabalho, a preocupação com a saúde física e mental dos colaboradores, a oferta de treinamentos e desenvolvimento das equipes, são alguns dos pontos que podem (e devem) ser trabalhados em uma empresa. Já olhando para o público externo, isso significa trabalho voluntário em favor da sociedade vinculada à companhia, engajamento com a comunidade e ações filantrópicas para apoiar causas de interesse da empresa.

TRANSPARÊNCIA ACIMA DE TUDO
Por último, mas não menos importante na escala da ESG, na esfera de governança empresarial – na qual muitos aperfeiçoamentos já foram feitos na rotina institucional das siderúrgicas, especialmente com a relevância desse assunto nos últimos anos no Brasil –, a adoção de boas práticas de compliance, por exemplo, tem sido muito bem recebida por investidores, por mostrar o olhar dedicado à saúde fiscal e financeira da companhia, e também destacar a luta da empresa contra atos de corrupção e/ou subornos.

Completam o “guia” desse indicador, entre as atitudes e ações cada vez mais frequentes e consistentes para que as indústrias evoluam nessa área, a realização de investimentos no treinamento de lideranças, a manutenção da transparência com o mercado, a garantia dos direitos a sócios e acionistas, e a adoção de Conselhos de Administração independentes e diversos, que, certamente, aportaram grandes ganhos de imagem e de promoção de negócios a essas empresas.

TENDÊNCIAS EM ESG QUE VÃO MOLDAR O CENÁRIO CORPORATIVO EM 2024

À medida que as empresas se preparam para enfrentar os desafios dinâmicos no mundo dos negócios, a interseção entre as práticas da ESG emerge como um tópico estratégico fundamental para o sucesso sustentável das organizações.

Com o intuito de fornecer insights sobre esse tema, a conselheira e especialista em ESG Claudia Elisa Soares apresenta as principais tendências que moldarão o cenário corporativo em 2024. Elas não só refletem mudanças no panorama empresarial, como também oferecem oportunidades significativas para inovação e crescimento organizacional como um todo. Confira!

  • Transformação Digital para Sustentabilidade – A convergência entre transformação digital e práticas sustentáveis será mais acentuada em 2024. Empresas que incorporam tecnologias inovadoras para otimizar operações e minimizar impactos ambientais terão uma vantagem competitiva significativa.
  • Abordagem Holística da Diversidade e Inclusão – A diversidade não pode se limitar apenas à representação demográfica. Empresas que adotam uma abordagem holística da diversidade, incluindo habilidades, experiências e pensamento, irão prosperar. A inclusão se tornará uma parte intrínseca da cultura organizacional.
  • Mensuração e Relato ESG Aprimorados – A crescente pressão dos stakeholders e investidores exigirá uma mensuração e relato mais robustos em relação aos objetivos ESG. Claudia Elisa destaca a importância de indicadores mais precisos para avaliar o impacto real das ações sustentáveis.
  • Investimentos com Propósito – Em 2024, a conselheira antecipa um aumento significativo nos investimentos com propósito, nos quais os investidores priorizarão empresas alinhadas com seus valores ESG. Empresas comprometidas com causas sociais e ambientais serão mais atraentes para investidores conscientes.
  • Adaptabilidade Climática – A adaptabilidade climática será um tema crítico, com empresas adotando estratégias de adaptação para enfrentar os desafios decorrentes das mudanças climáticas. Claudia Elisa ressalta a importância de estratégias que não apenas mitiguem, mas também se adaptem aos impactos ambientais.